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Sábado, 20 de julho de 2024

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Um sonho, 30 anos: Grêmio destrona Peñarol e é campeão da Libertadores

César precisou de um salto, certeiro, corajoso, para deixar a frieza e o ostracismo de um banco de reservas de metal e fazer história. Caído, dando quase de cabeça na trave, viu a sua bola estufar a rede do falastrão Fernandez com a fúria de um tiro de meta. Ergueu-se aos berros, punhos cerrados na altura dos cachos castanhos. Eram 32 minutos do segundo tempo da noite fria de uma quinta-feira, 28 de julho de 1983. Que congelou no tempo - e não pela baixa temperatura do inverno sulista. O gol deu ao Grêmio o 2 a 1 sobre o Peñarol e o seu primeiro título da Libertadores. A América, enfim, estava libertada pelos gaúchos, tão parecidos com uruguaios e argentinos, mas também tão brasileiros que não poderiam desonrar as glórias do nosso futebol e deixar essa conquista repousar de novo em colo platino.


Mas Tita não pensava nisso quando esfregava as mãos na cabeça e olhava para o céu. Repetiu ao menos duas vezes o espontâneo ritual enquanto esperava a vez de abraçar César próximo à bandeira de escanteio da meta localizada à esquerda das cabines de rádio. Atarantado, desnorteado, sem chão e, acima de tudo, feliz. Tita só pensava que ali, diante de 73 mil corações apertados, estava realizando um sonho. O sonho de Sandra Regina.

O gol místico de César começou uma semana antes nas rotineiras visitas com a mulher e os dois filhos ao apartamento de Tita, no bairro Menino Deus. Um café, muita conversa e uma revelação. A esposa de Tita, Sandra Regina, avisa a César:

- Tive um sonho anteontem que você vai fazer o gol da final.

César arregala os olhos, afasta o corpo para trás e rebate, bem-humorado como de costume:
- Você está brincando... eu sou reserva!

O Grêmio acabou unindo esses dois jogadores nascidos no estado do Rio de Janeiro. E Valdir Espinosa quase os separou. Quando Tita começou a verter sangue do rosto seria substituído por Tonho. César teria que esperar mais no banco. Mas Caio, o centroavante titular voltou a sentir uma lesão no joelho, agravada, veja só, com o golpe que dera para marcar o primeiro gol daquela decisão, um carrinho com destino perfeito, no meio da bola, para o fundo das redes. Mesmo com o jogo ganho por 1 a 0, Espinosa não queria perder a referência na área no segundo tempo. Então Tita seguiu sangrando. E, no sacrifício, correu para abraçar César. Assim como Tarciso. Que não sonhou. Mas rezou muito por esse momento.
Pão com manteiga e reza de Tarciso
Jogador mais experiente do grupo, no Grêmio desde 1973, Tarciso conhecia cada tijolo do Olímpico. Sabia seus atalhos como se fosse um renomado engenheiro. Acordou cedo na concentração do estádio, a carinhosa “caverna”. O café da manhã era simples. Um pão com manteiga e um café com leite. Dali, foi embora para casa. Indisciplina? Pura fé. Como morava do lado, deu uma escapadinha para rezar no pátio de casa, olhando para os passarinhos. Antes de voltar à concentração para o almoço, furtou da dispensa um generoso pedaço de pé de moleque. Comeu uma parte e deixou o resto para mais perto da decisão.
Tentou voltar sorrateiro, entrando pelos fundos do estádio. Mas acabou surpreendido pela intensa movimentação de torcedores. Mesmo com os portões abertos somente às 17h, os fãs, esperançosos pelo título inédito, já tomavam conta do pátio do Olímpico. E viram Tarciso, o rodearam, pediram foto. O ponteiro não sabia negar, retribuiu. Posou, autografou, sorriu. Foi a primeira amostragem do calor que o grupo sentiria a partir das 21h.

Árbitro é sinal de boa sorte
E que calor, capaz de amainar aquele frio denso, insistente, abaixo dos 10ºC. Todos os 73.854 ingressos se esgotaram um dia antes, muitos deles caindo nas mãos ardilosas dos cambistas. Os dez camarotes também foram alugados. Mais de 300 funcionários estavam prontos para trabalhar na decisão. Sem contar os 400 vendedores ambulantes e os 35 bares abertos, com 36 mil garrafas de cerveja, 20,4 mil refrigerantes e 15 mil pães e salsichas. Os primeiros torcedores que tomavam conta das arquibancadas ganhavam bandeiras plásticas, 20 mil delas sacolejavam deixando ainda mais azul o estádio. Fogos de artifício espocavam no céu negro e criavam uma atmosfera toda especial, uma névoa de mistério e expectativa.

