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Quinta-feira, 25 de julho de 2024

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Celso quer, Celso tem: histórias, gestos e ideias do homem-forte tricolor

A sala de terceiro andar na Barra da Tijuca não chega a ser um santuário tricolor. Tem dois quadros que remetem ao Fluminense, ambos com Fred em destaque, e a reprodução, em miniatura, de um bar com pequenas referências ao clube - minipôsteres pendurados em miniparedes pintadas de verde, branco e grená.

A sala de terceiro andar na Barra da Tijuca não chega a ser um santuário tricolor. Tem dois quadros que remetem ao Fluminense, ambos com Fred em destaque, e a reprodução, em miniatura, de um bar com pequenas referências ao clube - minipôsteres pendurados em miniparedes pintadas de verde, branco e grená. Na prática, é atrás da mesa em destaque no ambiente, sentado em uma cadeira com estofamento de couro, que reside a maior referência ao campeão brasileiro de 2010. Eis Celso Barros, o homem que manda no futebol da equipe de Laranjeiras.


Ele está no prédio da Unimed, a empresa que multiplica a injeção de milhões e mais milhões no Fluminense. Veste calça social e camisa com listras em preto e branco. Tem voz mansa, compartilhada com um sorriso, quando diz:

- Não sei o que vocês querem falar sobre o Celso Barros. Não tenho mais nada para dizer.

Celso Corrêa de Barros, médico, especializado em pediatria, tem 60 anos - denunciados pelos cabelos grisalhos. Em 14 deles, foi o sujeito responsável por formar a base financeira (às vezes maior, às vezes menor) de um clube em reconstrução. Adorado por muitos, temido por quase todos, desafiado por raros, virou a bengala do clube que ama. É, como diz o hino do Flu, um tricolor de coração. Mas com um adendo: também de profissão.

Entrevistá-lo, para um jornalista esportivo, é falar sobre o Fluminense. Dar entrevista, para ele, é também falar sobre a Unimed, a empresa cuja unidade carioca ele preside desde 1998 - também teve o comando nacional dela por dois mandatos, de 2001 a 2009. Celso Barros equilibra-se entre os dois tópicos. Sabe que é o crescimento do clube que lhe rende maior notoriedade, mas se orgulha ao falar sobre conquistas também na empresa. Parece não querer deixar que nasça um desequilíbrio entre o tricolor de coração e o tricolor de profissão.

Por duas semanas, a reportagem conversou com pessoas que conviveram com Celso Barros. Ouviu manifestações de apreço e de contestação, conheceu histórias de bastidores, percebeu temor em quem fugiu do tema. Os relatos estão abaixo. Nesta terça-feira, o GLOBOESPORTE.COM ainda publica uma entrevista exclusiva com o todo-poderoso do Flu.

Pizzas, camarotes, sutilezas

Quase 20 treinadores passaram pelo Fluminense desde 1999, quando o clube começou a receber o patrocínio da Unimed. Não é por acaso que sete deles, no período, comandaram o time mais de uma vez: Carlos Alberto Parreira, Valdir Espinosa, Oswaldo de Oliveira, Renato Gaúcho, Joel Santana, Abel Braga e Cuca. Celso Barros procura criar uma relação próxima com os treinadores. Por alguns, cria uma estima que pesa em possíveis retornos. Somados os aspectos pessoal e profissional, seu preferido é Renato. No período da parceria entre o clube e a empresa, ele foi o único a comandar o Tricolor três vezes. Celso Barros passou o réveillon de 2010 na casa do ex-atacante. Recebeu um prato de comida das mãos dele, em meio a manifestações de carinho. A relação é quase familiar.

Com Abel Braga, o atual comandante do Flu, Celso Barros procura jantar a cada duas semanas. Ele não é exceção. O investidor busca algum tipo de proximidade com todos os técnicos. Acaba ficando mais íntimo de alguns do que de outros, dependendo de quão expansivo é o treinador.

A tentativa de aproximação por vezes assusta. Em 2 de novembro de 2008, o Fluminense levou 1 a 0 do Vasco pelo Campeonato Brasileiro. Depois do jogo, Branco, na época coordenador do Tricolor, disse ao técnico René Simões que Celso Barros queria comer uma pizza com ele. O treinador, em um primeiro impulso, não aceitou. Estava convicto de que escutaria cobranças, pressões. Branco insistiu. René anuiu. Eles foram para a pizzaria. Entre uma fatia e outra, Celso Barros disse ao técnico que o trabalho dele era muito bom, que tudo estava no caminho certo, que a derrota havia sido injusta. Dois meses depois, o Flu se livraria da ameaça de rebaixamento.

Mas ela voltaria no ano seguinte - a fatídica temporada do 1% de chance de permanência na Série A. René Simões saiu. Entrou Parreira. E Celso Barros surpreendeu o treinador campeão mundial de 1994. Em meio a convites para que o técnico fosse até o camarote dele no Maracanã, depois das partidas, acabou acontecendo uma conversa. Nela, o presidente da Unimed disse a Parreira que sua preferência era Renato Gaúcho. Não disse que não queria Parreira no Fluminense, mas disse que preferia Renato. O treinador entendeu. Meses depois, ele deixou o clube e criticou o poder da empresa sobre o Fluminense. Mas não criou antipatia a Celso Barros.

