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Sábado, 27 de julho de 2024

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Campeão de 'tudo', Belletti nega ter apenas estrela: 'Eu trabalhei muito'

Belletti nunca foi um astro do futebol. Muitas vezes teve de lidar com críticas de quem achava que ele não estava à altura das equipes que defendia. Até hoje ouve isso. No entanto, nunca se abateu. O garoto que começou como goleiro de futebol de salão persistiu e se aposentou neste ano como um dos jogadores mais vitoriosos de sua geração. Sem exagero nenhum. Afinal, não são muitos os profissionais que têm conquistas de Copa do Mundo e de Liga dos Campeões da Europa - nesta, com direito a gol na final.


- Uma pessoa comum conseguir um sucesso incomum incomoda. Não sou um jogador que teve estrela. Busquei os acontecimentos na minha vida - disse Belletti, em entrevista concedida ao GLOBOESPORTE.COM na última quinta-feira, no condomínio onde mora, na Zona Sul de São Paulo.

Juliano Haus Belletti nasceu no dia 20 de junho de 1976, em Cascavel, no Paraná. Começou no futsal, debaixo das traves, mas, aos 15 anos, cansou de levar boladas e foi fazer um teste no Cruzeiro. Como meia. Acabou selecionado. Daí em diante, a carreira decolou. Com apenas 19 anos, foi convocado para a Seleção Brasileira pela primeira vez, por Zagallo.

Depois, atuou no São Paulo, Atlético-MG, Villarreal, Barcelona, Chelsea e Fluminense. Chegou a assinar com o Ceará para a disputa do Brasileirão 2011, mas as dores no tendão de Aquiles não permitiram. Ele foi obrigado a pendurar as chuteiras. Ficaram as recordações e a certeza do dever cumprido.

A seguir, os melhores momentos do papo com Belletti.

Globoesporte.com - Em junho de 2011, você resolveu parar de jogar logo após assinar contrato com o Ceará. Por que a decisão?

Belletti - Parei porque sinto muita dor no tendão de Aquiles (direito). No meu primeiro treino no Ceará, eu senti que não conseguiria. Por isso, resolvi rescindir. Não queria jogar uma partida e passar o resto do tempo afastado. Até hoje sinto muita dor. Mesmo caminhando ou brincando com meus filhos.

O momento de parar sempre é complicado para o jogador. Como você se preparou para isso?

É duro largar algo ao qual você se dedicou desde a infância. O jogador acha que vai estar preparado para parar, mas ninguém está.

Sente saudade da bola?

Muita. Principalmente quando vejo um jogo da Premier League (campeonato inglês) pela televisão.

Por que o Campeonato Inglês?

Passei três anos no Chelsea (2007 a 2010). É a melhor competição que existe para se jogar. A estrutura dos clubes, dos estádios, o nível dos times, o comportamento da torcida. Nessa hora, bate um arrependimento por ter parado, mas logo volta a lembrança da dor no tendão, e eu percebo que não dava mais mesmo.

Qual o balanço que você faz de sua carreira? Imaginava que fosse jogar por times tão importantes e conquistar Copa do Mundo, Liga dos Campeões?

Nunca na minha infância, quando era goleiro de futsal, imaginei que iria conseguir o que consegui. Foram 22 títulos ao longo da carreira. Tudo na base do trabalho. Não tem segredo. Não consegui sozinho, os times me ajudaram bastante. Mas foi fundamental acreditar que conseguiria vencer.

Você se considera um jogador que teve estrela?

Não. Eu me considero uma pessoa que buscou tudo o que aconteceu de bom na sua vida. Desde o tempo em que disputava olimpíada de colégio, eu já tinha a gana de vencer. Sempre trabalhei para ganhar. Queria vencer a mim mesmo.

Você nunca foi considerado um astro dos times que passou. Na verdade, encarou muitas críticas. Como você lidava com isso?

