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Sábado, 27 de julho de 2024

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Cientistas investigam por que um só genoma gera muitas células diferentes

Um dos mais duradouros mistérios da biologia é que uma variedade de células especializadas colaboram na construção de um corpo, mesmo todas tendo um genoma idêntico. De alguma forma, cada um dos 200 tipos de células no corpo humano – no cérebro, fígado, ossos, coração e muitas outras estruturas – precisa ler um grupo diferente das instruções hereditárias escritas no DNA.


O sistema é algo como uma peça onde todos os atores seguem o mesmo script, mas são designados para diferentes partes e impedidos até mesmo de ver as falas dos outros. O óvulo fertilizado possui a primeira cópia do script; enquanto se dividem repetidamente nas 10 trilhões de células do corpo humano, as células se autodesignam para os diferentes papéis que desempenharão ao longo da vida de um indivíduo.

E como funciona este processo de tarefas? A resposta, segundo estão descobrindo os pesquisadores, é que uma segunda camada de informações está implantada nas proteínas especiais que embalam o DNA do genoma. Essa segunda camada, conhecida como epigenoma, controla o acesso aos genes, permitindo que cada tipo de célula seja ativado a seus próprios genes especiais mas bloqueie a maioria dos restantes. Uma pessoa possui apenas um genoma, mas muitos epigenomas. E o epigenoma está envolvido não só em definir quais genes são acessíveis em cada tipo de célula, mas também em controlar quando os genes acessíveis podem ser ativados.

No rastro da decodificação do genoma humano em 2003, entender o epigenoma se tornou uma das principais fronteiras da pesquisa. Como as funções no epigenoma controlam quais genes estão ligados ou desligados, qualquer desordem de seu comportamento traz a possibilidade de causar sérios efeitos na célula.

Gêmeos, mas nem tanto
Existem muitas evidências de que as alterações no epigenoma contribuem para o câncer e outras doenças. O epigenoma se altera com a idade – gêmeos idênticos muitas vezes se parecem e se comportam de maneira um pouco diferente à medida que envelhecem, graças a mudanças acumuladas em seus epigenomas. Entender tais mudanças poderia ajudar a abordar ou retardar alguns dos sintomas do envelhecimento. E o epigenoma pode conter a chave para o sonho da medicina regenerativa, aquela que busca derivar tecidos substitutos seguros e eficientes das próprias células de um paciente.

Como o epigenoma é a porta de entrada para entender tantos outros aspectos do ajuste das células, alguns pesquisadores criticaram a “base gradual” sobre a qual ele está sendo explorado hoje e solicitaram um grande projeto epigenoma, similar ao programa de US$ 3 bilhões que decodificou o genoma humano. Atualmente o Instituto Nacional da Saúde nos EUA tem uma pequena iniciativa de US$ 190 milhões, chamada de “Epigenome Roadmap,” com o dinheiro indo para pesquisadores individuais.

Como frequentemente é o caso, pesquisadores acadêmicos se opõem a projetos grandes e centralizados se o dinheiro possivelmente sairá de suas bolsas. Mas também é verdade que tais projetos muitas vezes fracassam, a menos que sejam cuidadosamente pensados e tenham o tempo definido. “Definitivamente isso é algo do tamanho do genoma, e acredito que terá benefícios além dos previstos no momento”, diz Richard A. Young, biólogo do Instituto Whitehead em Cambridge.

Mas Steven Henikoff, do Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, diz que os métodos atuais para estudar o epigenoma ainda não estão prontos para um redimensionamento. “É cedo demais para montar um desenvolvimento tecnológico que seria em larga escala”, diz ele.

O epigenoma consiste em vários milhões de modificações químicas, ou marcas, como são chamadas, feitas ao longo do comprimento da cromatina, o material dos cromossomos. A cromatina inclui a tira dupla do DNA e os cilindros de proteínas ao redor dos quais ela está enrolada. Algumas das marcas que constituem o epigenoma são feitas diretamente no DNA, mas a maioria está amarrada às pequenas caudas que se destacam dos cilindros de proteínas. Marcas de certo tipo geralmente se estendem por uma grande região ou domínio do DNA que cobre um ou mais genes. Elas são reconhecidas por proteínas reguladoras de cromatina que realizam as tarefas indicadas por cada tipo de marca.

