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Domingo, 28 de julho de 2024

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Evolução da capacidade auditiva ajudou humanos a desenvolver linguagem

Quando pronunciados com clareza, os sons “dah” e “bah” são fáceis de diferenciar. Mesmo assim, se você passa uma cena de filme onde a trilha sonora diz “dah” enquanto a imagem mostra uma boca dizendo “bah”, as pessoas vão jurar que ouviram “bah”. Se você pedir que contem o número de vezes que uma luz pisca, e piscá-la sete vezes seguidas com uma sequência de oito sons de bip, as pessoas dirão que a luz piscou oito vezes.


Quando se depara com partes conflitantes de informação, o cérebro decide em qual sentido confiar. No primeiro cenário, aqueles lábios se movendo nunca poderiam articular um “d”, então a visão reivindicou a supremacia. Porém, em questões que demandam uma análise temporal, e racionalizar sons similares numa sequência, o cérebro instintivamente se apóia na audição.

Clique clique clique. Você consegue ouvir uma série de cliques a vinte batidas por segundo e saber que são cliques separados, e não um tom contínuo. Agora, passe uma série de imagens juntas a vinte quadros por segundo – pronto, bem-vindo ao cinema. “A resolução temporal de nossa visão”, disse Barbara Shinn-Cunningham, da Universidade de Boston, “é de uma ordem de magnitude mais lenta do que nosso sistema auditivo pode lidar”.

É fácil considerar a audição como verdadeira, aquela esparramada Babilônia estereofônica onde os portões nunca se fecham e há plataformas para todos. Você pode fechar seus olhos contra um sol brilhante demais, ou desviar o olhar de uma cena desagradável. Todavia, quando o soprador de folhas de alguém faz disparar o alarme do carro do vizinho, ei, onde estão meus tampões de ouvido? Fomos chamados de primatas visuais, e o tamanho de nosso córtex visual impede o crescimento da plataforma neural designada para a audição. A maior parte das pessoas, quando questionada, afirma que preferiria perder a audição do que perder a visão.

Agradecidos às orelhas

Ainda assim, em maneiras que os pesquisadores estão apenas começando a avaliar, nós humanos deveríamos ficar agradecidos às nossas orelhas. De forma mecânica, elétrica, comportamental e cosmética, nosso par de placas sonoras é um genuíno marco auditivo de nossa espécie. Se algumas palavras soam parecidas, elas deveriam mesmo soar, pois nossos ouvidos e bocas, em conjunto, nos deram a voz.

Hoje, cientistas suspeitam que a origem da linguagem humana se deva tanto a melhorias nos primeiros ouvidos hominídeos quanto a estímulos mais familiares, como uma laringe sendo alterada ou mesmo um cérebro se expandindo no geral.

Em recente análise molecular, John Hawks, da Universidade de Wisconsin, relatou que oito genes, envolvidos em moldar o ouvido humano, parecem ter sofrido mudanças significativas durante os últimos 40 mil anos, algumas tão recentes quanto o surgimento do Império Romano. Somente com infraestrutura auditiva altamente refinada, dizem os pesquisadores, nossos ancestrais poderiam ter se afinado ao tipo de minúsculas flutuações em ondas de pressão que caracterizam toda a fala humana, sem mencionar o latim conjugado corretamente.

Adicionalmente, a avidez com que nosso sentido auditivo busca organizar o ruído ambiente em padrões acústicos significativos – uma consequência provável de nossa dependência da linguagem – poderia ajudar a explicar nossa musicalidade distintamente humana.

Nascidos para a música

Todas as culturas humanas estudadas fazem música. Bebês humanos já nascem amando-a, mas apesar do antigo provérbio, a música não fará nada para acalmar os animais não-humanos comuns. Novas evidências sugerem que muitos de nossos colegas mamíferos, incluindo cachorros, gatos, roedores e macacos, são indiferentes à música – podendo até mesmo ter aversão a ela.

Num estudo com macacos do gênero Callithrix, Josh McDermott, hoje no Centro de Ciência Neural da Universidade de Nova York, descobriu que enquanto os macacos mostraram alguns sinais de preferir músicas de ritmo mais lento, sua música favorita era o som de mãos batendo palmas. “Eles estão numa sala sem nada mais para fazer, e podiam estar ouvindo a uma agradável e tranquilizadora canção de ninar”, disse McDermott. “Mas se você der a eles a escolha entre música e silêncio, eles escolhem o segundo com toda a certeza."

Qualquer que seja a lista de músicas preferidas, nosso sistema auditivo é uma peça soberba de engenharia – e realmente, muitos pesquisadores da audição possuem um histórico de engenharia, e até de neurociência. As ondas de pressão que formam o som adentram os ouvidos através da orelha externa, uma estrutura tão específica para cada indivíduo quanto uma impressão digital, essencial para avaliar os contornos verticais de uma onda sonora e definir quão perto ou longe pode estar sua fonte.

À medida que o deslocamento de moléculas do ar prossegue pelo canal auditivo e através da membrana do tímpano, as vibrações balançam os três minúsculos ossos do ouvido médio, que, conforme é colocado por Jeremy Wolfe em seu livro “Sensation and Perception”, agem como uma série de alavancas. Um salto agulha atingindo um chão de madeira, para amplificar a energia da onda, torna audíveis mesmo os sons fracos. Aventurando-se mais adiante na densa concha do ouvido interno, as vibrações mecânicas são amplificadas ainda mais, e traduzidas em sinais elétricos adequados para os neurônios – fazendo pulsar grupos de células sensoriais.

Shihab Shamma, da Universidade de Maryland, argumenta que o cérebro interpreta sinais visuais e auditivos usando muitos truques similares. Por exemplo, ele busca as pontas e a geometria geral do sinal. “O que distingue um movimento do outro é o formato da onda entrando no ouvido”, disse Shamma. “Isso seria análogo ao que diferencia um quadrado de um círculo."

O cérebro também tem uma afinidade pela simetria. Muitos objetos no mundo natural são bilateralmente simétricos – possuem um lado esquerdo e um direito –, e o cérebro usa essa simetria como indicação para agrupar objetos similares e distinguir um do outro. O equivalente à simetria para sinais da audição é a altura, o perfil da frequência de uma onda sonora que faz uma nota dó soar diferente de um sol bemol. A maioria dos sons consiste não de notas puras de uma única e perfeita onda senoidal oscilante, mas de harmônicos, múltiplos sobrepostos dessas ondas – o cérebro as recebe como uma coisa só, assim como trata os lados direito e esquerdo de uma pintura como elementos de um objeto único.

Ao contrário dos olhos, é claro, o ouvido não é limitado a estimulantes sensoriais na frente do rosto. “Como os sinais auditivos passam em volta de objetos”, explicou Shamma, “eles são extremamente importantes para a comunicação num ambiente desordenado”.

Um pinguim localiza seu filhote, ou uma mãe humana encontra uma filha perdida, ouvindo seu choro. Se as orelhas são os olhos na parte de trás da cabeça, talvez seja bom que esses olhos nunca pisquem.
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