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Quinta-feira, 18 de julho de 2024

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Ex-faxineira cria 'fórmula secreta' para fios cacheados

São 10 horas da manhã de uma quinta-feira. Heloísa Assis, mais conhecida como Zica, está sentada com os cachos – sua marca registrada – jogados para trás. Ela está sendo maquiada e também recebe os últimos detalhes nas unhas. O figurino é de festa – vestido claro, tomara que caia, com muito brilho.


Há 20 anos, ela mal podia esperar que hoje estaria inaugurando a 18ª unidade da sua rede de salões, especializada em cabelos cacheados, o Beleza Natural. “O meu sonho era poder entrar em um salão para poder cuidar do meu cabelo. Mas as pessoas corriam. Ninguém queria, só falavam: ‘corta este cabelo que não tem mais jeito’”.

Ela se refere à época em que ostentava um poderoso black power, que, segundo ela, era “meio metro pra cima, meio metro pro lado”. E foi atrás de uma solução para assumir os cachos sem ter que alisá-los que ela se tornou a dona de uma fórmula secreta que ajudou sua rede de salões a faturar, só em 2012, R$ 140 milhões, com previsão de fechar 2013 em R$ 180 milhões. O sucesso do negócio também a lançou para a cobiçada lista de mulheres de negócios mais bem-sucedidas do País pela revista Forbes - e agora está lado a lado de ícones como a über model Gisele Bündchen.

Batizado de “Super Relaxante”, o produto químico é fruto de dez anos de pesquisa, com direito a muitas tentativas e erros judiando do próprio couro cabeludo. Zica quase ficou careca para chegar à fórmula final, mas afirma que o tratamento traz vida aos cachos, brilho e movimento.

Depois de regularizar o produto, ela não parou mais de crescer. Atualmente, seus salões são abastecidos pelos produtos fornecidos por uma fábrica própria, que conta com cerca de 50 funcionários, entre farmacêuticos, químicos e pesquisadores. A aplicação do Super Relaxante só pode ser feita nos salões da marca, por profissionais treinados para isso.

Hoje, cerca de 100 mil mulheres visitam as unidades todo mês. Cada salão tem de 120 a 150 funcionários para dar conta de toda a demanda. Há também as caravanas, que atualmente representam 4% do faturamento da empresa. Elas vêm de diversos estados brasileiros e, em grupos menores, de lugares como Nova York e Angola.

E o plano de expansão não para. Recentemente, a marca firmou parceria com novos investidores e pretende abrir 120 novas lojas nos próximos 5 anos. Em São Paulo, as duas inaugurações mais recentes foram no Largo 13 e no Shopping Center Lapa – onde Zica concedeu entrevista exclusiva ao Terra. A terceira unidade paulista chega em janeiro de 2014, no Tatuapé. Veja os principais trechos da entrevista.

Terra: O que as clientes mais procuram no seu salão?
Heloísa Assis: É o Super Relaxante, que é o carro-chefe do Instituto. Ele é um produto químico, que eu desenvolvi, é o mais suave do mercado, não tem formol. Nós atendemos 100 mil clientes por mês só para fazer este tratamento.

Terra: A fórmula então está guardada a sete chaves? Mais ou menos como a receita da Coca-Cola?
H.A.: Sim! Eu falo que é ‘pó de pirlimpimpim’, a gente não fala nem sob tortura. Quem sabe são só os quatro sócios. Temos todo um controle.

Terra: Como foi a história desta fórmula?
H.A.: Eu desenvolvi sozinha. Foi por causa de uma necessidade minha, de entrar na casa das pessoas para trabalhar como doméstica. Nasci no Rio de Janeiro, na comunidade de Catrambi. Meu pai era biscateiro, minha mãe lavadeira, uma família de 13 filhos. Vi muita dificuldade, a gente morava em barraquinho, passamos muita fome. Com nove anos comecei a trabalhar, cuidando de uma criança de cinco.

Terra: Nesta época o cabelo era um problema?
H.A.: Eu trabalhava em mansões. As pessoas associavam o cabelo à sujeira, a desleixo. Isso me entristecia um pouco porque naquela época era a maior sensação o black power. Pequenininha, eu já ganhava concurso com isso. Mas tive que cortar, alisar, até os meus 21 anos. Isso me entristeceu muito.

Terra: E qual foi a hora da virada?
H.A.: Com 21 anos fui fazer um curso de cabeleireiro para entender por que meu fio era tão grosso. Mas era para mim, não foi com o objetivo de trabalhar. Ainda trabalhava como doméstica, e continuei até montar o primeiro Beleza Natural, com 33 anos e 3 filhos. Aí fiz este curso, entendi o meu fio, e amei a profissão.

Terra: E foi nesta época que começou com os testes para o que hoje é o Super Relaxante?
H.A.: Comecei em casa na bacia, na colher de pau. Não falo o que eu misturava porque também é segredo [risos]. Aplicava no meu cabelo, caía muito. Puxei meu irmão que hoje é sócio e vice-presidente. Peguei como cobaia.

Foram muitos erros. Mas aí, graças a Deus, teve um tempo que não caiu mais. O cabelo começou a se transformar. Mas a gente não tem noção: ‘poxa, desenvolvi um produto’. Eu não sabia o que eu estava fazendo. Mas o cabelo começou a se transformar.

