Por trás dos vídeos em que Benedita de Souza, de 76 anos, aparece enfileirando palavrões e xingamentos com a criatividade que tem cativado mais de 121 mil seguidores no Instagram, existe uma senhora de origem simples, que nasceu em Barra do Bugres, mas foi criada em Nortelândia, e sonha com a construção da casa. Atualmente, ela, o marido e um dos oito filhos moram em um barraco improvisado com madeira e lona em um sítio na cidade em que Benedita cresceu.
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O conteúdo para o Instagram e TikTok, onde ela já chegou a bater a incrível marca de mais de 5 milhões de visualizações, é gravado pelo “neto do coração”, Rogério Cândido da Silva, de 32 anos. São quase cinco décadas de diferença e eles não sabem explicar a origem do afeto, mas Benedita decreta: “tenho ele igualzinho tenho meus netos”.
“É só do mesmo bairro mesmo, não tem laço sanguíneo, mas a bíblia diz que há amigos mais chegados que irmãos”, afirma o neto postiço.
Ela conta que conheceu Rogério ainda criança em Nortelândia quando moravam na mesma rua. Antes de se mudar para o sítio, Benedita morava em um imóvel alugado, mas precisou sair por pedido do proprietário. O uso de lona e madeira é justificado pela pressa com que a família precisou construir um novo lar.
“Eu quero construir a casa, porque a casinha nossa lá é bem simples, a gente quer ajeitar melhor. É um sonho que tenho. Quando mudei para lá, a gente não tinha intenção de fazer nada, mas decidimos ficar lá”, diz Benedita que atualmente vive com a aposentadoria e alguma ajuda dos filhos.
“Esse período de chuva é triste lá, porque um pouco é telha eternit e outro pedaço lona, não alaga, mas tem goteira. Foi mudança às pressas, a casa que ela morava não era dela, foi pedida pelo dono e teve que fazer a casa às pressas. Praticamente uma aposentadoria dos dois vai só para remédios”, completa Rogério.
A relação entre Benedita e o neto do coração sempre foi preenchida pelo bom humor e o sentimento que ela nomeia como “deboche”. “Nós brincamos demais, ele é debochado, olha a cara dele”, justifica a idosa em meio a gargalhadas.
Em janeiro do ano passado, sem pretensão de que a personalidade de Benedita fosse cair nas graças do público virtual. Rogério lembra que apenas filmou uma das interações que eles costumavam ter no sítio em Nortelândia, preenchida pelo deboche e pelos “apelidos criativos” inventados pela idosa.
“Pode ver que os vídeos são espontâneos, não tem nada combinado, chego lá com o celular gravando e chamo: ‘veia’. E é daquele jeito, não combinamos nada. Depois desse vídeo o ‘trem pegou’ e ela nem sabia, ela ficou mais ou menos um mês sem ela saber que eu estava postando, ela achava que ficava guardado. Um neto dela que falou: vó, a senhora tá famosa, tem um vídeo com quase 5 milhões de visualizações”.
Sempre aos risos, Benedita conta que ficou surpresa quando recebeu a notícia da fama pelo neto. Com sotaque carregado, ela resume a reação: “o quê, guri? Rogério vai me pagar”. Ela lembra que o neto caiu na risada também e que, dali em diante, começou a entrar na brincadeira de Rogério.
Vida no sítio e momentos de descontração
Entre galinhas, patos e cachorros, que algumas vezes aparecem nos vídeos, Benedita leva uma vida simples no sítio, plantando os próprios alimentos, como faz com as bananas e mandiocas. O orçamento da casa de lona e madeira não suporta luxos, mas o ânimo da idosa mudou desde que começou a gravar os vídeos com o neto do coração.
Benedita conta que chegou a começar a ter um quadro depressivo e a querer deixar o sítio. Ela confessa que alguns seguidores a acusam de ter a “boca porca”, por conta dos palavrões, mas os recados de amor são maioria, garante Rogério.
“Até hoje não entendo direito isso aí, guria. O que vai saindo na telha eu vou falando, tem nome difícil que não consigo falar. A gente agradece quem segue nós. A gente faz a caixinha de perguntas sempre tem um que fala que gosta, que é de idade ou tem problemas e isso aí anima. No começo, estava começando até com depressão, tinha na cabeça que queria ir embora de lá, depois que ele começou a fazer isso melhorou 100%. Tem dia que estou meio triste, ele já chega me atentando, esqueço do problema”.
Por ser mulher e negra há 76 anos, Benedita não teve uma vida fácil. Começou a trabalhar com 11 anos, quando assumiu a responsabilidade de cuidar de outra criança para conseguir ajudar na renda familiar. Por conta do trabalho duro, não pôde estudar, mas também não se lembra de qualquer abertura para que mulheres tivessem acesso aos estudos.
“Era muito difícil trabalhar como doméstica, naquela época era bem difícil, não tinha final de semana e feriado, era o dia inteiro. No começo cuidava de criança, porque era muito nova, depois aprendi a fazer o serviço mesmo.Meu pai era bem pobre, tinha que trabalhar. Não tinha tempo de estudar, naquela época o estudo também era bem difícil e também era sim: pra que mulher quer tá estudando?”.
Com 17 anos, Benedita se casou e pariu nove filhos. “Oito vivos, todos bem, graças a Deus”. Desde o casamento, ela e Juca continuam compartilhando a vida juntos, na alegria e na tristeza. Em um dos vídeos no perfil da idosa, o casal aparece animado ao dominar passos de lambadão.
“Sou assim desde nova, não gosto de falar nome feio, mas falo besteira, palavrão. Brigava com meu véio, falava besteira, era com galinha, com cachorro”.
Rogério reforça que o objetivo do conteúdo que produz com Benedita é a construção da casa própria da avó que ganhou da vida. Para isso, ele começou a rifa virtual de um iPhone 15 Pro Max. Cada número é vendido por R$ 0,45 e todo o valor arrecadado será usado para construir o imóvel.
“A gente leva alegria para as pessoas, temos muitos relatos de pessoas que têm depressão e, por ela também percebo que o dia dela fica mais alegre. Todo dia tenho uma aula de vivência com essa mulher, é uma sabedoria incrível, nas besteiras dela, ela tem uma sabedoria incrível. Eu que tenho que agradecer, fico grato e muito feliz. Gosto demais de tamanduá”.
