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Segunda-feira, 22 de julho de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Funcionarios do CAPS Verdão se mudam para Centro Comunitário por causa do caos no atendimento

A situação precária no atendimento de em saúde em Cuiabá já é do conhecimento de todos. O que pouca gente sabe é que no atendimento a pessoas com portadores de transtornos mentais e dependentes químicos de drogas, o cenário é ainda mais alarmante. Uma crise sem precedentes está deixando centenas de pessoas em todo o Estado sem atendimento adequado, piorando quadros de saúde como depressão, esquizofrenia e dependência química.


O atendimento a estas pessoas pacientes é feito nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), dispositivos de saúde do SUS para atender pessoas com transtorno mental e usuários de álcool e outras drogas em um sistema de atenção diária. Ao todo, são cinco sete unidades em Cuiabá: o CAPSad Adauto Botelho e CAPSi III são de responsabilidade do Estado; já os CAPS Verdão, CPA IV e o CAPSad Adolescer, para atendimento infanto juvenil e infantil, são administrados pelo Município; em Várzea Grande, são três unidades, todas de responsabilidade da Prefeitura.

Com problemas como paredes mofadas, rachaduras, fiação elétrica exposta etc., as unidades estão atendendo cada vez mais precariamente. O caso mais grave é o do CAPS II, ou CAPS Verdão, localizado no bairro de mesmo nome. As deficiências estruturais devido à falta de manutenção obrigaram a se suspender oficinas terapêuticas, acompanhamentos e acolhimentos de novos pacientes desde maio. A situação prejudicou até mesmo as consultas médicas, que estão sendo feitas somente para repetir a receita. A unidade atende a 160 pacientes.

Um dos exemplos da precariedade das instalações é a caixa d’água do CAPS Verdão, onde a Vigilância Sanitária chegou a encontrar fezes de ratos. “Limparam e ficaram de ver o que podia ser feito, mas até hoje a caixa está sem tampa. Um dia eu estava aplicando uma medicação quando caiu uma gota da caixa d’ água em vazamento no meu ombro”, diz a técnica em enfermagem, Mariana Mesquita Marinho.

A situação foi denunciada ao Ministério Público, que instaurou um inquérito civil e encaminhou notificação dando 150 dias para que a Prefeitura resolva a situação. No documento, assinado pelo promotor de justiça Alexandre Guedes e com data de 18 de agosto de 2011, é determinada a investigação da situação do prédio para as devidas providências.

A gerente do CAPS Verdão, Pâmela Gonçalves, reclama que a produtividade caiu em 80% e que a falta das oficinas terapêuticas obrigou a aumentar a prescrição de medicamentos para a ansiedade, de cerca de mil para três mil comprimidos/mês, interferindo perigosamente no sucesso dos tratamentos. “O atendimento em saúde mental visa reestruturar aquele que está desorganizado. Se você não tem o mínimo de condições para auxiliar ele nessa reestruturação, a pessoa se perde, acaba mergulhando num abismo dentro de si mesma, e se desorganizando cada vez mais”, alerta ela. “Se continuarmos nesse processo, vai haver cada vez mais gente doente".

Num ato de protesto, e para que minimamente possam continuar mesmo de forma precária não deixar de atender estas pessoas os funcionários do CAPS Verdão resolveram transferir temporariamente o atendimento para a associação de moradores do bairro Jardim Independência, pois continuar na casa onde funciona o CAPS hoje representa risco de vida para a equipe e para as pessoas atendidas. A ação tem o apoio do Fórum Intersetorial de Saúde Mental, que reúne psicólogos, médicos, psiquiatras, professores e estudantes, usuários dos serviços de saúde e professores e estudantes do curso de Psicologia da UFMT, Conselho Regional de Psicologia e simpatizantes da causa. Eles também estão procurando imóveis de propriedade da Prefeitura que estejam desocupados, e reclamam da dificuldade em negociar aluguéis de prédios em nome da administração municipal, que tem fama de má pagadora.

Segundo informações os manifestantes e de acordo com o entendimento do MP, não faltam recursos para a saúde mental. Na notificação do MP à Prefeitura, é apontada a necessidade de “...adoção de uma gestão adequada dos recursos reservados à saúde, que estão alocados no Fundo Municipal de Saúde, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde (SMS)”. O documento acrescenta: “Ademais, o Município de Cuiabá atua em gestão plena em relação aos recursos oriundos do Ministério da Saúde...”.

Segundo o fórum, cada unidade dos CAPS deveria recebe em média R$ 34 mil mensais para manutenção, recurso advindo do Ministério da Saúde especificamente para os CAPS, transferido de fundo a fundo, e mais R$ 2 mil mensais do Governo Estadual, mas a aplicação destes recursos não acontece nem em Cuiabá nem em Várzea Grande, onde sequer há psiquiatra para as três unidades de tratamento. Na unidade de atendimento infantil (CAPSI), além do psiquiatra, faltam também preparador físico e assistente social.

O presidente da Associação Mato-grossense de Usuários, Familiares e Parceiros da Saúde Mental, Julhinho José da Silva, diz que a situação se arrasta há muito tempo, mas piorou sob a administração do Secretário Antônio Pires. A entidade reúne 300 usuários e familiares. “O prefeito e o secretário jogam a responsabilidade um para o outro. É muito triste ver os pacientes reclamando e não ter uma posição da autoridade competente”.

Pano de fundo

A situação caótica que se instalou na estrutura de atendimento em saúde mental no Estado tem como pano de fundo a falta de uma política estadual de saúde mental, afirma o Fórum. Atitudes como a compra de leitos em comunidades unidades terapêuticas em vez da abertura de leitos em hospitais gerais para pacientes deste tipo, e a ênfase no tratamento baseado somente em internação e medicação são consideradas equívocos e retrocessos. “O Governo Estadual Federal não assumiu a gestão da saúde mental e não tem política definida para isso. Isso é muito preocupante, pois, além de tudo, prejudica os doentes das camadas mais pobres da população”, lamenta Daniela Bezerra, membro do Fórum.

Em Cuiabá, mais um agravante é a falta de um comando único nos serviços de saúde mental(CAPS), os quais deveriam estar sob gestão do município e, assim, facilitar o acompanhamento efetivo destes serviços, pois a execução é papel do município, afirmam membros do Fórum.

A entidade reclama da falta de consideração por parte dos municipais, estaduais e nacionais. Eles denunciam o sucateamento progressivo de todos os serviços públicos de saúde, e a implantação de Organizações Sociais (OS) como modelo de gestão, atitudes que “Estamos diante de dias bem difíceis e de longos embates pela defesa do SUS, através da Lei 8080/1990, que entendemos ter sido uma conquista da sociedade pelo acesso à saúde, assim como o Movimento de Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica, que prevê a criação dos serviços substitutivos (CAPS) para tratamento de pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool e outras drogas”, declara Zeni Luersen, membro do Fórum.

Para ela, Cuiabá precisa de mais CAPS, cujo número está bem abaixo do recomendado pelo Ministério da Saúde. “E, no entanto, temos de conviver com a situação de abandono dos já existentes. Isso é muito difícil para quem sabe da importância e a efetividade de ação que estes serviços têm para quem é atendido. Este é um entendimento técnico que gostaríamos muito que fosse ouvido e respeitado pelos nossos gestores”.
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