Terra: E qual foi o momento do ‘estalo’, quando percebeu que tinha algo poderoso na mão?
H.A.: Estava na minha comunidade, subindo a rua. Uma prima minha chegou e falou ‘Zica, eu também quero o que você passou no seu cabelo’. Foi a maior felicidade do mundo. Foi aí que eu falei ‘meu Deus, deu certo’. Mas eu sabia que não era ético aplicar isso em ninguém.

Terra: E como transformou em negócio?
H.A.: Comecei a perguntar para ex-patroas. Uma delas conseguiu arrumar uma química. A primeira não aceitou, mas a segunda colocou tudo no papel direitinho. Conseguimos registrar o produto, conseguimos a patente, e aí nos unimos e abrimos o Beleza Natural.

Terra: Com quem foi aberto este primeiro negócio?
H.A.: Foi em 1993, eu entrei com a minha parte como profissional, a Leila [fundadora e atual presidente] e meu irmão entraram com as economias deles. O Jair, meu marido, tinha um fusca-taxi, vendeu por R$ 5 mil na época. O investimento foi R$ 4.200 [o negócio mantém até hoje a mesma estrutura de sócios]. Era em uma casinha de mais de 100 anos. Mas ali havia a inovação. Havia amor.

Terra: E quais são as principais dificuldades para cuidar de um cabelo encaracolado?
H.A.: A gente não consegue pentear nosso cabelo sem tratamento. Eu passei por isso. Meu cabelo era meio metro pra cima, meio metro para o lado. A gente não consegue pentear. Dói, é complicado, dá nó. Pela estrutura dele, qualquer coisa ele embola. Ele resseca, arma, dobra o volume. Aí a pessoa quer socar, quer prender, porque não tem balanço, é seco demais. Se você deita de um lado, ele fica amassado. Ele não tem brilho.

Terra: E qual efeito o Super Relaxante traz para o cabelo?
H.A.: Ele sai daqui com cachos definidos, com balanço. O produto é elaborado para tratar este fio sem retirar a originalidade dele. A ideia não é alisar. A gente relaxa este cabelo retirando todo o ressecamento para que ele volte à originalidade dele, que são os cachos, as ondulações.

Terra: Você acha que tem concorrentes à sua altura?
H.A.: Não, porque nós fabricamos este produto [o Super Relaxante]. O mercado não olhava para este nicho, conseguimos olhar para este nicho que estava esquecido. Cabelo crespo, antigamente, era só alisar, cortar ou deixar black. Eu sofri com isso. Era um cabelo muito armado, muito volumoso. Meu sonho era ter um cabelo com balanço, comprido, com maleabilidade. Eu não queria alisar, nunca quis alisar. Mas eu fui obrigada, porque o mercado só me oferecia isso. Então por que não ir em busca do meu sonho e de muitas mulheres?

O meu sonho era poder entrar num salão para poder cuidar do meu cabelo. Mas as pessoas corriam. Ninguém queria, só falavam: ‘corta este cabelo que não tem mais jeito’. Escova? Ninguém queria fazer escova, porque o tempo que ela gastava para fazer escova no meu, fazia três em um cabelo liso.

Terra: A cliente que entra no seu salão pedindo o Super Relaxante passa por sete etapas. Como funciona isso?
H.A.: Conseguimos fazer com que o cliente tenha profissionais qualificados em cada etapa que ele passa aqui dentro do Beleza Natural. A gente forma profissionais para cada área, e ele é atendido por sete profissionais. Então ela passa desde uma avaliação do fio até a finalização do tratamento. Depois disso, leva um kit de manutenção para continuar o tratamento em casa. Ele dura um mês e vem xampu, condicionador, hidratação e um creme de pentear, que é sem enxague. Ela volta depois de um mês para manter.

Terra: O seu foco é a classe C. Qual é o tratamento mais barato e o mais caro encontrado nos seus salões?
H.A.: O mais barato é uma hidratação simples, que custa R$ 22,90. O mais caro é o Super Relaxante, que sai em média, R$ 140 [o valor do tratamento isolado, incluindo as sete etapas e excluindo o kit de manutenção é de R$ 83,90].

Terra: Você tem cliente que vem de longe?
H.A.: Atendemos, por exemplo, pessoas que vêm de Angola, de Portugal. Na Suíça temos um caso de uma menina que casou [e foi pra lá] e ficou muito triste porque não podia vir para o Brasil. Ela disse ‘eu amo meu marido, mas meu cabelo em primeiro lugar’. Aí ela começou a vender as coisas dela para pagar passagem, para vir ao Beleza Natural.

Terra: E como foi a história de entrar para a Forbes? Qual foi a sensação?
H.A.: [nessa hora, interrompe a maquiagem] Essa eu tenho que olhar pra você porque me arrepia até hoje. É um prazer enorme. De repente você está no meio daquelas pessoas grandiosas, daquelas celebridades. Uma pessoa que começou lá na favela e de repente está naquela revista conceituada. Isso é a cara do Brasil. Não é fácil empreender aqui. Mas a gente representa essa classe, então para a gente foi muito lindo e prazeroso. É preciso acreditar na sua originalidade, é isso que a gente quer mostrar.

Terra: Você acha que sua história inspira outras mulheres?
H.A.: Com certeza, eu ouço isso no salão todo dia: “se você conseguiu, eu também posso”.

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