Que começou a se dissipar com a entrada em campo dos jogadores, após a passagem pelo apertado túnel de acesso. Naquela hora, já havia sido retirada a majestosa lona de 8 mil metros quadrados colocada sobre o gramado para protegê-lo das chuvas que assolaram o julho dos gaúchos. A grama, aliás, era esperança de Espinosa, descontente com o estado do campo em Montevidéu. Também pisava no tapete do Olímpico o árbitro peruano Edison Perez, de sutil, mas grata lembrança aos gremistas: apitou a final da Libertadores de 1980, em que o rival Inter acabou derrotado pelo Nacional-URU.

O Nacional é o time do coração de De León. É só perguntar, o capitão não foge da resposta: “Eu odeio o Peñarol” é mantra para o zagueiro barbudo. Por isso, vestia sob o manto tricolor uma camisa branca do Nacional. E não é para fugir do frio. Para se inspirar. Para dar sorte. Já que, diz o próprio, não conhecia a derrota diante do maior rival da banda oriental. Alguns podem chamar isso de superstição. Mas nada se compara a Espinosa. Estava preparado para, assim que Perez apitasse o início do jogo, começar a fumar a sua cota de cigarros. São oito por jogo. Quatro no primeiro tempo. Mais quatro no segundo. Nem um a mais. Nem um a menos. E ai de quem mexer na bituca quando ela estiver repousada ao seu lado no banco.

Gol cedo no caldeirão azul

E o isqueiro lambe fogo. E o árbitro sopra o apito. Começa a decisão. O Grêmio larga mordendo como um time uruguaio. Em menos de 60 segundos, duas faltas. Aos 3, Renato conseguiu o primeiro drible de efeito sobre Diogo, seu implacável marcador de Montevidéu. Aos 4, provocou o primeiro cartão, ao reclamão e violento capitão rival, o zagueiro Olivera. Aos 5, o mesmo camisa 7, infernal, chegou ao fundo de campo e cruzou. Gutierrez furou em bola, que chegou na segunda trave para Tarciso, desequilibrado pelo salto e pela marcação, errar o alvo, mas, mesmo assim, causar um frisson “ensurdecedor”, nas palavras do narrador da TV Globo Galvão Bueno.

Espinosa ainda estava no primeiro cigarro e gostava do que via. Seu time atacando, impondo o ritmo, em busca do gol - novo empate levaria a decisão para jogo extra em Buenos Aires. Aos nove minutos, a coroação. Renato cobra escanteio, a bola viaja e se oferece a De León, na quina da área. Mas o capitão fura feio, dá para trás. Casemiro recolhe e pega a zaga no contrapé com um lançamento preciso. Osvaldo corre, invade a área e, antes de ser acossado, dispara com a canhota. Cruzamento ou chute? Para Caio, foi um chute. Sorte de Osvaldo e do Grêmio é que Caio sempre gostou de jogar no erro alheio. Aproveitar as falhas e fazê-las virtudes. Então, não há mais o que fazer exceto se jogar ao encontro da bola, de carrinho, perna direita esticada como num passo de balé: 1 a 0. Fernandez nem esboçou reação, antes de buscar a bola precisou engolir cada palavra dita aos jornais uruguaios: “Quero ver o Grêmio em casa precisando atacar, sem se defender somente. É um time vulgar e violento”.

Violento foi o carrinho de Saralegui no mesmo Caio, aos 16 minutos. Antes, aos 14, Paulo Roberto aproveitou rebote de Fernandez, matou a bola no peito e, com rara habilidade, emendou um canhão de pé direito. O goleiro uruguaio devolveu a alta técnica do brasileiro com um salto fenomenal, mandou a escanteio.
- Temos que manter este ritmo - pedia um satisfeito Espinosa.

O Peñarol não perdeu a calma. Fernandez não deixou de demorar-se nas cobranças de tiro de meta. Alojada nas arquibancadas superiores, atrás da meta da Avenida da Azenha, no módulo entre as cadeiras cativas e as numeradas, a torcida do clube ururguaio tampouco desistiu da sua festa de cânticos e bandeiras. A primeira finalização charrua saiu aos 18 minutos, mas longe, longe... Tão longe quanto a superioridade tricolor naquele momento.

