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Quinta-feira, 27 de junho de 2024

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“Crônicas Contemporâneas” traz texto sobre a literatura de cordel

Foto: Lucas Bólico/OD

“Crônicas Contemporâneas” traz texto sobre a literatura de cordel
Mais um domingo chega e, com ele, um novo texto da coluna “Crônicas Contemporâneas”, criada neste site pelo Mestre em Literatura Brasileira Marinaldo Custódio. Nas linhas abaixo, observações sobre um tipo de literatura muito forte e tradicional no Nordeste brasileiro, a de cordel.


Confira o texto na íntegra:



Cordel ou a vida na mira do poeta popular


Se queres saber a forma pela qual um legítimo representante do povo (homem ou mulher) interpreta um desses fatos bombásticos da História da Humanidade ou do Brasil, como a Segunda Guerra Mundial, a chegada do homem à Lua ou a morte de Getúlio Vargas, uma boa pedida é passar numa banca de jornal ou numa feira de produtos e costumes nordestinos e adquirir um livreto da literatura de cordel.

Do mesmo modo, e ainda com mais gosto, é bom saber qual a versão deles de assuntos atuais, e igualmente bombásticos, como o Caso Isabela, a ida de Ronaldo Fenômeno para o Corinthians ou a morte de Maria Rita, mulher de Roberto Carlos.

Eles nunca se furtam, mesmo, a comentar os assuntos da moda, e o fazem com aquele jeito peculiar e com aquela graça que é toda deles. Falam, geralmente, a partir de um prisma em que “a realidade” tão nossa conhecida dos grandes jornais, revistas e telejornais, vem mesclada de outros valores, outros prismas.

E onde encontrar, afinal, os livretos da literatura de cordel, hoje em dia tão fora de moda para nosotros que vivemos além do Nordeste ou de São Paulo ou Rio ou Brasília, onde a cultura e a arte nordestinas são fortes? Ora, ora, eles podem, sim, ser encontrados em poeirentas bancas de jornais interioranas, pendurados logo na entrada, e até numa capital como Cuiabá, onde os encontramos, meio escondidinhos, na Banca Central da Praça Alencastro (ou “da Prefeitura), no centro da cidade.

Os seus autores, muitas vezes, são os cantadores, cegos e repentistas das feiras nordestinas. Seus exemplares são aqueles livros do tipo mini-revistas que têm esse nome justamente porque, na forma tradicional, eram (e são) expostos pendurados no barbante, no cordel (ou cordão).


A literatura de cordel é, em síntese, a realização escrita da literatura oral (feita especialmente para ser cantada, como a poesia grega, como a poesia medieval) e apenas 1% do que é produzido oralmente chega a ganhar forma impressa.

Será, a literatura a partir daí produzida, a oralidade expressiva, o que ganha relevo, os fatos dignos de nota, de um registro mais duradouro que o da palavra apenas falada ou cantada.

Nascida na região ibérica (de Ibéria, antigo nome da Espanha, ou Península Ibérica, constituída por Espanha e Portugal), é um tipo de poesia relacionada ao romanceiro popular, a ele ligando-se, pois se apresenta como romances em poesia, pelo tipo de narração que descreve.

A presença da literatura de cordel no Nordeste brasileiro tem raízes lusitanas; veio-nos com o romanceiro peninsular, e possivelmente começam esses romances a ser divulgados, entre nós, já no século 16, ou no mais tardar, no 17, trazidos pelos colonos em suas bagagens.

Dentre tantos títulos que nos chamam a atenção por seu caráter algo estrambótico algo fora de moda, vários mereceriam ser lembrados, mas vou destacar apenas alguns, a título de ilustração: “Carta de Satanás a Roberto Carlos” (no qual o poeta, encarnando o dito cujo, responde ao Rei da Jovem Guarda por seu hit “Quero que vá tudo pro inferno”); “A chegada de Lampião no inferno”; “O Romance do Pavão Mysteriozo”, que inspiraria o compositor e cantor cearense Ednardo a fazer a música “Pavão Misteryozo”, sucesso maior da carreira dele, tema da novela global “Saramandaia” (de 1977) e com mais de 200 gravações por diferentes intérpretes no mundo todo; e “Peleja de Manoel Riachão com o Diabo”, que ilustra esta crônica.

Isto, sem contar, naturalmente, toda a obra de artistas consagrados cuja carreira foi construída nesse filão, casos notórios de Patativa do Assaré, Ivanildo Vilanova, Oliveira de Panelas e Bráulio Tavares, dentre tantos outros.

A literatura de cordel é, em linhas gerais, aquilo que expressei no título deste texto: a visão do homem do povo acerca do assunto escolhido por ele como tema. Nesse sentido, pode ser muitas vezes uma interpretação tosca, primária, remetendo a um grau de compreensão distorcido porque baseado sempre muito mais em critérios empíricos do que num ponto de vista científico, filosófico, sociológico ou histórico do fato narrado.

Mas o que importa é que funciona. No seu contexto, serve sempre para aproximar as pessoas e, às vezes, também para encontrá-las. Por exemplo: no caso de pessoas desaparecidas, em que os folhetos, ao serem lidos e cantados em diversas feiras, se parecem muito com a seção “Achados e Perdidos” dos jornais e revistas ou com o chamativo “Gente Procurando Gente” do rádio e da televisão.

Com seu estilo simples, os cordelistas vão direto ao ponto, precisos e contundentes, como aliás registrou Belchior em “A palo seco”, que fez sobre um modo típico de versejar deles: “Eu quero é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês”.

Assim, sem anestesia, sem mais nem menos.

Marinaldo Custódio
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