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Sábado, 27 de julho de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Virologista britânico roda o mundo para ser mordido por parasitas, insetos e afins

Mike Leahy enfia boa parte da perna num ninho de formigas-lava-pés, deixa-se picar por um barbeiro (é, aquele barbeiro, o célebre transmissor da doença de Chagas), faz um corte na mão e a mergulha num balde com três piranhas vivas, recém-pescadas (e provavelmente não muito felizes).


Não são lá ações muito dignas para alguém com doutorado em virologia pela secular Universidade de Oxford, mas o resultado é inegavelmente divertido -- e instrutivo. Leahy é o apresentador da série de TV "Entre Picadas e Mordidas" e esteve no Brasil, onde se passa o primeiro episódio, para divulgar o trabalho. Ao G1, Leahy falou do incrível potencial biomédico das criaturas peçonhentas e disse que, por enquanto, ele não acha que é o caso de entrar em pânico por causa do vírus da nova gripe.

Nova gripe? Sim, já que as principais pesquisas desenvolvidas por Leahy quando ele ainda estava no meio acadêmico foram sobre os vírus influenza, causadores da gripe. "Eu acho que a ênfase no nome H1N1 confunde um pouco", diz ele. "Afinal, o H e o N se referem apenas às proteínas de superfície do vírus [a hemaglutinina e a neuraminidase, respectivamente]. Mas, para a gravidade da doença, importa mais o que está dentro do vírus. Por isso, eu tenho mais medo, no momento, do vírus da gripe aviária, o H5N1, que é capaz de matar uma proporção muito maior das suas vítimas do que o da nova gripe", avalia Leahy.

Para ele, a coisa ficaria realmente séria se uma cepa como o H5N1 adquirisse a capacidade de saltar facilmente de pessoa para pessoa, capacidade que o H1N1 já obteve, mas sem a mesma agressividade. "A verdade é que não dá para saber o que vai acontecer. Há muita incerteza, em especial quando se leva em conta quantas pessoas, no total, são infectadas pelo vírus e quantas desenvolvem sintomas. É muito difícil conseguir esse número", afirma.

A picada dos sonhos

Depois de rodar o planeta em busca de insetos, parasitas e animais peçonhentos, Leahy ainda está em busca da "picada dos sonhos"? Qual animal nojento fascinante ele ainda não encontrou? "Puxa, ninguém tinha me perguntando isso antes", ri ele.

"Para ser honesto, nunca tinha pensado nisso. Mas acho que eu adoraria ir ao Tibete, onde há uma convivência muito próxima entre cães, iaques [bovino típico do Himalaia] e humanos, e portanto todo tipo de parasitas fica circulando de um para outro. Em Papua-Nova Guiné, há o caso fascinante da Taenia asiatica, um verme que foi trazido pelos porcos criados pelos indonésios e começou a causar mortes misteriosas por queimaduras. Ele atacava o cérebro das pessoas e elas desmaiavam, caindo nas fogueiras", conta. "E há também uma cobra australiana do deserto, fantástica, até hoje descrita com base num único exemplar, e portanto muito rara. Adoraria procurá-la, até porque ela pode ser a mais venenosa do mundo e sua peçonha pode ter grande importância médica", diz Leahy.

Apesar das gracinhas nos programas -- uma das cenas impagáveis no Brasil envolve o virologista demonstrando mordidas de uma piranha numa folha de árvore e dizendo que o bicho "seria um excelente acessório para escritórios --, Leahy fica um bocado sério ao abordar o potencial biomédico de peçonhas naturais. "Um caramujo venenoso, por exemplo, pode se tornar a base para uma forma de analgésico muito mais poderoso que a morfina, mas que não causa dependência", conta. "No fundo, mesmo com a atual biotecnologia, tudo o que nós biólogos podemos fazer é copiar a natureza. Por isso é importante conhecer essas criaturas e as substâncias que produzem."

Em muitos casos, no entanto, o conhecimento sobre como usar essas substâncias está nas mãos de tribos e outras comunidades tradicionais do planeta. "O conhecimento deles é real, não tenho a menor dúvida disso", diz Leahy. O grande problema é como transformar essa sabedoria tradicional em remédios que possam ser encontrados em qualquer farmácia e, ao mesmo tempo, fazer os benefícios voltarem para essas populações.

"O grande problema é como a lei de patentes está estruturada. E, ao mesmo tempo, como é que você vai patentear esse conhecimento tradicional? Se as empresas farmacêuticas não tiverem a garantia de que vão lucrar com a patente, simplesmente não vão investir no desenvolvimento de drogas. É algo difícil de resolver. Mas eu acho que as empresas têm pelo menos a responsabilidade de devolver algo a essas comunidades", diz Leahy, cujo site apoia a ONG Survival International, dedicada a proteger populações tradicionais no mundo todo.

Estudar parasitas e insetos exóticos costuma ser considerado uma maneira importante de se prevenir contras as epidemias do futuro. "Não há dúvida de que as pandemias costumam vir das áreas tropicais, mas é importante lembrar que, muitas vezes, os cientistas destacam isso como forma de chamar a atenção para as doenças negligenciadas nos países pobres", diz Leahy. "Não é 100% sincero, mas não vejo nada de errado com isso, porque infelizmente os países desenvolvidos só prestam atenção nessas doenças se tiverem medo de que elas os afetem também", avalia.
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