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Domingo, 21 de julho de 2024

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Degustar é exercitar o cérebro

Foto: (foto: Getty Images)

Degustar é exercitar o cérebro
Por curiosidade pessoal, tenho me interessado e lido muito sobre neurociência. As mais novas teorias sobre neuroplasticidade, neurobiologia, neuróbica, psicologia evolucionista, muitas coisas que um leigo e mesmo muitos médicos não imaginariam me fascinam. Claro que não passa de literatura de divulgação científica, nem poderia ser diferente. Sou um músico que gosta de bebidas, não um cientista.


Um dos livros mais interessantes de minha recente pilha de cabeceira se intitula Incógnito, de David Eagleman (Rocco), que discute, entre outras coisas, livre-arbítrio e imputabilidade com o objetivo de mostrar que a maioria de nossas ações e decisões é tomada por um sistema complexo de partes do cérebro a competir entre si. Resumindo, nossas pretensa razão e consciência são muito pouco mais do que uma ilusão agradável. A obra vem recheada de exemplos e exercícios que aos poucos derrubam muitas de nossas certezas.

Mas o que teria isto a acrescentar ao papo de bebida? Simples. As portas do cérebro são os nossos sentidos. E um outro livro interessante, Mantenha O Seu Cérebro Vivo, de Katz e Rubin (Sextante), explora várias possibilidades de exercícios neurais, criados para aumentar a sinestesia e consequentemente a rede sináptica, que me lembraram muito uma rotina de degustação de vinhos.

Minhas leituras me mostram alguns bons motivos para não beber porcaria e aproveitar cada cor, aroma, sabor, ocasião, companhia. Enfim, degustar, não simplesmente beber. Quando ajo assim estou exercitando meu cérebro, buscando novas experiências e criando mais registros de memória e redes neurais. Explorar e experimentar é bom para o nosso amigo esponjoso e gordurento que vive dentro do crânio.

Por que tanta gente se fixa em um rótulo de vinho ou em uma marca de cerveja? Por que tantos me perguntam o vinho que eu recomendo a eles? Como se valesse a pena descobrir este Santo Graal do vinho bom e barato e nunca mais abandonar este porto seguro. Muitos, ao argumentar falta de tempo ou capacidade de apreciação, dizem que pedem uma dica para não errar. Mas na arte, na evolução biológica ou na ciência, o risco e sua possível consequência, o erro, são o segredo da transformação.

Para quem precisa de um empurrãozinho nos exercícios etílicos neurais, aqui vão algumas dicas:

1. Pare com este papo de "eu enjoei de malbec", "odeio merlot" ou "prefiro pinot noir" (só por ter assistido Sideways). Há um mundo de castas a serem exploradas. Veja no Dicionário do Vinho Tagliari & Campos umas duas mil delas. E mesmo entre as mais famosas cepas saiba que se você tomou um vinho varietal chardonnay está longe de ter a capacidade de decidir se gosta ou não de chardonnay. Qualquer uva pode mudar muito conforme terroir, processos de vinificação, conservação e até de serviço. Aliás, o mesmo vinho, da mesma garrafa, pode se modificar simplesmente de acordo com sua percepção.

2. Não se apegue somente à uva. Explore a tradição europeia e deguste regiões. Algumas delas são basicamente produtoras de uma ou duas uvas. Mas nem todas. Beba Chianti, Rioja ou Borgonha e descubra as características que cada região dá às suas cepas.

3. Quando você sabe que determinado produtor engarrafa milhões de litros, fica fácil ver que o assunto é quantidade e não qualidade. Mesmo que o resultado seja satisfatório, pode crer que a busca deste cara é grana e constância de sabor. E aquilo de que seu cérebro precisa é variedade! Faça a si mesmo um favor. Entre beber duas garrafas de R$ 20 de um grande produtor e degustar uma de R$ 40 de um produtor menos conhecido, tente a segunda opção. E se a diferença for entre R$ 20 e R$ 120, não tenha dúvida. Até um neófito perceberá a diferença de qualidade.

4. Organize degustações com amigos. Não espere ter muito conhecimento. A mera exposição a diferentes vinhos numa mesma situação, oferecendo a chance de comparar entre eles, pode significar uma experiência muito rica para o seu sistema de percepção. Escutar as opiniões de seus pares, mesmo que inexperientes, vai funcionar como um brainstorming e despertar novas sensações.

Cuide de seu cérebro. Não beba. Deguste.
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