Uma pessoa comum conseguir um sucesso incomum incomoda. As pessoas se acham melhores e acham que têm mais capacidade do que você. Só que eu trabalhei muito. As criticas sempre vieram, mas foram meu combustível. Aliás, sou criticado até hoje, mesmo depois de ter parado. Questionam como eu ganhei tantas coisas superando jogadores melhores do que eu e que não conseguiram os títulos que eu consegui. A única resposta que posso dar é que trabalhei muito. Cheguei à Seleção com 19 anos, só um ano depois de me tornar profissional no Cruzeiro. Em 2000, seis meses depois de virar lateral-direito (no São Paulo), eu já estava sendo convocado de novo. Não foi por acaso. Alguma qualidade eu tinha, não?

Essas críticas ainda o incomodam?

Quando eu era mais jovem, sofria. Depois, com a idade, você vai absorvendo melhor. Quando se é jogador de futebol, um esporte que lida com muita paixão, é preciso se acostumar.

Você fez amigos no futebol?

Fazer amizade no mundo do futebol é muito difícil. Você tem companheiros do dia a dia, com os quais mantém boa relação, mas, quando deixa o clube, acaba. Até hoje mantenho contatos no Barcelona e no Chelsea. Falo com o Drobga, Victor Valdés, Puyol, Messi, Deco. Mas é muito pouco. Infelizmente, o futebol não oferece chance de amizade. Até porque o bom ambiente no vestiário depende muito do resultado no campo. E a pressão por precisar vencer o tempo todo, atrapalha a convivência no dia a dia.

Não deu para fazer nenhuma amizade mais duradoura?

O melhor amigo que fiz no futebol é o Victor Valdés (goleiro do Barcelona). Na TV, ele passa uma imagem de cara bravo, mas é brincalhão, gosta das mesmas coisas que eu, nossas famílias se frequentavam. É um cara que é do estilo gladiador. Antes do jogo, ele sempre age como se estivesse indo para o Coliseu de Roma, para uma batalha. Enrola a cabeça na cabeça numa toalha, fica num canto, fala sozinho. É um guerreiro, mas é um cara do bem. Estamos sempre em contato.

Qual foi o melhor dia da sua carreira?

O da final da Champions League de 2006, sem dúvida (17 de maio de 2006). Eu era lateral-direito. E um lateral nunca sonha em fazer o gol do título. Mas aconteceu. Não foi por acaso. Controlar a bola com o pé esquerdo, em velocidade, e chutar com a direita em diagonal... Isso eu consegui com muito treino. Foi um momento muito marcante.

Depois do Barcelona, você foi jogar no Chelsea. Em 2008, teve a chance de reencontrar Luiz Felipe Scolari, com quem tinha vencido a Copa do Mundo de 2002. O que houve com ele na Inglaterra? Por que não deu certo?

Na Seleção, havia a Família Scolari. Foi algo que o Felipão conseguiu fazer muito bem: reunir tantos craques sem haver nenhum problema de vaidade, de trairagem, ciúmes. Isso fez com que o Brasil fosse campeão. No Chelsea, ele tentou fazer isso. Mas não é tão fácil lidar com jogadores de diferentes nacionalidades e personalidades tão distintas. E eu sei o quanto ele lutou para controlar isso. Chegou muito bem ao Chelsea, quebrando o recorde de vitórias seguidas fora de casa. Mas, em função dos resultados, ele saiu. Mesmo assim, conseguiu respeito dos torcedores, da imprensa.

Não houve um boicote contra o trabalho dele por parte de alguns jogadores?

Isso não aconteceu. O que houve foi falta de resultados. Pela primeira vez em cinco anos, o Chelsea perdeu um jogo em seu estádio, o Stamford Bridge. Além disso, não conseguiu vencer nenhum clássico. Perdemos para Liverpool, Arsenal e Manchester. Perdemos pontos em casa para pequenos. E veio a pressão.

Circulou a informação que Drogba teria liderado um motim...

Nunca aconteceu nada disso. É que é impossível para um treinador manter relação muito boa com todos os jogadores. Ele só pode escalar 11. E quem não joga, na maioria das vezes, fica insatisfeito. Mas nada que houvesse algo pessoal contra um ou outro jogador. O Felipão sempre foi muito honesto.