Aos poucos, no entanto, o Grêmio recuou, o Peñarol ganhou terreno, mas seguia sem conhecer a textura da grama da grande área de Mazaropi. O jogo entrou num estágio letárgico que apenas um jogador poderia interromper. Aos 24, Renato evitou a saída da bola após habilidoso lançamento de Tita. Encarou Bossio, ameaçou duas fintas. Sem sucesso. Bossio estava prestes a desarmá-lo quando Renato improvisou um drible de letra entre as pernas. Resultado: tesoura do uruguaio perto da grande área. O mesmo Bossio que pisara em Renato em Montevidéu, lhe abrindo cinco centímetros da canela - uma semana depois, o curativo ainda estava lá. Por falar no primeiro jogo, quase Tita repete a dose e marca de cabeça, desta vez após cruzamento de Paulo Roberto na cobrança da falta. O meia esbarra em Olivera na sequência e alega agressão do uruguaio. O primeiro grande bolo de amarelos e azuis se forma.

Grêmio! Grêmio! Hino da América ecoa

Mas é vida que segue. E o jogo que se arrasta. A torcida arrefece, sente que a partida está distante dos seus momentos mais emocionantes. Aos 30, De León resolve dar uma daquelas suas arrancadas. Dribla um, corta outro, vence o terceiro em dividida espinhosa. A bola alcança Tarciso, que invade a área e faz Fernandez comer o barro frio para agarrar a bola. Foi o último esboço de segundo gol do Grêmio, que passou, nos cinco minutos finais, a sofrer pressão pela arma mais letal do inimigo: as bolas erguidas na área. De León acenava com insistência para Edison Perez. Queria o intervalo. Aos 46, o Peñarol descola uma falta quase na risca da área. A cobrança encontra a barreira. Espinosa termina o quarto cigarro. E, enfim, o primeiro tempo é encerrado.

O vestiário do Grêmio tem duas certezas e um sentimento. Certeza 1: o time perdeu o ritmo inicial, começou a dar balões e a perder terreno. Certeza 2: seria muito difícil retomar aquele padrão de excelência dos primeiros 15 minutos, de pressão, verticalidade e bom futebol. Até porque o rival era o atual campeão do mundo, que vencera todas as suas três Libertadores atuando como visitante no confronto decisivo. O sentimento: todos ali estavam mentalmente preparados para sofrer até o último minuto. Não seria fácil defender a vantagem. Mas um som entrava rasgando pelas paredes do reduto tricolor.
- Grêmio, Grêmio, nós somos campeões da América!
Era o hino da Libertadores, criado pelo departamento de divulgação do clube no início do triangular semifinal, com ajuda do vice de futebol Alberto Galia, músico de plantão. Nas concentrações, China costumava entoar os versos, grudentos como chiclete, para o colega de quarto De León:
- Grino, gringo, nós seremos campeões da América!
Desta vez, no aconchego do vestiário, é Baidek, 23 anos, quem olha para o companheiro de zaga e arremata, claramente balançado pela música que sai vibrante de 73 mil vozes:
- A responsabilidade é muito grande.

O gigante acorda: Peñarol pressiona

Não é somente a responsabilidade que é grande. O Peñarol se agiganta no Olímpico. Começa pressionando, deixando todos os jogadores do Grêmio no campo de defesa. O desafogo vem aos 9, com um escanteio.
Depois, Osvaldo arrisca um chute forte, sobre o gol. Aos 11, Tarciso pede pênalti e, no lance seguinte, Tita se machuca após subir numa mesma bola com, coitado, Baidekão e seus 1m89cm e 89 kg. Apressado,
Fernandez o conduz para que seja atendido fora do gramado. Fica três minutos estirado à beira do campo. O placar eletrônico manda apoio: “Dá-lhe Tita, vamos lá, volte logo!”. E voltou três minutos depois, com sangue na face.

Enquanto o camisa 10 lutava contra as dores da pancada, César tirava o agasalho e ajustava a camiseta para dentro do calção. Espinosa o chamou. Minutos antes, cutucou o companheiro de banco Leandro. Ambos começaram a Libertadores como titular. Em meio a sua mudança da Europa, César chegou a morar um tempo na concentração gremista com o zagueiro. E comentou ao amigo:

- Se eu entrar, vou fazer um gol e vir aqui te abraçar.

