Olhar Direto

Sábado, 28 de setembro de 2024

Notícias | Cultura

Brooklyn

`View From The Bridge': tragédia clássica

`View From The Bridge': tragédia clássica
O que é extraordinário sobre a belamente trabalhada produção de A View From the Bridge de Gregory Mosher é a sensação corriqueira que a maior parte da peça transmite.


Muito pouco nesse revival do drama doméstico com facas de Arthur Miller, que estreou na noite de domingo (24) no Cort Theater, grita por nossa consideração. As vozes são frequentemente mantidas num murmúrio meramente audível e o brilho hollywoodiano das maiores estrelas da peça, Liev Schreiber e Scarlett Johansson, foi esmaecido num acabamento fosco.

Assistir aos rituais diários da pequena família de Red Hook, Brooklyn, em meados dos anos 1950, composta de personagens tão exuberantemente interpretados por Schreiber, Johansson e Jessica Hecht, nos faz sentir como se estivéssemos espiando vizinhos que normalmente seriam invisíveis para nós. Contudo, não há como não prestar atenção neles, como exige Miller.

Olhando de perto, notamos as fissuras do desconforto. O que foi aconchegante se torna, gradualmente, claustrofóbico, e até mesmo quando desconhecemos a conclusão da peça, estamos aptos a descobrir um nó em nosso estômago. Parte de nós sente que devemos levantar e gritar, para aliviar a tensão e rechaçar o desastre, embora, como um personagem observa em retrospecto, "nada realmente tenha acontecido."

Muito mais do que em Death of a Salesman, Miller usou Bridge para vender sua teoria de que os verdadeiros heróis trágicos podem muito bem surgir da lida comum de vidas contemporâneas. Ele queria tanto provar sua teoria que até mesmo incluiu um coro grego de um homem, um advogado de origem italiana chamado Alfiere (aqui interpretado por Michael Cristofer), que fala altivamente sobre a grandeza do "curso sangrento" da história de desejos incestuosos e consequências fatais.

Talvez Miller sentisse que peças, como heróis clássicos, exigissem falhas trágicas, e, portanto, deu uma para Bridge na forma do prolixo Alfieri. Esse drama não precisa de comentarista ou apologista quando interpretado com o refinamento naturalista -e o acúmulo de detalhes reveladores- encontrado nessa interpretação.

Havia me perguntado se Bridge realmente precisava de mais uma versão. Nova York viu uma produção de primeira linha apenas há 12 anos, dirigida por Michael Mayer, com Anthony LaPaglia, Allison Janney e uma jovem Brittany Murphy (que faleceu aos 32 anos no ano passado). Mas essa última encarnação prova que certas peças, como certas óperas, são ricas o bastante para serem revisitadas com frequência contanto que existam atores com vozes fortes e originais, e insights revigorantes.

A abordagem de Mosher é mais suave do que a de Mayer e mais intimamente focada. As primeiras cenas da peça no apertado apartamento de Eddie Carbone (Schreiber) têm uma calmaria prosaica. Eddie volta ao seu apartamento após um dia duro nas docas e é recebido calorosamente por Catherine (Johansson), a sobrinha de 17 anos que ele criou com sua esposa, Beatrice (Hecht), como se fosse sua própria filha.

Ficamos impressionados com a interação tranquila e afetuosa de Eddie e Catherine, e com a relação mais agitada, embora ainda amigável, de Eddie e sua esposa. À primeira vista, não há nada de errado com esse cenário.

Quando ouvimos que a família irá receber dois primos italianos de Beatrice -jovens rapazes que precisam de trabalho (e estão ilegais no país)-, acreditamos que apesar de o apartamento já estar apertado, os Carbone podem dar conta da companhia. Mesmo após a chegada de Marco (Corey Stoll) e seu irmão mais novo, Rodolpho (Morgan Spector), a tensão educadamente controlada que sentimos poderia simplesmente vir à tona por haver gente demais dentro de um espaço extremamente pequeno.

Mas como demonstrou repetidas vezes no palco (Talk Radio, Betrayal), Schreiber registra fisicamente a mudança de temperatura emocional com precisão orgânica. Em dado momento, talvez aos 20 minutos da peça, olhei para o seu rosto e ele havia adquirido um semblante tenso e vazio que resulta de noites em claro. Não havia dúvidas de que Eddie Carbone estava indo em direção a algum tipo de colapso, ou de que Schreiber havia gentilmente nos levado a essa percepção desde sua primeira aparição.

Schreiber é um ator tão completo que muitas vezes chegou a desequilibrar produções, realçando a fraqueza das atuações ao seu redor. Isso não é um problema aqui. Não é surpresa que a excelente veterana de palco Hecht se coloque à altura de Schreiber. Mas é surpreendente que Johansson -com aparente facilidade- consiga o mesmo.

Nos anos recentes, os palcos da Broadway foram inundados por atuações apagadas de brilhantes estrelas do cinema, incluindo Julia Roberts e Katie Holmes. Atrizes de cinema famosas como Johansson tendem a criar suas próprias zonas de desconforto no palco, definidas pela mistura de expectativas de fãs e céticos. Eu definitivamente reconheci essa zona quando vi Keira Knightley em The Misanthrope em Londres recentemente.

Em comparação, Johansson se derrete dentro de sua personagem de modo tão preciso que sua nuvem de celebridade desaparece. Sua Catherine é uma garota prestes a se tornar mulher, descendo por caminhos familiares que de repente são encobertos por sombras desconhecidas.

As três estrelas da produção formam uma imagem iluminadora e intimamente desenhada dos vários graus de consciência: a Beatrice tensa e vigilante de Hecht é a mais consciente de todos, sempre tomando medida das impropriedades. O Eddie de Schreiber é um estudo de negação, espantado e desnorteado pelas manifestações físicas de desejo e dor. A Catherine de Johansson existe entre os dois, lentamente tomando consciência do que Beatrice já sabe e do que Eddie se recusa a admitir.

No papel do jovem italiano que se apaixona por Catherine, Spector é atormentado por uma infeliz peruca loira e por ter que assumir o lugar de Santino Fontana, um ator excelente que deixou a produção após uma lesão. Contudo, o Rodolpho de Spector é tão tolo e sério quanto precisa ser e se torna um catalisador verossímil de acontecimentos sombrios. Stoll está excelente como o relativamente silencioso Marco. E Cristofer encontra um personagem autêntico dentro de seu papel ingrato de narrador.

A sutileza que imbui cada atuação se estende ao estilo recatado do figurino dos anos 1950 de Jane Greenwood, da iluminação melancólica de Peter Kaczorowski e do cenário giratório de John Lee Beatty. Para a chocante cena clímax da peça, a rua com habitações do Brooklyn do cenário de Beatty se transforma silenciosamente para sugerir um mundo muito mais velho, de coliseus antigos onde o sangue escurece as pedras.

Sem nos darmos conta por completo, somos levados exatamente para onde Miller gostaria que estivéssemos: o mundo da tragédia clássica. E para mérito infinito do elenco, percebemos que esses personagens não apenas pertencem a esse mundo naquele momento, mas também, em algum grau, sempre fizeram parte dele. (Ben Brantley)
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
Sitevip Internet