Olhar Direto

Quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Notícias | Brasil

Após CPI, governo diminui repasses para entidades ligadas ao MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou nesta semana manifestações em 19 estados e no Distrito Federal para cobrar do governo federal a criação de novos assentamentos, exigir mais apoio às famílias já assentadas e mais recursos para o setor. Coincidência ou não, depois da criação da CPI do MST no Congresso Nacional em dezembro de 2009, o ritmo dos repasses federais destinados a entidades privadas sem fins lucrativos que têm ou já tiveram seus dirigentes ligados ao movimento diminuiu. Em 2010, os recursos transferidos para essas entidades somam R$ 3,5 milhões. Mantida a média de repasses, o montante não deve ultrapassar R$ 12 milhões até dezembro, menor marca dos últimos sete anos. Em todo o ano passado, a cifra chegou a R$ 16,8 milhões (veja a tabela).


Segundo levantamento divulgado pelo Contas Abertas em março do ano passado, existem pelo menos 43 entidades privadas sem fins lucrativos cujos responsáveis por assinar convênios com a União aparecem citados, inclusive em fontes oficiais, como membros, líderes, coordenadores ou dirigentes do movimento nos últimos seis anos. O montante envolvido já chega a R$ 165,5 milhões, distribuídos em convênios celebrados desde 2002 com órgãos públicos federais como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Por lei, é vedado o financiamento de movimentos sociais que invadem imóveis rurais ou bens públicos e, caso isso seja identificado, a transferência ou repasse dos recursos públicos deve ser interrompido. Em 2006, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a determinar que entidades como a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil (Concrab), por exemplo, não recebessem mais recursos da União por suspeitas de irregularidades com o uso da verba.

A Anca permanece no topo da lista de entidades ligadas ao MST que mais receberam recursos, embora não seja contemplada pelo governo há mais de três anos. Aproximadamente R$ 22,3 milhões foram repassados à entidade por meio de convênios celebrados entre 2002 e 2006. Alguns destes foram celebrados por Adalberto Greco, por exemplo, que além de assumir alguns contratos da Anca, também pactuou com o governo federal como responsável pela Concrab.

A segunda organização que mais recebeu recursos públicos, por meio de convênios entre 2002 e 2010, foi a Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos: R$ 13,4 milhões da União neste período. Este ano, a entidade já recebeu R$ 886,4 mil, mas a melhor contemplada foi a Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados e Pequenos Produtores, que recebeu R$ 1,1 milhão até o último dia 15 de abril.

Alvos de auditoria

No fim de 2009, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico enviou ofício ao MDA e ao Incra solicitando informações sobre todas as invasões de imóveis rurais ocorridas desde 2006. O objetivo era apurar o maior número de informações para sugerir ao TCU que realize auditoria sobre os repasses federais feitos para entidades privadas ligadas ao MST e movimentos similares.

“Há indícios de que os recursos repassados são desviados para outras finalidades. A relação dos responsáveis pelas entidades com o MST demonstra conflito de interesses e promiscuidade”, apontou Marinus. Até o momento, o procurador não apresentou formalmente o pedido de fiscalização, mas garante que um requerimento deve ser apresentado ainda neste semestre.

Enquanto o TCU não se debruça sobre a relação de entidades, técnicos do tribunal têm apurado alguns contratos referentes à reforma agrária. Pouco antes da festa de carnaval deste ano, por exemplo, a corte determinou que a Secretaria de Controle Externo de Santa Catarina "aprofunde" a análise sobre os convênios firmados entre o Incra e a Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária de Santa Catarina (Cooptrasc), uma das 43 entidades listadas pelo Contas Abertas.

A decisão partiu do ministro Augusto Sherman, que se baseou na recomendação do próprio tribunal de "aprofundar o acompanhamento de repasses financeiros realizados ou em vias de serem realizados pelo Incra a ONGs". Entre 2003 e 2010, a Cooptrasc aparece em terceiro lugar em meio às entidades ligadas ao MST contempladas com verba federal, com R$ 11 milhões recebidos da União. A cooperativa, no entanto, foi a menos contemplada em 2010, pelo menos até agora – apenas R$ 69,2 mil.

A assessoria de imprensa do MST nega que os dirigentes do movimento tenham alguma relação com entidades que recebem recursos federais e afirma que essas organizações e o MST têm "funções diferentes". "O MST não recebe dinheiro público. Levantar esse tema de novo é pura especulação para esquentar uma CPMI", afirmou a assessoria da organização após questionar, com hostilidade, se a equipe de reportagem não tinha "mais nada a fazer". A assessoria do movimento também confirmou que a entidade passa por problemas financeiros que levaram, inclusive, a Escola Nacional Florestan Fernandes, criada e mantida pelo MST desde 2005, a criar uma associação autônoma da sociedade civil para ajudar a escola.

Orçamentos do Incra e do MDA caíram neste ano

Na pauta de reivindicações do “abril vermelho” deste ano, o MST afirma que o governo federal não cumpriu promessa de complementar o orçamento de 2009 para desapropriações de terras. “Além de o governo não cumprir, deixou de aplicar R$ 190 milhões de um pacote de áreas que já estavam encaminhadas para imissão de posse, no final de dezembro”, diz o movimento.

De fato, em uma análise global sobre o orçamento (pagamento de pessoal, execução de obras, compra de equipamentos e programas diretamente relacionados à reforma agrária) de 2010 do MDA e do Incra, responsável por implementar a política de reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional, é possível perceber que houve uma redução.

Em 2009, o projeto de lei orçamentária aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo governo Lula previa quase R$ 3,4 bilhões ao Incra. Para 2010, o montante autorizado ao instituto não passa de R$ 3,2 bilhões, uma diferença de R$ 192 milhões.

Uma das principais quedas foi no programa de “assentamentos sustentáveis para trabalhadores rurais”, o principal do órgão. Para 2010, o orçamento previsto para a rubrica é de R$ 561 milhões; já em 2009, o valor chegou a mais de R$ 1 bilhão. Em compensação, programas importantes como o de “desenvolvimento sustentável na reforma agrária” e “regularização e gerenciamento da estrutura fundiária” ganharam um pouco mais de verba do que no ano passado.

Já no Ministério do Desenvolvimento Agrária (MDA), no qual o Incra é vinculado, a redução foi ainda maior. No ano passado, a pasta tinha R$ 6,3 bilhões autorizados para pagar pessoal, investimentos, programas e ações. Em 2010, porém, a quantia prevista é de R$ 5,7 bilhões.

“Vamos reivindicar ao governo que encaminhe com urgência ao Congresso um projeto de lei para o suplemento orçamentário para obtenção de terras neste ano. Como não foi feito, o orçamento de 2010 foi reduzido (...) e está comprometido com áreas desapropriadas no ano passado. Portanto, para que o Incra possa responder a uma meta mínima, necessita de um suplemento orçamentário de pelo menos R$ 1,3 bilhão”, diz o MST.

O movimento afirma ainda que a jornada de abril reivindica também a renegociação das dívidas das famílias assentadas e uma linha de crédito que atenda as especificidades das áreas de Reforma Agrária. Segundo o MST, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) não atende às necessidades dos assentados e criou uma geração de inadimplentes.

A reportagem procurou as assessorias de imprensa do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário no começo da tarde de ontem (20) para comentar os números. No entanto, até o fechamento da matéria, não obteve sucesso.




Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
Sitevip Internet