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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

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Cientistas buscam identificar raízes genéticas de doenças

A busca das raízes genéticas de doenças comuns esbarrou em uma muralha nos últimos anos. As variantes genéticas encontradas até agora respondem, na maioria dos casos, por apenas uma pequena fração do risco genético encontrado nas doenças que são forte causa de morte. Assim, onde se pode identificar o traço hereditário perdido, e por que ele não foi revelado ainda?


Um geneticista da Universidade Duke sugere que o método padronizado de busca de genes apresenta uma falha teórica, e que o processo deveria ser conduzido de maneira diferente. O propósito do projeto de US$ 3 bilhões para a decodificação do genoma humano, concluído em 2003, era descobrir as raízes genéticas de doenças humanas comuns como diabetes, câncer e Mal de Alzheimer. Trata-se de doenças definidas como complexas, o que significa que seja provável que diversos genes alterados estejam implicados no desenvolvimento de cada uma delas.

Uma das teorias dominantes nesse campo vem sendo há muito a de que algumas das variantes de genes se tornaram comuns na população porque essas doenças surgem tarde na vida, depois que uma pessoa já teve filhos. Os maus genes não seriam eliminados pelo processo de seleção natural, em pessoas dessa faixa de idade, como seria o caso para doenças que se manifestassem antes da idade de procriação.

Assim, para identificar os genes causadores de doenças, prosseguia esse raciocínio, não seria necessário decodificar todo o genoma de cada pacientes - bastaria observar alguns poucos locais do DNA nos quais variações genéticas são comuns, ou seja, estão presentes em pelo menos 1% da população.

Esses locais que concentram variações comuns são conhecidos como polimorfismos de nucleotídeos únicos, ou SNPs, um termo que os cientistas costumam pronunciar como "snips", e as empresas de biotecnologia desenvolveram engenhosos aparelhos que reconhecem até 500 mil snips simultaneamente. As placas SNP tornaram possíveis estudos de associação com alcance de genoma completo, nos quais os genomas de muitos pacientes são comparados aos de pessoais saudáveis cujos snips apresentem correlação com a doença em questão.

As placas SNP funcionaram bem, os estudos foram conduzidos com cuidado, embora a custo muito elevado, e cerca de dois mil snips associados a doenças de origem genética foram identificados por grupos universitários de pesquisa nos Estados Unidos e na Europa.

Mas esse imenso volume de trabalho não apresentou resultados monumentais. Em cada uma das doenças analisadas, com poucas exceções, os snips respondiam por uma porcentagem modesta do risco genético. Uma segunda característica intrigante era a de que muitos dos snips relacionados a doenças não ocorriam na porção do DNA que codifica os genes, mas sim nas chamadas "lixeiras" do genoma. Os biólogos especulavam que esses snips talvez desempenhem um papel ainda indefinido ao perturbar a regulação dos genes vizinhos.

Em artigo publicado esta semana pela revista PLoS Biology, David Goldstein, geneticista da Universidade Duke, e seus colegas propuseram uma nova explicação para ambas as constatações.

Eles argumentam que a ideia de doença comum-variante comum é em larga medida incorreta: a seleção natural na verdade se saiu bem melhor que o esperado na eliminação de variantes portadoras de doenças, em cada população. O que deriva disso é que o fardo principal de uma doença é portado por uma multidão de variantes raras, no caso raras demais para que tenham sido programadas nas placas SNP usadas em estudos.

Por que, então, os estudos associativos de genoma completo vincularam alguns snips a doenças, se na verdade são as variantes raras que as causam?

Na opinião de Goldstein, os snips poderiam simplesmente estar agindo como se fossem marcadores substitutos das variantes raras. Até o momento, os geneticistas presumiam que um snip vinculado a uma doença representasse ou causa da doença ou marcador para uma variante dessa doença localizada nas imediações.