Em alguns domínios marcados, os reguladores fazem com que o DNA seja enroscado tão forte que os genes ficam permanentemente inacessíveis. O centro e pontas dos cromossomos são locais de domínios muito apertados. Assim como um dos dois cromossomos X nas células de todas as mulheres, um passo que assegura que tanto células masculinas quanto femininas tenham o mesmo nível de atividade dos genes do cromossomo X.

Maleabilidade
Em outros domínios, as marcas são mais permissivas, permitindo que os reguladores de genes chamados fatores de transcrição encontrem seus locais-alvos no DNA. Os fatores de transcrição então recrutam outros membros do complexo maquinário de transcrição que inicia o processo de cópia dos genes e produção das proteínas de que a célula precisa. Um terceiro tipo de domínio precisa ser estabelecido à frente do maquinário de transcrição para deixar rolar ao longo do DNA e transcrever a mensagem no gene fundamental.

Apenas um punhado de domínios são conhecidos até hoje, então trata-se de um quebra-cabeças que mais de 100 tipos diferentes de marcas tenham sido encontradas no epigenoma, juntamente com máquinas de proteínas especialistas, que anexam ou removem cada marca. Alguns biólogos acham que tantas marcas são necessárias para especificar uns poucos tipos de domínios porque o sistema é repleto de cópias de segurança.

O papel do epigenoma na marcação do genoma parece ter sido construído sobre uma função de empacotamento mais antiga. O empacotamento teria sido necessário para organismos unicelulares como o levedo, que mantém seu genoma num compartimento especial, o núcleo. Para que organismos multicelulares evoluam, o sistema de empacotamento da cromatina presumivelmente se adaptou no curso da evolução para preparar o genoma às necessidades de diferentes tipos de células.

O sistema de empacotamento de DNA sozinho é uma característica extraordinariamente técnica. Se o núcleo de uma célula humana fosse uma esfera vazia do tamanho de uma bola de tênis, o DNA do genoma seria uma fina corda com 24 milhas de comprimento. A corda precisa ser empacotada dentro da esfera sem rupturas, e de tal forma que qualquer região dela possa ser encontrada imediatamente.

O coração do sistema de empacotamento é um grupo de proteínas de finalidade especial conhecidas como histonas. Oito histonas se juntam para formar um cilindro miniatura conhecido como nucleossomo. O DNA dá quase dois giros ao redor de cada nucleossomo, com curtos espaços entre eles. Cerca de 30 milhões de nucleossomos são necessários para embalar todo o DNA de células comuns.

Moldura passiva
Por anos, biólogos assumiram que as histonas em seus cilindros de nucleossomas ofereciam uma moldura passiva para o DNA. Mas, ao longo da década passada, se tornou cada vez mais claro que este não é o caso. As caudas das histonas que se projetam para fora dos nucleossomas oferecem uma forma de marcar o script genético. Embora um tipo de marca esteja anexada diretamente à base no DNA, mais de uma centena de outras estão fixadas em locais específicos nas caudas das histonas. Quando o DNA precisa se replicar, para a divisão de células, as marcas diretas passam somente aos dois fios primários e todos os nucleossomas são desmontados, entretanto a célula possui métodos criativos para reconstituir as mesmas marcas nos dois genomas filhos. As marcas são chamadas de epigenética, e o sistema completo de epigenoma, pois são herdados através da divisão de células mesmo sem estarem codificados no DNA.

Como é determinada a estrutura do epigenoma? O projeto básico para os epigenomas necessários a cada tipo de célula parece ser inerente ao genoma, mas o epigenoma é então alterado por outros sinais que alcançam a célula. O epigenoma, portanto, é o lugar onde o genoma encontra o ambiente. A organização dos epigenomas parece ser computada de informação inerente ao genoma.

“Grande parte da paisagem epigenética é determinada pela sequência de DNA”, diz Bradley Bernstein, perito em cromatina do Hospital Geral de Massachusetts. O genoma humano contém muitos genes regulatórios cujos produtos de proteínas, conhecidos como fatores de transcrição, controlam a atividade de outros genes. Ele também possui um subsistema de genes regulatórios dominantes, que controlam os reguladores do nível mais baixo. Os fatores dominantes de transcrição agem nos genes um do outro de forma a definir um sistema de circuitos. A saída desse sistema molda a cascata inicial de epigenomas que saem do óvulo fertilizado.

