Foi realizada em Campo Grande, na semana passada, pelo Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso do Sul a audiência pública “Empreendimentos Hidrelétricos na Bacia do Alto Paraguai (BAP) – a exploração energética e a integridade ecológica do Pantanal”. O evento contou com a participação do Ministério Público Estadual (MPE), MPF-Cuiabá, Ibama-MS, SEMA-MT; SEMAC-MS, EPE- Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia e da pesquisadora Débora Calheiros - representante da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entre outras autoridades, ambientalistas, pescadores, pesquisadores e organizações não-governamentais.
O principal assunto debatido durante o evento foi a implantação de um conjunto de 116 usinas hidrelétricas (29 já em operação) na bacia do Alto Paraguai, em sua maior parte (73%) Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCHs, na região de transição entre o planalto e a planície pantaneira. O objetivo da audiência foi fomentar a discussão desse tema com o maior número possível de interessados, assegurando que a atuação do Ministério Público seja pautada nos princípios democráticos.
Durante a abertura do evento, o Procurador da República de Corumbá-MS e mediador da audiência pública, Dr. Wilson Rochas Assis, ressaltou a responsabilidade de todos os presentes em encontrar meios para um modelo de exploração energética que atenda as demandas do desenvolvimento econômico do país, sem que a preservação do meio ambiente fosse comprometida.
A pesquisadora da Unidade realizou uma das apresentações da audiência, onde falou sobre o funcionamento da dinâmica das águas na bacia, a influência da construção de barragens na conservação dos ambientes aquáticos e dos serviços ambientais do sistema BAP/Pantanal. Segundo a pesquisadora, o conjunto desses empreendimentos hidrelétricos podem causar impactos e desequilíbrio nos ciclos naturais de cheias e secas que regem o funcionamento ecológico planície, afetando assim, a flora e a fauna, bem como a qualidade de vida das pessoas que dependem da saúde ambiental do Pantanal, como os pequenos e grande produtores rurais, os pescadores e ribeirinhos e o setor turístico. A pesquisadora lembrou, ainda, que uma barragem representa um obstáculo para o livre fluxo não apenas da água e de nutrientes carregados por ela, mas também de peixes, principalmente as espécies migratórias, resultando em diminuição da produção pesqueira em médio e longo prazo.
A audiência foi proposta a partir de inquérito civil público que tramita na Procuradoria da República no Município de Corumbá (MS), instaurado a partir de informações apresentadas no projeto de pesquisa desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Pantanal intitulado “Monitoramento Limnológico e Ecotoxicológico da Bacia do Alto Paraguai” dentro do Projeto Ecológico de Longa Duração (PELD/CNPq 520056/98-1). A publicação tem servido também como fonte de informação para diversos outros órgãos estaduais e federais, responsáveis por políticas públicas relacionadas à gestão de recursos hídricos, como o Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH e o Comitê Nacional de Zonas Úmidas - CNZU, ambos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, sendo que o CNZU já elaborou uma Recomendação sobre a questão junto ao Ministério.
Segundo a pesquisadora Débora Calheiros, responsável pela publicação, “É imprescindível que o setor elétrico brasileiro e os gestores da área ambiental e de recursos hídricos se sensibilizem quanto à fragilidade do ecossistema Pantanal e quanto aos impactos que a instalação desse conjunto de hidrelétricas, sem a observação de critérios de sustentabilidade, podem causar para toda a região”. Entre as recomendações feitas por Débora durante a palestra está a aplicação do conceito de Manejo de Ecossistemas, pelo qual, com base na compreensão científica do funcionamento dos processos hidro-ecológicos do sistema BAP/Pantanal, é possível utilizar seus recursos naturais de forma racional, garantindo a qualidade ambiental e, desta forma, a sustentabilidade das atividades econômicas tradicionais da região, além dos valores sociais e culturais da população pantaneira.
Durante a audiência, o Promotor de Justiça Alexandre Raslan ressaltou que os Estados de MS e MT têm buscado diversificar suas matrizes econômicas, razão pela qual a paisagem natural de ambos tem sido muito alterada. Segundo ele, a sociedade deve pensar sobre o que se quer em um futuro próximo, tanto do ponto de vista do desenvolvimento econômico como da preservação dos recursos naturais: “a grande virtude desta audiência pública é levantar indagações e propostas. A questão energética deve ser pensada em termos amplos, alcançando as comodidades geradas, mas também os custos sociais de sua produção, de modo que não se deve continuar privatizando os lucros e sociabilizando as perdas do processo de produção de energia” completa o Promotor.
A proposta defendida na audiência foi a paralisação dos processos de licenciamento em andamento até que se tenha em mãos as avaliações ambientais relacionadas ao conjunto de empreendimentos - Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Ambiental Estratégica - e a criação de um grupo técnico multidisciplinar para acompanhar a elaboração de um Termo de Referência (TR) que norteará a decisão sobre o licenciamento dos empreendimentos energéticos da bacia pelos órgãos responsáveis, bem como o regime de operação das usinas já em funcionamento. O MPF e o MPE vão atuar de forma conjunta por meio de medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para a proteção do Pantanal, considerado como Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e Patrimônio da Humanidade e Reserva pela Biosfera pela Unesco.