Mas a equipe de Goldstein calculou que as variantes raras associadas a um snip podem ocorrer a uma distância de até dois milhões de unidades de DNA do ponto de manifestação. Isso significa que os snips associados a doenças não apontam necessariamente para algo de útil, e que é perigoso presumir que o gene mais próximo a eles seja a causa de uma doença. Se os snips representam, na realidade, marcadores bastante indiretos de doenças, isso explicaria porque tantos deles aparecem na porção "lixeira" do DNA.

Mas por que os snips terminam implicados nos estudos de genoma amplo se de fato são as variantes raras que causam doenças? A maioria dos snips são muito antigos, o que explica que se tenham tornado comuns, enquanto as variantes raras causadoras de doenças são em geral recentes, porque a seleção natural as remove constantemente.

Depois que um snip é criado, parte da população se torna portadora dele e o restante continua a apresentar a unidade padrão de DNA naquela posição de seu genoma.

Quando as variantes raras causadoras de doenças se acumulam, muito mais tarde, Goldstein sugere, parte delas estarão em trechos do ADN que contém o snip, e outras em trechos do ADN com a unidade padrão. Porque essa alocação é aleatória, mais variantes raras estarão presentes no ADN com snip, em certos casos, e o snip parecerá estar estatisticamente associado à doença mesmo que não seja esse o caso real.

A associação não é exatamente espúria - Goldstein a define como "sintética" -, mas é indireta, e a tal ponto que torna muitos dos snips inúteis para a identificação de genes causadores de doenças. Os geneticistas estavam cientes há muito dessa possibilidade, mas a equipe de Goldstein demonstrou teoricamente que era possível que isso ocorresse mais frequentemente do que se espera. Ele também examinou a questão de forma reversa, ao conduzir um estudo de associação genômica ampla sobre a anemia falciforme.

Ainda que se saiba que a doença é causada por uma variante de um único gene, os geneticistas da Duke encontraram uma associação estatística significativa com 179 snips, espalhados por um trecho de DNA de 2,5 milhões de unidades de comprimento e contendo dezenas de genes. A maioria desses snips estavam claramente apontando para a coisa errada.

Os estudos associativos de genoma amplo, conduzidos com centenas de pacientes, podem custar cada qual US$ 10 milhões ou mais. Ainda que esses estudos possam ter conduzido pesquisadores a muitos becos sem saída, conduzi-los não representa desperdício ou erro, na opinião de Goldstein.

"Creio que a maioria das pessoas hoje considere os estudos associativos amplos como algo que tínhamos claramente de fazer, e fizemos", afirma. "É justo dizer que, para muitas doenças comuns, nada de muito importante foi descoberto, mas esses estudos nos informaram o que fazer a seguir".

O próximo passo, em sua opinião, é sequenciar, ou decodificar, genomas completos de pacientes e buscar mutações prováveis nos genes em si. O custo de sequenciamento de um genoma individual está despencando, nos últimos anos, e agora pode ser possível sequenciar grande número de pacientes.

Encontrar até mesmo algumas poucas das variantes raras que causam doenças poderia indicar genes que sirvam de alvo favorável, para os fabricantes de remédios. Os snips estatisticamente vinculados a doenças em geral fracassaram em apontar os genes corretos, mas as variantes raras talvez o façam, ele afirma.

A deCODE genetics, uma empresa islandesa de estudo de genes que saiu de uma concordata na semana passada, lidera há muito a detecção de snips associados a doenças comuns. Kari Stefansson, fundador e diretor de pesquisa do grupo, concorda em que o sequenciamento do genoma completo "nos daria muitos dados bastante inspiradores".

Mas ele contesta a opinião de Goldstein no sentido de que as variantes raras portam a maioria dos traços hereditários ainda desconhecidos. Tanto sua empresa quanto cientistas do Broad Institute, em Cambridge, Massachusetts, sequenciaram regiões de genoma que cercam os snips, em busca de variantes raras, mas identificaram poucas, disse Stefansson. "Podemos especular até cansar", disse, "mas o fato é que nada substitui os dados concretos".
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