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Quarta-feira, 26 de junho de 2024

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Cuiabá

Histórias de pessoas que fazem das ruas suas casas e local de trabalho

Carlos Andrade é um ‘profissional da rua’. São dez horas da noite de uma terça-feira e o rapaz de 20 anos circula nos arredores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ao contrario de muitos jovens da mesma idade, ele não está saindo da faculdade. Em troca de alguns trocados, Carlos guarda carros em um barzinho próximo ao campus. O nome é fictício – ele preferiu não se identificar, mas a história é real e se repete nos quatro cantos do país.


Com 13 anos, o garoto largou a escola e foi pra rua, onde aprendeu a ganhar dinheiro fácil. “Ganhava uns R$ 70 num dia só pedido ou tomando conta dos carros”, lembra-se. Desde então, não largou mais a “profissão”. Na rua conheceu o álcool, as drogas e a malandragem. Dali para o crime era um passo muito pequeno.

Com três prisões no currículo, o ‘profissional da rua’ conta que foi preso por assalto e porte de drogas. Um estudo das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha) aponta que no início do século passado, jovens da idade de Carlos eram presos em sua grande maioria por atos de vandalismo e desordem pública. Mas que a partir da década de 1980, o número de presos por delitos ligados ao tráfico de drogas aumentou exponencialmente. Já em 1985, por exemplo, o tráfico de drogas prendia três vezes mais jovens entre 16 e 25 anos que na década de 1960.

Apesar de ser ‘da rua’, Carlos não dorme nela. Aos 13 anos, ele conta, amigou-se com uma mulher mais velha e passaram a viver juntos na casa dela. “Era uma coroa de uns 46 anos, linda. Com ela fiz sexo pela primeira vez. Nós ficamos juntos por cinco anos. Eu vivia só com o dinheiro que conseguia na rua, mas comecei a beber muito, como ela não bebia, terminamos”, relembra. Após o rompimento que Carlos foi preso pela primeira vez, mas sempre contou com o apoio e a guarita da avó.

Existem poucos dados concretos sobre o número de moradores de rua, tanto no Brasil quanto em Mato Grosso. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) planeja fazer um mapeamento específico para este grupo da sociedade somente em 2012. Eles são ‘ignorados’ pelo instituto para que não ocorra uma eventual falha na coleta de dados e o mesmo morador de rua acabe sendo entrevistado duas ou mais vezes.

No entanto, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e com a ONU, o IBGE traçou um esboço, em 2007, do quadro de moradores de rua no país. Este é o melhor e mais atual levantamento da questão. De acordo com o trabalho, a maioria (74%) dessa população sabe ler e escrever que apenas 15,1% vivem de esmolas. Entre os moradores de rua que ingressaram no ensino superior, 0,7% se diplomou.

A pesquisa anda indica que 69% destas pessoas dormem nas ruas, 22% em albergues e 8% revezam entre ruas e albergues. Até então tinham sido totalizados 31.022 pessoas adultas nesta situação. O estudo foi realizado em 23 capitais e em cidades com mais de 300 mil habitantes.

Por opção

A rua pode ser a última opção para alguns, mas não para Walter Garcia Sá Barreto. No caso deste remanescente da geração hippie, a rua foi a primeira – e única – opção de vida. Nascido em Teresópolis (RJ), o então jovem com seus 18 anos certo dia botou uma mochila nas costas e resolveu “sair por ai”. Ele nunca mais voltou.

Walter encontra a matéria-prima de seu artesanato em qualquer lugar. “Pode ser uma folha, uma tampinha de garrafa, uma semente...”, exemplifica. Disso, ele faz colares, pulseiras e brincos para vender. Com o (pouco) dinheiro que ganha, o peregrino se alimenta e “se vira” no mundo. “Conheço o Brasil inteiro”, vangloria-se o já sexagenário hippie.

O velho hippie é o tipo de morador de rua que não aceita parar em abrigos. A Prefeitura de Cuiabá faz um trabalho de recolhimento de pessoas da rua. Elas são encaminhadas para o Albergue Municipal Abordagem Solidária. Nas instalações, o albergado recebe quatro refeições diárias, roupas limpas, e apoio psicossocial. Mas quem disse que eles querem ficar lá?

No último dia 16 de julho, o pedreiro João Batista, de 53 anos, deixou o Albergue Municipal por vontade própria. Horas depois, seu corpo foi encontrado nas ruas da capital. Aquela foi uma noite extremamente fria para os termômetros cuiabanos e o debilitado corpo do pedreiro não suportou as baixas temperaturas.

Apesar dos inúmeros riscos, a rua parece exercer um certo fascínio em quem a prova. É difícil deixá-la. “Aqui é lugar de briga, de confusão, de inveja, de gente ruim”, diz Carlos Andrade, que completa dizendo que só não sai ‘daqui’ por dinheiro e mulheres. “Não posso ver mulher que eu fico louco, aqui eu ganho meu dinheiro e já gasto logo com a mulherada. Se eu tenho R$ 20 e vejo uma mulher eu já pago uma cerveja pra ela e puxo conversa. Meu vício agora é mulher”, diz sem esquecer, claro, da liberdade. “Não é fácil, eu trabalho de uma da tarde às três da manhã, mas trabalho quando quero”, argumenta o guardador de carro com uma despreocupação de quem não deve satisfações a ninguém e não se preocupa com o patrão.
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