A reportagem do GLOBOESPORTE.COM não teve qualquer confirmação de que o presidente da Unimed, em algum momento, tenha tentado influenciar em escalações. Os treinadores negam. Ele também. Mas Celso Barros não esconde suas preferências. Em conversas com os técnicos, usa de sutileza para dizer o que pensa sobre o time. Aí cabe ao treinador acatar ou não.

- Ele sabe com quem se mete. Comigo, nunca teve nada. Nada de recadinho, nada de pedido. Nada - disse Parreira.

- Isso é uma lenda - garantiu Celso Barros.

De lágrimas e cânticos

Na madrugada de 7 de junho de 2007, Celso Barros estava em Florianópolis. Mais precisamente, no estádio Orlando Scarpelli. Mais precisamente, diante de um elenco recém-vencedor da Copa do Brasil. Ele pediu a palavra. Agradeceu aos jogadores pelo esforço, parabenizou a todos pelo título. E avisou que o prêmio pela conquista seria aumentado.
Os boleiros comemoraram como se tivessem ganho mais um título. Imediatamente, começaram a gritar o nome de Celso Barros; em seguida, puxaram um cântico.

- P... que pariu, é o melhor patrocínio do Brasil!

Celso Barros não sabia se ria, comemorava ou dançava. Fez os três, enquanto era abraçado por jogadores.

Os atletas costumam gostar do investidor. Carisma à parte, há um motivo claro para isso: ele paga em dia, e bem. Para profissionais acostumados a ver os meses romperem o conceito de tempo e terem muito mais do que 31 dias, é fundamental.

- Ele não gosta de dever a ninguém. Ele diz que não gosta de dever aos outros. A parte da Unimed eu recebi imediatamente. Nosso último jogo (em 2008) foi com o Ipatinga. À noite, ele pagou tudo que tinha que ser pago da Unimed. Ele não queria que os jogadores entrassem em férias sem ter recebido - lembrou René Simões.

A exemplo do que acontece com os treinadores, há jogadores com os quais Celso Barros teve maior intimidade. Alguns deles passaram a se sentir íntimos do homem que, na prática, era o chefe deles. O ex-centroavante Washington viveu uma situação emblemática.

No início do ano passado, o jogador decidiu que deixaria o futebol. Antes de anunciar a escolha, foi falar com Celso Barros. O investidor disse que apoiava a ideia. Washington começou a chorar. Foi parar nos ombros do presidente da Unimed, que também teve que lidar com lágrimas. Viraram amigos. Atualmente, o Coração Valente mora em Caxias do Sul. Em recente visita ao Rio de Janeiro, saiu para jantar com ex-chefe.

Celso Barros raramente vai ao vestiário. Frequentar treinos também não é um gesto frequente. Quando faz manifestações ao elenco, costuma falar em tom de incentivo. Mas nem sempre. Em novembro de 2008, antes de o Fluminense dar continuidade a um jogo interrompido por falta de luz contra o Figueirense, o investidor pediu para conversar com os atletas na concentração. E elevou o tom. Fez cobranças. Exigiu dedicação. Chutou o balde. Os boleiros se surpreenderam. A partida terminou com vitória de 1 a 0 para os cariocas.

Músicas, bandeira e carteirinhas (não necessariamente da Unimed)

O Fluminense, já com o apoio da Unimed, teve lá seus momentos de desgosto. O time de 2004, tão promissor, não funcionou; o de 2005 decepcionou na reta final do Brasileirão; os de 2008 e 2009 quase foram rebaixados. O outro lado da moeda traz o título da Copa do Brasil de 2007, a conquista do Brasileirão de 2010 e a presença, pela terceira vez em cinco anos, em uma Libertadores, o que inclui o vice de 2008.

As idas e vindas dos resultados fizeram Celso Barros sentir as duas faces da torcida. Em momentos de vitória, ele teve o nome gritado, foi saudado, ganhou até uma bandeira com seu rosto desenhado. Viu torcedores mostrando a carteirinha da Unimed. Em fases de derrotas, foi contestado, vaiado. E o mais engraçado: viu torcedores mostrando carteirinhas de outros planos de saúde.

Para a torcida, Celso Barros virou uma figura emblemática. Tricolores criaram cânticos curiosos para ele.

- Urubu otário, o Celso Barros tem dinheiro pra c... – ironizaram, em referência à derrota do Flamengo na disputa por Thiago Neves, quando o jogador foi apresentado em Laranjeiras.

- O Celso vai te comprar - cantarolaram torcedores para Jonas, na época atacante do Grêmio, no prêmio Craque do Brasileirão de 2010, em uma versão da música para Fred ("o Fred vai te pegar...").

O presidente da Unimed dá autógrafos. Tira fotos com torcedores. Por vezes, é assediado como se fosse jogador. Mas diz que não se empolga.

- Sei que, em um momento difícil, a crítica virá.
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