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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

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'É importante para um escritor lutar por alguma coisa', diz Rushdie

Com o auditório da Tenda dos Autores lotada na noite desta sexta-feira (6), a mesa ‘Em nome do filho’ trouxe mais uma vez à Flip o escritor Salman Rushdie, numa palestra mediada pelo jornalista Silio Boccanera.


Vencedor do Booker Prize com o romance “Os filhos da meia-noite”, Rushdie alcançou fama planetária por motivos não estritamente literários, com a sentença de morte provocada pelo lançamento de "Os versos satânicos", que ofendeu os aiatolás do Irã, em 1989. Hoje com uma vida menos reclusa, o escritor voltou a dedicar mais tempo à literatura - está fazendo na FLIP o lançamento de “Luka e o fogo da vida”, um livro dedicado ao público infanto-juvenil, gênero no qual já tinha lançado “Haroun e o mar de histórias”.

Com alguns quilos a mais (e fios de cabelo a menos) desde a sua última visita a Paraty, Rushdie leu um trecho da nova obra, que inclui tapetes voadores e bichos falantes: “O livro é sobre um garoto que precisa salvar a vida do pai, e para isso parte em busca do fogo da vida”.

Depois da leitura, o escritor chamou o filho, Milan, para subir brevemente ao palco e explicou que o garoto foi o grande responsável pela existência de “Luka e o fogo da vida”, lembrando que grandes clássicos da literatura infanto-juvenil foram escritos para uma criança específica, a começar por "Alice", dedicado por Lewis Carroll à menina Alice Lidell.

Inclinação satírica
“Quando se é um escritor de inclinação satírica, como eu, é muito mais fácil apontar aquilo de que você não gosta no mundo. Mas é importante para um escritor lutar por alguma coisa, e não apenas contra.”, declarou Rushdie, que revelou estar escrevendo um livro sobre o episódio da sua condenação. “Na verdade eu passei boa parte da minha vida de escritor refletindo sobre o fanatismo, mesmo antes de ‘Os versos satânicos’. E já acompanhava o crescimento do extremismo fundamentalista antes de ele se voltar contra mim.”

Perguntado sobre por que escolheu morar em Nova York, Rushdie respondeu que simplesmente gosta da cidade, apesar de estranhar algumas características dos americanos. “O que mais me impressiona nos Estados Unidos é ser um país extremamente religioso. Se eu disser, diante de uma platéia como esta, que não sou um homem religioso, a reação das pessoas será de choque”.

Ainda sobre a religião, o escritor declarou que “quando os deuses morrem, eles se tornam mais interessantes, porque se transformam em mitos, em histórias, em narrativas fascinantes.Pense na mitologia grega. Os deuses das religiões dos extremistas de hoje ainda estão vivos. Seria bom que esses deuses morressem, para se transformarem em narrativas, e pessoas pararem de morrer em seu nome”.

Voltando à política, Boccanera perguntou como o escritor se sentia em relação a críticos que o acusam de ser de direita, como Terry Eagleton, “que pode estar presente na plateia [já que é um dos convidados da FLIP]”. “É claro que ele não está aqui!”, Rushdie interrompeu. “É um 'chicken' [covarde], que já me fez várias acusações ofensivas e mentirosas, como dizer que me aliei a Bush e aos neoconservadores na América. Creio que o trabalho do escritor é enxergar as coisas com clareza, e escrever aquilo em que acredita. É claro que isso desagrada a muita gente”.

Sobre a Índia, Rushdie afirmou que o país está muito diferente de 30 anos atrás, quando escreveu “Os filhos da meia-noite”, mas que continua se considerando profundamente indiano, embora sempre tenha escrito em inglês.

Machado, Borges, Márquez
O escritor citou como influências literárias Jorge Luis Borges (“Ninguém me preparou para ele, então seu impacto foi imenso”), Gabriel García Márquez e o realismo mágico e mesmo Machado de Assis - Rushdie escreveu a introdução de uma edição em inglês de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, publicado com o péssimo título de "Epitaph for a small winner".

Sobre os cursos de creative writting (escrita criativa), tão populares nos Estados Unidos, Rushdie se mostrou reticente: “É possível ensinar a técnica que aprimorará um talento natural, mas não se pode ensinar a olhar ou a ouvir o mundo de uma forma interessante, porque isso é um dom”.

Sobre o tema recorrente da morte do livro, Rushdie declarou que o momento é de "mudanças constantes". “O livro impresso tem muitas vantagens. Não gasta energia, não trava, pode ser lido em qualquer lugar etc. É uma tecnologia extremamente durável, capaz de resistir a muitos ataques da tecnologia”.

Final de semana
A maratona literária da Flip continua neste final de semana. No sábado (7), às 10h o escritor britânico Terry Eagleton fala sobre teoria da fé. Às 12h, William Kennedy e Colum McCann discutem como vivem as comunidades irlandesas em Nova York.

Os poetas Antonio Cícero, Ferreira Gullar e Eucanaã Ferraz farão um tributo a Carlos Drummond Andrade às 15h. Gullar voltará às 17h15 para falar de seu novo livro, "Em alguma parte alguma". O esperado bate-papo fecha a programação do sábado com os quadrinistas Robert Cramb e Gilbert Shelton - duas das principais atrações da FLIP está marcada para às 19h30.

No domingo (8), último dia da Flip, a programação começa às 11h45, com os escritores José de Souza Martins, Peter Burke e Hermano Vianna analisando o legado de Gilberto Freyre. Às 14h30, a cubana Wendy Guerra e a chilena Carola Saavedra falam de diários e relatos pessoais.

A obra de Clarice Lispector será o tema de conversa entre o escritor Benjamin Moser e tradutor alemão Berthold Zilly. A Flip chegará ao fim às 18h15, com convidados especiais lendo seus trechos preferidos de livro.

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