Jogador derruba técnico?

Um ou dois eu acho que não. Agora, se juntar muitos jogadores, mais da metade do elenco, acredito ser possível. Só que é muito difícil um treinador comprar briga com quase todo o time. Para que o técnico caia, de qualquer maneira, é preciso que se tenha algo concreto, com fatos, evidências de que ele não tem o controle do grupo.

Você já presenciou isso?

Nunca, mas pela experiência que tenho no futebol creio ser possível. A gente ouve falar algumas coisas, mas sem prova não dá para comentar.

Há “trairagem” no futebol?

Assim como existe trairagem no futebol, existe também em outras atividades. Tem advogados falsos, médicos falsos, profissionais da imprensa falsos. É algo universal. Uma coisa que aprendi ao longo da carreira é tratar as pessoas com respeito. É a melhor maneira de ser respeitado.

Mas você já sofreu alguma “trairagem”?

Se eu sofri trairagem, não sei. Não lembro. De qualquer maneira, não guardo rancor.

Em 2010, você voltou para o Brasil, após oito anos de Europa, contratado pelo Fluminense, que foi bastante criticado por Muricy Ramalho. Segundo o técnico, o clube tem uma estrutura deficiente. Sentiu um baque?

É claro que as estruturas são bem diferentes. Na Europa, se usa centros de treinamento. O Fluminense até hoje treina nas Laranjeiras. Mas eu realmente acho que eles não precisam de um CT. O estádio das Laranjeiras, com algumas poucas melhorias, funciona muito bem. Eu acho que nada disso (falta de estrutura) pesa muito na performance do jogador. Nós nos adaptamos. A diferença é muito grande, mas não me atrapalhou em nada. Além do mais, fomos campeões brasileiros trabalhando nos parâmetros das Laranjeiras. O Muricy, que é um treinador excepcional, sabia lidar com as limitações. A gente treinava na praia, nas academias da cidade. Deu para fazer um bom trabalho.

Mas o próprio Muricy saiu criticando muito a estrutura do Fluminense...

Muito se comentou a respeito da saída do Muricy. De que teria acontecido em função da falta de estrutura. Não é verdade. Ele não iria sair só por causa disso. Acredito que houve outras coisas, mas não sei exatamente o quê. Mas o Fluminense foi campeão. Ou seja, o Muricy soube lidar com isso. Não é a melhor estrutura do Mundo, mas também não é a pior.

Dois de seus companheiros de Barcelona voltaram ao Brasil. O Ronaldinho Gaúcho está bem no Flamengo. Já o Deco não consegue se firmar no Fluminense. Que análise você faz do retorno dos dois?

Para mim, foi uma grande surpresa o Ronaldinho ter voltado. Eu acreditava que ele ainda pudesse permanecer na Europa e ser o melhor do mundo de novo. Mesmo assim, fiquei feliz com sua volta. Acho que o Ronaldinho estava mesmo precisando de um pouco de “Brasil”. Ele conquistou tudo o que é possível jogando fora. De repente, seria legal para ele ser campeão brasileiro, ser destaque aqui. E voltar para casa sempre é prazeroso.

E o Deco?

Dentro de campo, o Deco é feliz. O problema é se ele está sofrendo muito com lesões. A coisa mais difícil para um jogador é admitir que está machucado. Por mais que ele sinta dor, como aconteceu comigo, sempre acha que dá para jogar, que já vai passar. Torço muito pelo Deco e espero que ele se recupere de uma vez, pois é muito bom ver um cara com a qualidade dele jogando aqui.

Como está a vida de aposentado?

Ainda estou me adaptando. É difícil se desligar. A gente para de jogar com 35 anos e percebe que ainda tem uma vida inteira pela frente. Por enquanto, a vida está me levando para caminhos que nunca imaginei trilhar. Estou abrindo uma academia e também estou com uma coluna de esportes em uma revista segmentada. Mas espero me ligar novamente ao futebol. Até porque jogador não sabe fazer outra coisa. No fim do ano, vou fazer curso de técnico e espero, no futuro, seguir por aí.
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