Os outros formadores do epigenoma são os reguladores da cromatina, máquinas de proteínas que leem as marcas nas caudas das histonas. Alguns estendem marcas de um dado tipo ao longo de um domínio. Alguns unem os nucleossomos de forma a silenciar seus genes. Outros livram o DNA dos cilindros do nucleossomos para facilitar o caminho do maquinário de transcrição ao longo de um gene.

Biólogos há muito assumiam que quando os reguladores de cromatina moldavam um epigenoma, seu trabalho não poderia ser desfeito, já que o destino de uma célula é essencialmente irreversível. Mas um extraordinário experimento do biólogo japonês Shinya Yamanaka, em junho de 2007, enfatizou o surpreendente poder dos fatores dominantes de transcrição.

Magia epigenética
Ao inserir apenas quatro dos genes regulatórios dominantes em células da pele, ele mostrou que os fatores de transcrição feitos pelos genes poderiam reprogramar o epigenoma das células da pele de volta àquele da célula embrionária da qual ele foi derivado. A célula de pele então se comportava exatamente como uma célula embrionária, e não mais como uma célula de pele. Até então, os biólogos não faziam idéia de que o epigenoma, com seus milhões de marcas, poderia ser refeito com tanta simplicidade, ou que fatores de transcrição poderiam aparentemente tomar as decisões tão absolutamente.

Mas pesquisas subsequentes mostraram que os reguladores de cromatina não são ingênuos. Apenas uma em um milhão das células de pele tratadas com os quatro fatores de transcrição se revertem totalmente ao estado embrionário. A maioria fica presa nos estados de transição, como se os reguladores de cromatina estivessem resistindo a uma alteração possivelmente cancerosa no status das células. “O final da história é que sim, os fatores de transcrição realmente são participantes críticos na determinação do estado celular, mas a epigenética também é importante”, diz Berstein.

O ideal de medicina regenerativa é converter as células normais do corpo de um paciente primeiro de volta ao estado embrionário, e então nas células específicas perdidas para doenças. Mas para preparar tais células de forma eficaz e segura, os pesquisadores provavelmente precisarão aprender como controlar e manipular a cromatina do epigenoma e os fatores de transcrição que moldam a identidade da célula.

O tratamento de muitas doenças também pode depender de medicamentos que manipulam o epigenoma. A síndrome de Rett, uma forma de autismo que afeta meninas, é causada por uma mutação no gene de uma enzima que reconhece as marcas de cromatina colocadas diretamente no DNA. Ao menos em camundongos, os neurônios voltam às funções normais quando a mutação é corrigida. Em diversas formas de câncer, genes supressores de tumores parecem não ter sito desativados por uma mutação, a causa conhecida mais comum, mas pela colocação incorreta de marcas que convidam os reguladores de cromatina a silenciar os genes.

Remédios desenvolvidos por Peter A. Jones, da Universidade do Sul da Califórnia, revertem o silenciamento da cromatina desses genes anti-tumores. Dois foram recentemente aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) para uma doença do sangue, a síndrome mielodisplásica.

Além de controlar o acesso ao genoma, o epigenoma também recebe um conjunto de sinais do ambiente. Uma família de enzimas chamada sirtuinas monitora o estado nutricional da célula, e uma delas remove uma marca específica da cromatina, oferecendo uma possível rota para que o genoma reaja a condições de fome. Acumular erros nos parâmetros do epigenoma poderia permitir que os genes errados fossem expressos, uma possível causa para o envelhecimento.

Uma nova e principal técnica para estudar as marcas num epigenoma é quebrar os cromossomos em fragmentos, que são então tratados com anticorpos que se unem a uma marca específica. Os fragmentos do DNA designados são decodificados e combinados a locais na sequência do genoma humano. Isso fornece um mapa para todo o genoma de como uma marca em particular é distribuída num estado epigenômico específico. Os mapas de sequência CHiP, como são chamados, têm sido muito úteis mas estão longe de capturar os detalhes completos do epigenoma, uma estrutura dinâmica que pode mudar em minutos. Pesquisadores individuais obtiveram progressos consideráveis, mas podem não ser capazes de montar o abrangente grupo de marcas e estados epigenômicos que seriam mais úteis àqueles desenvolvendo novas abordagens a doenças e envelhecimento. “Acho que o esforço precisa ser organizado. Ele se beneficiaria sendo maior do que é”, diz Young.
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