Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de julho de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Cremesp diz que Ato Médico virou 'lei inútil' e quer lutar para derrubar vetos

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), Renato Azevedo Júnior, disse que a decisão da presidente Dilma Rousseff de vetar parte da lei que define o exercício da medicina no país, o chamado Ato Médico, fez com que a legislação se tornasse "inútil" e "sem sentido".


Em entrevista ao G1, Azevedo Júnior afirmou ter recebido uma ligação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na noite de quarta-feira (10) em que foi informado sobre os vetos. "Eu disse para o ministro Padilha que nós entendíamos que era melhor haver o veto da lei inteira, para que pudéssemos rediscuti-la. Esses vetos [parciais] descaracterizam totalmente a lei", avaliou o presidente do conselho.

"É uma lei que regulamenta a medicina, mas que não tem o principal ato privativo do médico", comentou, referindo-se ao veto ao trecho que definia como atividade exclusiva dos médicos formular diagnósticos e prescrever tratamentos.

"Mesmo ela [a presidente] tendo vetado o diagnóstico noseológico, ela manteve o parágrafo da lei que define o que é esse diagnóstico. Então ficou sem pé nem cabeça", lamentou.

Derrubar os vetos
Azevedo Júnior disse que o Cremesp vai lutar "com todas as forças" para derrubar os vetos no Congresso Nacional, que tem 30 dias para analisar os pontos suprimidos da lei antes que ela seja promulgada.

"Vamos nos mobilizar para derrubar os vetos, vamos levar isso para o Congresso Nacional", assinalou o presidente do Cremesp.

"O veto representa um total senso de falta de democracia [do governo federal]", criticou ele. "Há um desrespeito aos médicos, à medicina e ao Congresso Nacional", acrescentou.

Dez vetos
O texto do Ato Médico, publicado nesta quinta-feira (11) no Diário Oficial da União, foi publicado com dez vetos da presidente Dilma a pontos que causaram polêmica com outras categorias profissionais, como enfermeiros e nutricionistas.

Só o quarto artigo da lei, que define atividades que seriam reservadas aos médicos, teve nove trechos vetados.

Um dos pontos mais polêmicos, que definia ser prerrogativa dos médicos a formulação do diagnóstico e a respectiva prescrição terapêutica, foi suprimido.

Na opinião de Azevedo Júnior, este e os outros trechos vetados não significavam "qualquer interferência na atividade de outros profissionais da saúde".

"Está ali escrito [na lei] que estão resguardadas as outras profissões", disse o presidente do conselho.

O trecho da lei destacado por Azevedo Júnior afirma que estão garantidas as "competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólgo de radiologia", mesmo com o artigo que define atribuições exclusivas dos médicos.

O presidente do Cremesp chamou de "absurdos" os vetos. "Quem é que faz o diagnóstico de malária e institui o tratamento? Quem pode fazer isso, quem tem competência legal para fazer isso?", comentou ele. "Quem vai responder se for diagnosticado errado? Quem vai ser responsabilizado por uma dose [de remédio] errada?"

Interesse público
A presidente Dilma Rousseff disse ter feito os vetos para preservar o interesse público na área da saúde, segundo o Blog do Planalto, canal de comunicação do governo. O texto original inviabilizaria ações definidas em protocolos e diretrizes clínicas estabelecidas no SUS, de acordo com a presidente.

Para Dilma, da forma como foi redigido, um dos trechos vetados - o que previa que o diagnóstico e o tratamento fossem feitos exclusivamente por médicos - "impediria a continuidade de inúmeros programas do Sistema Único de Saúde [SUS], que funcionam a partir da atuação integrada dos profissionais de saúde, contando, inclusive, com a realização do diagnóstico nosológico por profissionais de outras áreas que não a médica", disse ela ao Blog do Planalto.

"É o caso de programas de prevenção e controle à malária, tuberculose, hanseníase e doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, a sanção do texto colocaria em risco as políticas públicas da área de saúde, além de introduzir elevado risco de judicialização da matéria", completou Dilma.

Também foi vetado um ponto do quinto artigo da lei que restringia o acesso a cargos de direção e chefia de serviços médicos apenas a esta categoria, impedindo que eles fossem assumidos por outros profissionais da saúde, como enfermeiros.

Para o governo federal, ao não incluir uma definição precisa do que seriam "serviços médicos", a lei geraria insegurança sobre a sua aplicação. "O Poder Executivo apresentará uma nova proposta que preservará a lógica do texto, mas conceituará o termo de forma clara", disse a presidente Dilma Rousseff ao Blog do Planalto.

No total, dez trechos da Lei do Ato Médico foram vetados. Um dos pontos polêmicos mantidos na lei define que apenas médicos podem fazer a indicação e a execução de "procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias", de acordo com o texto publicado no Diário Oficial.

Acupunturistas e profissionais de outras áreas, como tatuadores, temem restrições ao seu campo de trabalho por conta da interpretação que pode ser feita do que é um procedimento invasivo.

A aplicação de injeções e a indicação do uso de próteses poderão ser realizadas por outros profissionais da saúde e não são atividades exclusivas dos médicos, segundo os artigos que foram vetados.

Vetos necessários
Para Amaury Ângelo Gonzaga, membro do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e ex-professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), foram vetados pontos essenciais da lei que poderiam atingir outras categorias da saúde, como os enfermeiros.

O conselheiro ressaltou a retirada do trecho que definia que o diagnóstico e a prescrição de tratamento eram exclusivas dos médicos. "Era necessário esse veto, porque [o trecho] iria interferir na relação com todos os profissionais de saúde", disse ele.

Gonzaga ressaltou que enfermeiros e outros profssionais, cada um em seu nível e sua área de atuação, com os respectivos protocolos e autorizações, podem agir em certas doenças e tratamentos. A aplicação de uma vacina, por exemplo, em tese poderia precisar de prescrição médica pelo projeto de lei antes do veto.

"Para a Atenção Básica no SUS [Sistema Único de Saúde], seria um impacto violento. Se passasse do jeito que estava proposto, seria complicadíssimo", diz o ex-professor da UFMT.

Um dos problemas apontados pelo conselheiro do Cofen é que se a lei fosse aprovada como estava anteriormente, ela daria margem à interpretação errônea em casos simples, como o acompanhamento de uma gestação por um enfermeiro, por exemplo. Procedimentos como este poderiam ser levados à Justiça para fazer com que só médicos pudessem agir nestas situações.

Para Gonzaga, conselhos e entidades médicas poderiam judicializar procedimentos que hoje são realizados sem restrições também por outros profissionais da saúde que não os médicos.
Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
Sitevip Internet