Aos microfones, César foi bem menos profético. Sério, grave, tenso, informou a orientação recebida do técnico:
- É para ficar grudado no líbero, que está jogando sozinho.

Caio saiu. Não jogava bem e ainda via o seu joelho arder em dor, amplificadas com o esforço que fizera para abrir o placar no primeiro tempo. Encontra César. Um aperto de mão, um abraço apressado. Deu apenas tempo de desejar sorte e, depois, ser abordado por um repórter. Atrapalhado pela marcante gagueira, Caio esbanjou humildade:

- Espero que não fique só no meu gol. Que o Grêmio faça mais.

Mas estava difícil. O Peñarol se fortalecia a cada minuto, a cada ataque, a cada investida. Parecia ser alimentado pela adrenalina, pelo relógio passando sempre mais veloz. E o gigante em amarelo e preto ganhava mais envergadura. E começou a enervar os brasileiros. Aos 22, inexplicável, Renato desatou em insólita corrida até a bandeira de escanteio da defesa, na qual Vicente Ramos protegia a bola. O camisa 7 saltou e aterrisou de pés juntos sobre as canelas do uruguaio. Novo bolo formado, cartão amarelo para Renato, que levou uma bronca paternal de De León, furioso com o descontrole do atacante.

Foi a senha para nova confusão, no minuto seguinte. Cai um uruguaio com a bola presa. Osvaldo o chuta. Todos tomam as dores. Morena empurra Osvaldo, que desaba. A falta é uruguaia. Morena arrisca, a bola explode na barreira, mas Renato afasta mal. Ramos recolhe, breca, ilude Tarciso. O camisa 16 comete falta no bico da grande área. Ao menos na visão de Edison Perez.

O Flecha Negra se revolta, quer voar no pescoço do árbitro peruano. Gesticula, avisa que, antes, tocara na bola. Todos no banco de reservas se erguem. De León cobra o bandeirinha. O Grêmio por inteiro parece pressentir o mau agouro.

E o Peñarol inteiro parece pressentir a redenção. Nada menos do que oito uruguaios vão à área. Apenas um ao longe, além de Fernandez. Ramos na bola. O cruzamento é suave e chega a Morena. De novo Morena.

Sempre Morena. Subiu com liberdade inimaginável na entrada da pequena área: 1 a 1, aos 25 minutos. A temperatura do Olímpico, já baixa com o inverno, despenca. É clichê, mas o “banho de água fria” se torna a expressão mais fiel. Seria, no entanto, mentiroso dizer que o Olímpico emudeceu. E as milhares de vozes festejando no mais alto espanhol? Para lá correu Morena, braços abertos, num roteiro idêntico ao gol que marcara em Montevidéu.

Havia uma voz em espanhol que, no entanto, os gremistas precisavam ouvir. A voz de De León, que vestia a camiseta do seu Nacional, que odiava perder para o Peñarol. Que odiava o Peñarol. E que sabia como poucos jogar uma Libertadores da América - vencera em 1980, sobre o Inter e com o mesmo Perez no apito.
- Vamos lá, esse jogo é nosso! - bradou, enquanto a bola era rolada até o círculo central para o duro recomeçar.

O placar eletrônico também incorporou o gringo copeiro e estampou: “Dá-lhe Grêmio, Dá-lhe Grêmio!”. De León assumiu o jogo de vez. Virou volante, lateral, ponta-esquerda... Onipresente, também soube jogar sob as traves. Com 29 minutos, o Peñarol engata envolvente contragolpe, Ramos entra cara a cara com Mazaropi, que salva em seus pés. A bola sobe e Morena dá de cabeça. O goleiro não volta a tempo. Mas lá está De León, no centro da meta, abaixando-se para cabecear a bola para longe. O estádio inteiro é que se curva para o uruguaio. Esse, sim, o uruguaio que interessa. Pelo qual é possível torcer e vibrar com seu lance de heroísmo com a mesma sofreguidão com que se comemora um gol.

