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Quarta-feira, 17 de julho de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Hospital do RS estuda transtorno de identidade de gênero em crianças

Uma pesquisa sobre comportamento de gênero começa a ser realizada com crianças no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A ideia é trabalhar com meninos e meninas que se identificam com o sexo oposto ao do nascimento, um distúrbio conhecido como “disforia de gênero” e que pode causar grande sofrimento, como mostra a reportagem do Teledomingo (veja o vídeo).


Segundo os pesquisadores, o objetivo da pesquisa é evitar que as crianças venham a sofrer de depressão e de ansiedade no futuro. Problemas como esses são comuns nos adultos atendidos pelo programa de Transtorno de Identidade de Gênero do Hospital de Clínicas, considerado referência no país neste tipo de tratamento.

Renato Oliveira da Fonseca, 47 anos, é serigrafista. Nei Estevam Menezes, 49, funcionário público. Os dois se conhecem há cinco anos, tempo suficiente para reconhecerem que suas vidas tinham muito em comum. Eles nasceram mulheres, mas nunca se enxergaram assim.

“Tu não sabes o que está acontecendo contigo, tu tens um corpo e não é aquilo que tu pensas que tu és na verdade”, conta Nei. “Foi complicado por causa da família. A família não aceita. No começo não aceita”, complementa Renato.

Renato e Nei sofrem de disforia de gênero, um transtorno de identidade, que em muitos casos já começa a ser percebida na infância. Nei, por exemplo, conta que desde os cinco anos de idade sentia-se estranho no corpo feminino. “Eu não entendia o que estava acontecendo comigo na verdade, porque eu estava tendo um corpo que não condizia com aquilo que eu pensava”, diz ele.

“As pessoas acham que isso pode ser uma escolha ou que isso é uma deformação moral dos indivíduos. E na verdade a gente considera que, apesar das causas serem multifatoriais, a gente imagina que um grande fator seja biológico. A gente já nasce com esta vulnerabilidade”, explica a psiquiatra do Hospital de Clínicas, Maria Inês Rodrigues Lobato.

Para que o corpo seja mais parecido com o que desejam, muitos se lançam em busca pela transformação física, um processo lento, doloroso, marcado de preconceito e falta de informação. E o tratamento com hormônios nem sempre é suficiente. Também são necessárias cirurgias.

O Hospital de Clínicas é um dos quatro centros de referência capacitados para este tipo de atendimento em todo o país. O programa de Transtorno de Identidade de Gênero inclui o acompanhamento dos pacientes durante dois anos. Eles são monitorados por uma equipe com mais de 20 profissionais da medicina e da psicologia até terem certeza que a cirurgia de adequação do sexo é mesmo a melhor alternativa.

“Nós já fizemos mais de 150 cirurgias desde 2000. Já avaliamos mais de 400 pacientes. Portanto, nem todos os pacientes acabam evoluindo para o procedimento cirúrgico, porque desistem ou porque procuram outros serviços”, conta Maria Inês.

Para Renato, a decisão já está tomada há muito tempo. Há sete anos, ele espera para fazer a remoção das mamas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Ele vai me fazer eu me sentir bem melhor. Eu vou poder botar uma camisa só, não um monte de roupa, para poder sair na rua”, exemplifica. Nei desistiu de esperar e pagou pela cirurgia no ano passado. “É como renascer novamente. Nascer próximo daquilo que tu desejas ser. Uma realização”, descreve.

Rejeição ao próprio corpo começa na infância
É na infância, quando as características físicas masculinas e femininas ficam mais evidentes, que a rejeição com o próprio corpo aumenta. Muitos não conseguem entender o que estão sentindo, sofrem com o preconceito e com a falta de acolhimento na família. Por isso, sofrem mais também de depressão e de ansiedade.

Mas esses problemas podem ser evitados se a disforia de gênero for identificada ainda na infância. Por isso, a equipe de especialistas do Hospital de Clínicas começa uma pesquisa com crianças. O hospital está selecionando voluntários para o programa. Dois pacientes já estão fazendo o acompanhamento, que começa aos seis anos e deve seguir até a adolescência.

“Não significa que elas vão evoluir para uma disforia de gênero. Mas a gente sabe, os nossos pacientes trazem isso, as pesquisas mostram, que esta população sofre muito preconceito desde a infância, dificuldade da família de lidar com isso, das escolas, então a gente tem a ideia de trabalhar com prevenção”, conta a psicóloga Bianca Soll.

Renato e Nei também querem fazer a retirada completa do útero e dos ovários. Junto com a mastectomia, estes procedimentos passaram ser financiados pelo SUS através de uma portaria, lançada pelo Ministério da Saúde em novembro do ano passado. Mas o repasse de recursos, no caso dos transexuais masculinos, ainda espera autorização.

“A portaria de novembro de 2013 foi constituída para este fim, mas não está valendo ainda. Os documentos que o Hospital de Clínicas já preparou, o convênio foi enviado para a Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, que tem um caminho até a Secretaria do Estado até o Ministério da Saúde. Então, nós ainda estamos aguardando que os pacientes possam ser atendidos”, relata Maria Inês.

Para quem luta pelo direito a uma nova identidade de gênero, os recursos devem vir junto com conhecimento. E mais facilidade de acesso aos serviços. “É muito importante a cirurgia, faz com que a gente relaxe, consiga viver tranquilo, sair na rua, enfim, conseguir viver bem. E viver bem com a gente mesmo, que é o mais importante”, diz Nei.

A Secretaria de Saúde de Porto Alegre e o Ministério da Saúde informaram que as cirurgias de adequação de gênero de mulher para homem ainda são consideradas experimentais e por isso o dinheiro é liberado pelo governo federal apenas depois do procedimento.
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