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Quarta-feira, 14 de agosto de 2024

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Servidores com deficiência visual do Legislativo dão exemplos de superação

Foto: Da assessoria/ Prefeitura de Cuiabá

Servidores com deficiência visual do Legislativo dão exemplos de superação
Imagine uma vida em que tudo é escuridão aparente. O cotidiano de uma pessoa com deficiência visual pode ser definido mais ou menos assim. Odenilton Júnior Ferreira dos Santos e Mauro Germano de Oliveira são colegas de trabalho na Câmara Municipal de Cuiabá. Ambos são pessoas com deficiência visual, detalhe notoriamente complexo. Porém não impeditivo, para eles. As histórias da dupla têm conotação quase que homogênea. Divergem apenas em alguns quesitos particulares e no âmbito religioso.

 
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Odenilton, por exemplo, 34 anos, é natural de Cuiabá, casado com Carla Magna, professora de Matemática na rede pública estadual. Tem uma filha de 18 anos, Rita de Cássia, deficiente auditiva. Odenilton perdeu a vista parcialmente a partir dos 17 anos de idade, e aos 22 ela estava completamente cego, vítima de uma patologia denominada Uveite Crônica. 
 
O apoio dos pais cuiabanos, Odenir Ferreira dos Santos e Sandra Maria da Conceição Santos, foram fatores importantíssimo, para um desafio inusitado para o jovem, que acabou ficando cego.  Fato que comenta sem nenhuma revolta.
 
"Aos 17, percebi que minha visão estava comprometida, perdia nitidez gradual, sempre embaçada. Anos depois, já nem conseguia ver nada direito. Até que a cortina do teatro de cura caiu, e "desligaram" a luz esperançosa: estava 100% cego. É o mesmo que você abrir os olhos pela manhã e ter a sensação de que ainda é noite...".
 
Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, a deficiência visual não impediu Odenilton de cursar uma faculdade e se formar em Análise e Desenvolvimento de Sistema pela Univag, onde também acabou se especializando-se em Gestão Pública. Graduação que tem orgulho de falar, pois o âmbito da tecnologia sempre foi seu foco motivacional.
 
"Aproveito as oportunidades que a vida tem me facultado. Creio que o mais importante é desfrutar de paz entre meus familiares e no desempenho da profissão. Afinal, qualidade de vida é primordial na vida de qualquer ser humano. Desfrutar das boas coisas da vida é sempre salutar", é sua dica pessoal. 
 
Odenilton ainda é vice-presidente da Associação dos Cegos de Mato Grosso, entidade na qual pretende colaborar para a concretização de várias metas dos associados. "Os direitos do deficiente visual nem sempre são respeitados. Nem deles nem dos demais deficientes. O propósito é para que tenhamos acesso àquilo que deveria ser regra imprescindível para quem convive com tais limitações. Não sou do tipo que fica olhando para as dificuldades, a ponto de impor desânimo precoce a eventuais tentativas de superá-las. Costumo optar por caminhos virgens, não trilhados, independente do quanto possam ser difíceis." 
 
Durante a entrevista, Odenilton não desgrudou os olhos do computador, fator intrigante para quem nada vê nada diante de si. Na verdade, ele não vê, mas escuta "enxerga" os dizeres da tela computadorizada por meio de um sistema sonoro (leitor de tela) interligado à máquina. Os fones de ouvido são inseparáveis auxiliares nas horas de expediente dos dois técnicos. 
 
Uma das surpresas é saber que Odeniton não tem religião, apesar de afirmar ter tido experiências em áreas distintas de religiosidade. Confessa que já experimentou ser espírita, budista, católico, evangélico, até finalmente desistir de tudo. E sem ironizar o próprio comentário, diz que a figura de Adão e Eva, a seu ver, assimila-se às das crenças da mitologia grega. 
 
