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Quarta-feira, 14 de agosto de 2024

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quase dois anos sem casa

Ginásio de VG ainda serve de moradia para 19 famílias que lamentam pelo terceiro Natal no local

Foto: Olhar Direto

Ginásio de VG ainda serve de moradia para 19 famílias que lamentam pelo terceiro Natal no local
Vivendo no ginásio Vereador Valdir Pereira, no bairro Mapim, em Várzea Grande, Blenda Caroline de Campos Pereira se prepara para passar o terceiro Natal debaixo das estruturas metálicas do espaço esportivo, dividindo espaço com pombos, que deixam o local insalubre por conta das fezes, e outras 18 famílias que improvisaram "casas" com barracas de lona. 


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Blenda tem 27 anos, sendo que em dois deles a única referência de "lar" que teve foi o ginásio Vereador Valdir Pereira. Assim como a filha mais nova dela, de quatro, que quando ouve os irmãos questionando o motivo de não voltarem para casa, afirma que eles já estão nela. 

"É a única que ela conheceu de verdade. Quando eu morava de aluguel do lado da casa da minha mãe, ela tinha apenas um ano. Os irmãos ainda lembram, pedem para voltar. Ela não conhece outra realidade. Isso me deixa triste, gostaria que a vida deles fosse diferente". 

Assim como os outros moradores do ginásio, Blenda ocupou uma das casas do Residencial Colinas Douradas, construído pelo programa "Minha Casa, Minha Vida". Ela e outras 1,2 mil famílias foram despejadas do conjunto habitacional sob forte repressão policial. 

Deles, 44 foram abrigados no ginásio, que no princípio chegou a ficar fechado. Vídeos das pessoas tomando sol e chuva com os pertences na frente do local chegaram a ser compartilhados nas redes sociais. Desde 16 de dezembro de 2020, eles estão morando entre arquibandas e vestiários, que são usados por todos. 

"Não é fácil... é só olhar. Cheio de fezes de pombos. Esses dias descobrimos um pombo morto dentro da caixa d'água, a mesma água que usamos para escovar os dentes. Algumas pessoas começaram a ter diarreia, mas ninguém adoeceu de forma mais grave". 

Espaço insalubre 

Na frente do ginásio, Jéssia Araújo, de 31 anos, tenta ninar o filho recém-nascido. De poucas palavras, a mulher lamenta ter precisado passar a gestação dentro do local. No primeiro mês do bebê, ela conseguiu passar uns dias na casa da mãe, mas afirma que ela também não tem condições de abrigá-la. 

"É dificil, sair daqui para pagar aluguel não tem como. Fiquei um mês na casa da minha mãe quando ele nasceu, mas minha mãe também é ruim de situação. Como vou sair daqui e pagar aluguel?". 

Jéssica usa a palavra "horrível" para definir a gestação no ginásio. Sem conforto e condições básicas de higiene, hoje o recém-nascido sofre com o calor que faz dentro do local. Com pouco, ela tenta suprir as necessidades do filho. 

"Temos que provar o por que precisamos dessa casa, como se esse lugar já não falasse por si só. É só olhar", diz. 

A incerteza sobre o futuro delas e dos filhos faz com que algumas das mães que moram no ginásio entrem em episódios de depressão. Uma delas, que não se identificou, conta que muitas vezes acorda desanimada. 

"Esses dias estava dando banho da minha filha de quatro anos, ela perguntou quando iríamos para casa. Chorei nesse dia. Chamamos o prefeito para ficar aqui com a gente um dia. Ele calou", lamenta. 

Falta de oportunidades de emprego e trabalho

Blenda também divide a mesma dor das "vizinhas". A jovem, que já trabalhou em restaurantes de alto padrão como Talavera e Valadero, onde aprendeu noções básicas de harmonização de vinhos ou de como servir à francesa, por exemplo, tenta se manter forte para lutar. 

Ela lamenta ter sido derrubada por "uma rasteira". Durante a pandemia da covid-19, foi dispensada do serviço de garçonete e o dinheiro começou a faltar. Com mais de seis meses de aluguel atrasado, além da "bola de neve" de dívidas de contas de luz e água, Blenda não viu outra saída a não ser se juntar a ocupação do Residencial Colinas Douradas.

"Esses dias fiz entrevista de emprego no Serafina [restaurante também de alto padrão da Capital], mas não fui contratada. Quem vai querer contratar alguém que vive nesse lugar? Até para arrumar um emprego é difícil. Eu sei trabalhar, mas quem disse que consigo uma oportunidade?". 

A jovem lamenta pela falta de oportunidades para trabalhar e estudar. A força que Blenda tenta demonstrar ao tomar frente da luta pelas famílias do ginásio se dissolve quando ela fala sobre o futuro dos filhos. A mãe tem esperanças que, através da educação, eles consigam ter um futuro melhor. 

"É tudo tão dificíl nessa situação que até estudar fica complicado, mas sei que é assim que eles vão ter uma vida melhor. Algumas vezes as crianças ficavam fazendo piadinha sobre eles morarem em um ginásio, aí já chegam da escola dizendo que não querem mais voltar. É difícil, não é vida para ninguém". 

A moradora mais velha do ginásio, de 77 anos, se recusa a falar o próprio nome. A vida de desconforto no ginásio já cansaram a idosa, que se irrita a ouvir falar sobre esperança e volta para o barraco em que mora. 

"Todo mundo já conhece minha história, já falei muitas vezes sobre como me sinto. Colocam o microfone na minha cara e me mandam falar como me sinto, mas nada muda. Minha cara já está pintada de palhaça. Moro aqui, eu e Deus". 

Risco de incêndio e exposição à doenças 

Blenda conta que uma equipe do Corpo de Bombeiros já atestou o alto risco de incêndio dentro do ginásio. O plástico da lona que formam as barracas, pedaços de madeira, colchões, plásticos e outros materiais inflamáveis acelariam a queima em caso de fogo no local. 

A jovem aponta para uma gambiara que, segundo ela, foi feita pela Prefeitura de Várzea Grande. O fio de energia sai de um dos postes da avenida na frente do ginásio e é usado para gerar energia para as 19 famílias. 

"Saem faíscas desse fio dia e noite. Imagina você viver com medo disso aqui pegar fogo? Esses dias, inclusive, um dos barracos quase pegou fogo. Eles falam que vão vir melhorar isso, mas toda vez enrolam a gente". 

A maioria das casas de lona possuem gás de cozinha, situação que também causa medo nos moraodres do ginásio. Blenda lembra que, em um dos episódios recentes no local, uma panela de pressão explodiu e assustou a todos. 

"As crianças vivem doentes, sempre estão com diarreia. Fora o pano branco que não melhora nunca". 

O olhar das mulheres que conversam com a reportagem sentadas em cadeiras de plástico na entrada do ginásio se enchem de tristeza quando falam sobre a proximidade das festas de final de ano.

Diferente da cenas de filmes e propagandas clássicas desta época do ano, não vai ter conforto ou mesa farta no ginásio Vereador Valdir Pereira. 

"Queria poder ter um Natal decente, dentro da minha casa, com minha família. Tinha esperança de que estaríamos fora daqui no final deste ano", lamenta uma das mães.

 
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