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Quinta-feira, 18 de julho de 2024

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À espera de um transplante ou já operadas, mulheres dividem histórias de luta pela vida

Na Marie Claire de abril, a reportagem "Anjos da Morte" mostrou a realidade das enfermeiras que estão por trás da doação de órgãos. Muitas vezes acusadas de torcer pela morte de quem luta para sobreviver, elas correm em busca de doadores nos principais hospitais do pais. Mas é graças a elas que muitos brasileiros ganham uma nova vida após a cirurgia, como novos corações, pulmões, rins. É o caso de Flávia Fernandes, 35 anos, e Amanda Rodrigues Damasceno, 19, que receberam transplantes de coração e fígado. E é por causa do trabalho delas que Keli Bressan, 40, não perde as esperanças de conseguir o pulmão que vai devolver a sua qualidade de vida, mesmo após duas tentativas frustradas. Conheça suas histórias.


"POSSO FAZER PLANOS NOVAMENTE"

Flávia Fernandes, 35 anos, fez transplante de coração no dia 20 de março

“Você vê como eu estou falando, falando, contando a minha história sem pedir um break? Isso eu não conseguia fazer antes da operação. Ficava cansada, tinha de dormir sentada e não conseguia subir a escada da minha própria casa. Foram seis anos em que não podia fazer planos para o futuro nem nada do que me dava prazer: sair com as amigas, dirigir meu carro, brincar com o meu filho. Você sabe o que é querer fofocar e não ter fôlego? É muito triste. Eu estava tão mal que, uma semana antes da cirurgia, me vi desistindo. Disse para a minha mãe: ‘Não aguento mais’.

Tudo começou em 2007, quando meu filho tinha cinco meses. Fui diagnosticada com miocardiopatia periparto, um problema raro que pode acontecer depois de dar a luz. O coração incha e fica fraco. No meu caso, começou na semana em que voltei ao trabalho. Eu andava pela rua e parecia que tinha subido uma montanha. Parei de amamentar e precisei de ajuda constante da minha mãe, que agora cuidava de mim e do bebê. Intercalei períodos estáveis com internações até que, em 2012, tive um AVC na frente do meu filho, foi horrível. No ano passado, fiquei estável, mas minha vida estava limitadíssima. Antes, eu era independente, não parava em casa, e estava muito bem com a escolha de ter o meu filho sozinha. Mas, depois da doença, não conseguia fazer as coisas mais básicas sem ajuda. Chorava muito.

Entrei na fila do transplante no início de 2014. Lembro bem do susto que levei quando o telegrama chegou lá em casa, dizendo que eu fazia parte do sistema nacional. Fiquei muito feliz e me preparei para a espera. Mas, no dia 17 de março, passei mal e cheguei ao hospital em péssimo estado, o coração falhando por completo. Tive de ser operada de emergência e ter o sangue bombeado por uma máquina. De uma hora para a outra, minha situação virou ‘agora ou nunca’. Ou eu recebia um coração novo, ou morreria ali, no hospital.

Foi uma choradeira só quando, dois dias depois de quase ter morrido a caminho do hospital, o médico se aproximou da minha cama e disse: ‘Flávia, tem um coração. Vamos lá?’. Acordei muitas horas depois, já com o órgão novo. A minha recuperação está sendo ótima. Esta semana, já dei várias voltas pelo hospital. Eu, que nem conseguia mais andar! É muito estranho pensar que tem outro coração dentro de mim. Sei que é de um homem e que ele tinha 26 anos. Ele morreu, e agora seu coração está comigo, na minha vida nova. Posso fazer planos novamente.”

"A FAMÍLIA DO DOADOR SALVOU A MINHA VIDA"
Amanda Rodrigues Damasceno, 19 anos, recebeu um fígado novo há dois anos

“Eu tinha 16 anos quando descobri que estava com câncer. Sempre fui cheinha e, por isso, não havia reparado no volume que crescia no meu abdômen. Fui a uma consulta de rotina e, investigando, o médico chegou ao meu tumor. Era malígno. ‘Por que comigo?’, lembro de pensar antes de começar a quimioterapia. Sou de Maringá [interior do Paraná] e, já no início do tratamento, deixei a escola e me mudei para São Paulo para ser atendida no Hospital Albert Einstein. Minha mãe foi junto.

Na sala da quimio, via muitas crianças com câncer, e essa era a visão que mais me afligia. A droga é muito forte e, quando eu começava a me recuperar do baque de uma sessão, já estava quase no dia da próxima. Mesmo assim, não demorou para que os médicos constatassem que não estava funcionando, e assim fui parar na fila do transplante. Eu, que não sabia muita coisa a respeito, achei um pouco estranho. ‘Um fígado de outra pessoa?’, pensei. Mas, se tinha que ser, tudo bem.

Nunca pensei em morrer. Só pensava em me curar, me curar, me curar. Mas, no dia da operação, depois da festa que fizemos quando o telefone tocou, fiquei com muito medo. Eu pegava na mão da minha mãe e chorava, assustada. Lembro de acordar depois de tudo ter acabado, na UTI, com a minha mãe ao meu lado. Na recuperação, eu ainda passaria por outras duas sessões de quimoterapia e, com sorte, estaria em casa a tempo da formatura no colégio -- como havia acompanhado as aulas à distância, consegui validar todas as matérias e passar de ano. Fui melhorando, melhorando, e deu certo! Em dezembro estava em Maringá, me formando ao lado dos meus amigos. Nas fotos, apareço com o cabelo ralinho. Me neguei a raspar a cabeça durante a quimio, mesmo que todos me aconselhassem a fazê-lo. Não sei por que, mas preferi ficar com os fios ralinhos, mas longos.

Hoje, tenho uma cicatriz e me dou bem com ela, sem essa de esconder quando uso biquíni. Vou tomar um remédio para o resto da minha vida e fazer balada sem álcool, essas são as condições. Penso demais na família do doador e, se um dia eu pudesse conhecê-la, ficaria muito, muito feliz. Eles salvaram a minha vida.”
"É UMA ESPERA DIFÍCIL"
Keli Bressan, 40 anos, a espera de um pulmão

“Conheço bem a emoção de receber a chamada para o transplante. Você se prepara, sai correndo de casa e fica eufórica porque vai receber seu novo órgão -- no meu caso, um pulmão, condenado por causa de uma fibrose. Mas não deu certo. Nas duas vezes em que recebi o telefonema da Central, houve complicações que impediram a cirurgia. Tive de segurar a frustração e continuar na fila, onde sou a primeira, mas não necessariamente a próxima a receber um órgão. Ele tem de ser do meu tamanho (sou grande, meço 1,78 m) e o doador precisa ter o sangue compatível com o meu.

Enquanto o dia não chega, ando por aí acompanhada de um cilindro de oxigênio, desses que parecem de mergulhador. O pessoal na rua para e pergunta pra que serve, e eu levo na esportiva. Moro em Santos [litoral de São Paulo] e gosto de passear com meu cachorro na orla, onde sou abordada com frequência. Também cozinho e cuido da minha casa e dos meus dois filhos adolescentes, mas parei de trabalhar por causa da doença. Desde que fui diagnosticada, em 2009, tenho dificuldade para respirar e fico muito cansada. A fibrose me deixa frágil, suscetível a qualquer infecção.

No grupo de pacientes que frequento, algumas pessoas já morreram na fila. Aconteceu com uma moça jovem, de quem eu havia ficado amiga. Isso mexeu muito comigo. A medida que o tempo passa, é como seu meu pulmão diminuísse. É uma espera difícil, mas eu não perco o bom humor. Sempre fui alto astral e vou continuar assim.”
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