"Devo salientar que a questão de não ter hoje nenhuma crença religiosa não se deve ao fato de ter ficado cego. Admiro muito quem tem fé. Meus pais são evangélicos fervorosos. Mas o conhecimento científico me levou a optar por isso. Devo esclarecer também que não sou ateu, pois ateu nega a existência de Deus. Só não acredito em religião. E defendo aquilo em que acredito". 
 
MAURO GERMANO DE OLIVEIRA 
 
As opiniões de seu colega de sala, Mauro Germano de Oliveira, divergem muito no quesito religioso. Mauro não apenas é católico, como detentor de fé esplendorosa em Deus. Identicamente ao colega Odenilton, Mauro também é servidor de carreira do Legislativo cuiabano, concursado. Aos 44 anos, surpreendentemente parece ter bem menos. Residia em Acorizal com os pais Geraldo Martins de Oliveira e Joana Dias de Oliveira. Já mora em Cuiabá há 25 anos. Seus pais não têm qualquer anomalia física, apenas ele e seu irmão mais velho, Marcino Benedito de Oliveira. Ambos nasceram com deficiência visual, denominada retinosa pigmentar. 
 
"Não sei qual situação é mais difícil: nascer cego ou, depois, descobrir-se cego. Há quem pense que a cegueira posterior é melhor, pois possibilita curtir as belas coisas do mundo. Pelo menos por algum tempo. E há também quem diga que o melhor é ser privado de visão ainda no útero, melhor forma de se acostumar a uma situação que irá perdurar pelo resto de seus dias. O fato é que os desígnios de Deus não podem ser contestados, e, por consciência de filhos, devemos procurar entendê-los com serenidade e aceitação. Até mesmo para poder ir ao encontro da felicidade que todo ser humano merece", explica Mauro Germano.
 
Mauro fez questão de ressaltar que sua vida conjugal é sinônimo de felicidade completa. "Casei-me com Helen Souza, 39 anos, pedagoga, professora, sem deficiência similar. Por enquanto não temos filhos, mas isso não é impeditivo de realização no nosso convívio harmônico. Aguardamos o desfecho do destino que Deus traçou para nossas vidas sem qualquer cobrança, pautando nossas ações diárias no companheirismo amoroso e em tudo que puder ser do agrado do Senhor". 
 
O técnico legislativo (função em que está lotado no RH) anuncia que é praticante de modalidade esportiva "Futebol de 5", antigo futebol de salão. Na prática, os atletas têm os olhos vendados para a disputa, tendo em vista que alguns são deficientes parciais. A venda garante que todos estejam em condições idênticas na quadra. 
  
Enquanto o colega Odenilton não nutre nenhuma simpatia por qualquer desfecho da situação do ex-presidente Lula, Mauro Germano de Oliveira foi enfático ao externar que não deseja ver o ex-metalúrgico e ex-presidente atrás das grades. Não entrou em detalhes sobre o porquê dessa postura defensiva a quem a Justiça já condenou por atos de corrupção. "Não quero que Lula seja preso", é a única frase que diz acerca das acusações que têm rondado a vida de Luís Inácio da Silva. "Bem, tenho de ir agora", avisa educado minutos após, afastando a cadeira e finalmente retirando os fones de ouvido. 
 
Já era perto das 13h30 quando ele e o colega Odenilton, após desdobrar a bengala, deixaram a sala do Departamento de Informática, embrenhando-se vagarosos no corredor iluminado do Legislativo. Sempre retribuindo os cumprimentos dos demais servidores, acessaram as escadas para logo ganhar o saguão principal do órgão legislador. Em seguida, venceram os 20 metros que separam o prédio da Câmara do passeio da Rua Barão de Melgaço, via de acesso acalorada pela luminosidade intensa do sol, naquele horário. 
 
Mauro e Odenilton se despediram de forma animada e sorridente, antes de reiniciar a marcha, calçada afora. Cada qual rumo ao seu lar doméstico.
 
(Com João Carlos de Queiroz)
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