César salva Grêmio. E Tarciso

Até o blasé técnico Hugo Bagnulo se levanta, deixa de lado o ar entediado. Não era para menos. O Peñarol estava cada vez mais próximo da virada. De confirmar a velha história de que arruina os rivais jogando fora de casa. Que pensar em suplantar um tricampeão do mundo é nada mais que um sonho atrevido. Mas de sonho... o Grêmio entende. Sandra Regina, a mulher de Tita, entende. O problema - o único porém - é que só ele sabe disso naquele imenso concreto azul invadido por gente que sofre, que rói as unhas, que teme pelo pior. Pela repetição da sina de fracassos em casa, de um clube grande, mas que não vence um campeonato em seus domínios desde 1977, com o salto (i)mortal de Catimba...

Hoje, não tem Catimba. Mas tem a letra “C”. De César. E tem salto. Mas, antes, tem Renato. O camisa 7 recebe de Tita, evita a saída pela linha de lado e cruza. A bola carimba o insistente Diogo. O próprio Renato cobra o arremesso. Tarciso devolve. Agora, a marcação dobra. O que fazer? Dar outro chute sobre a parede amarelo e preta? Ganhar um escanteio? Não. Renato resolveu ganhar o jogo. Um tapa para erguer a bola na altura do joelho. Uma alavanca com a perna direita para catapultar a bola em direção à área. Ela subiu rápido. Desceu ainda mais surpreendente. Montelongo não alçou voo. Quando olhou para a esquerda, viu um corpo suspenso.

Era César. Tentou colocar o pé. Em vão. César já havia saltado para sempre. Quis o destino que o sonho de Sandra Regina virasse realidade. Que seu marido Tita fosse o primeiro a recepcionar o salvador na comemoração emocionada, embora, de tão embasbacado, não conseguisse abraçá-lo. De León, que usara a cabeça antes para salvar, a inclina para os céus, braços erguidos, corre de sua área. Agradece aos céus. Tarciso, não. Embora adepto das preces, preferiu agradecer a César mesmo, que lhe tirou das costas o peso de ter cometido a falta do gol de empate:

- Te devo este título.

Espinosa, pilha de nervos e emoção, dá o tom dos minutos finais, num entra e sai do banco de reservas:
- Tem que colocar a vida.

Renato colocou um pouco mais do que isso. Após falta dura de Baidek, um bolo se forma na intermediária. Enquanto todos cercam o árbitro, Ramos agride Mazaropi, que vai ao chão. O soco não passa despercebido, o uruguaio vai para a rua. E eis que surge Renato, que também agride. Vinga Mazaropi e acerta Ramos. Deixa o campo expulso, fazendo o sinal de “2 x 1” com os dedos e, ao avistar a torcida na pista atlética, fecha os punhos e balança os braços. Comemora. Certo de que o título não sairia mais de Porto Alegre.

Aos 46 minutos, Edison Perez ergue os braços. Mazaropi cede, se ajoelha, não consegue fazer nada mais do que urrar, choroso. César vai aos microfones enaltecer o grupo. Osvaldo comemora o fim da mania de ser vice na Ponte Preta. E Hugo De León desabafa:

- Com esse futebol medíocre, de chutões... o Peñarol que vá plantar batata!

Não há protocolo, pódio ou papel picado. O Grêmio recebe a taça cobiçada desde o fracasso rotundo de 1982, corre com ela para frente das sociais e dá início à volta olímpica. Torcedores invadem o gramado, querem todas as peças de roupas dos ídolos. Tarciso só ficou de cueca, claro, e... meia. Pediu para que não o deixassem descalço. O frio estava de matar. Valdir Espinosa pouco participa da saudável confusão. Desce ao vestiário. Lá, sim, acaba como “vítima”, derrubado na banheira. Ou no “piscinão”, um apelido carinhoso. Menos mal que a água estava quente. Assim como os corações deles e dos 73 mil torcedores que foram recompensados por um título inédito numa noite de suor, sangue e vitória.

Havia muito a comemorar. Porque sempre houve muito a combater. As críticas com a montagem de um time mais barato e mais jovem. A crise financeira. A oposição política, ferrenha até em momentos de decisão no campo. As dificuldades inerentes à própria Libertadores, de conchavos, armadilhas e batalhas campais. Por isso, a festa não terminou no quente vestiário. Os solteiros, por exemplo, aproveitaram para estender a noite eterna na concorrida boate Água na Boca, encravada no centro de Porto Alegre. Por falar em água na boca, a conquista da América deixou um gosto de quero mais, com data marcada para ser saciado: 11 de dezembro de 1983.

Alô, Japão! Alô, mundo! Assim como fizera a predestinada esposa de Tita, o Grêmio se permite sonhar mais uma vez.
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