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Segunda-feira, 29 de julho de 2024

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Animal imaginário desafia censura da web na China

Desde sua primeira e quase despercebida aparição em um site chinês, em janeiro, o cavalo de grama-lama se tornou um grande fenômeno.


Uma canção infantil sobre o animal atraiu alcançou de 1,4 milhão de visitas no YouTube. Um desenho com o cavalo de grama-lama foi visitado mais de 250 mil vezes. Um documentário sobre seus hábitos na natureza obteve 180 mil espectadores. As lojas estão vendendo bonecos do cavalo de grama-lama. Intelectuais chineses escrevem tratados sobre sua importância social. A história sobre a luta entre o cavalo de grama-lama e o maligno caranguejo ribeirinho se espalhou por todos os cantos da vasta comunidade online chinesa.

Nada mal para uma criatura imaginária cujo nome, em chinês, tem um som muito parecido com o de uma obscenidade especialmente vil. E é exatamente por isso que ele se tornou tão popular.

O cavalo de grama-lama é exemplo de algo que, no sistema autoritário chinês, faz as vezes de comportamento subversivo. Concebido como um protesto brincalhão contra a censura, o cavalinho de nome obsceno não apenas se limita a fazer com que os censores do governo pareçam ridículos, ainda que esse certamente seja um de seus efeitos.

Ele também desperta questões reais sobre a capacidade da China para controlar o fluxo de informações disponíveis na internet - empreitada à qual o governo chinês já dedicou imensas verbas e para a qual incontáveis algoritmos de software foram escritos a fim de localizar idéias fora da norma na maior comunidade de internet do planeta.

Computadores do governo vasculham o ciberespaço da China constantemente, à caça de palavras e frases que os censores considerem provocantes ou indisciplinadas. Quando as encontram, o chat ou blog responsável pode ser bloqueado em questão de minutos.

Xiao Qiang, professor adjunto de jornalismo na Universidade da Califórnia em Berkeley e supervisor de um projeto de monitoração de sites chineses, afirmou em mensagem de e-mail que o cavalo de grama-lama se tornou "um ícone da resistência à censura".

"A expressão e os desenhos animados podem parecer uma resposta juvenil a uma regra nada razoável", ele escreveu. "Mas o fato de que uma vasta população online tenha aderido ao coro, de acadêmicos sérios aos trabalhadores de escritório urbanos, em geral apáticos politicamente, demonstra até que ponto a expressão ganhou influência".

Wang Xiaofeng, jornalista e blogueiro radicado em Pequim, declarou em entrevista que o pequeno animal ilustra de forma perfeita a futilidade da censura. "Quando as pessoas têm emoções ou sentimentos que desejam expressar, precisam de um espaço ou de um canal", ele disse. "É como um fluxo de água - se você bloqueia seu avanço em uma direção, ele encontra outra direção, ou transborda. Sempre haverá um caminho".

A população online da China sempre teve de conviver com a censura, mas a fiscalização foi endurecida de forma acentuada em dezembro, depois que um movimento democrático liderado por respeitados intelectuais, o Carta 08, divulgou online uma petição na qual apela pelo fim do monopólio do Partido Comunista sobre o poder.

Pouco mais tarde, os censores do governo iniciaram uma campanha ostensivamente dirigida a reprimir a pornografia e outras formas de comportamento reprovável na internet. Pela metade de fevereiro, o esforço do governo havia resultado no fechamento de mais de 1,9 mil sites e 250 blogs - não apenas sites abertamente pornográficos, mas também fóruns de discussão online, grupos de mensagens instantâneas e até mesmo comunidades de troca de mensagens de texto em celulares nas quais questões políticas e outros assuntos sensíveis eram mencionados.

Entre os mais proeminentes dos sites que foram fechados estava o Bulldog.com, um fórum muito lido cujos blogueiros, quase todos liberais, haviam escrito em detalhes sobre o manifesto do Carta 08. O China Digital Times, o projeto de monitoramento da internet chinesa conduzido por Xiao na Universidade da Califórnia, classificou as medidas como "a mais violenta repressão em anos".

Foi diante desse pano de fundo que o cavalo de grama-lama e diversos outros companheiros míticos surgiram no começo de janeiro, no portal de internet chinês Baidu. Os nomes das criaturas, quando escritos em chinês, parecem completamente inocentes. Mas, se pronunciados em voz alta, propiciam duplos sentidos claramente obscenos.

Assim, embora "cavalo de grama-lama" tenha som semelhante ao de um palavrão chinês muito feio, seu ideograma não é em nada parecido com o palavrão, e o significado do nome - ao menos em termos literais - é benigno. Assim, o animal não só escapou às atenções dos computadores da censura como contornou a proibição do governo ao chamado "comportamento ofensivo".

Da forma pela qual é representado online, o cavalo de grama-lama parece bastante inocente, a princípio.

Semelhante a uma alpaca - os vídeos sobre ele na verdade mostram alpacas -, o animal vive em um deserto cujo nome se assemelha muito a outro palavrão. Os cavalos são "corajosos, tenazes e superam seu difícil ambiente", diz a canção sobre eles no YouTube.

Mas eles enfrentam um problema: a invasão dos "caranguejos ribeirinhos" que comem a grama de suas pradarias. No chinês falado, "caranguejo ribeirinho" tem som bastante semelhante ao de "harmonia", palavra que, no ciberespaço chinês, se tornou sinônimo de censura. Os blogueiros censurados muitas vezes dizem que seus posts foram "harmonizados" - um termo derivado diretamente das exortações do presidente Hu Jintao aos chineses pela criação de uma sociedade harmoniosa.

No final, diz uma canção, os cavalos saem vitoriosos. "Derrotaram os caranguejos ribeirinhos e protegeram suas pradarias, e os caranguejos ribeirinhos desapareceram para sempre de Ma Le Ge Bi", o deserto.

As cenas dos vídeos online, nas quais alpacas saltitam alegremente ao som de um coro infantil ao estilo Disney, inicialmente causam choque - e depois, para muitos chineses, se tornam hilárias -, quando fica claro que as canções estão repletas de expressões obscenas.

Para os intelectuais chineses, a mensagem da canção é claramente subversiva, uma demonstração de que os cidadãos podem afrontar as autoridades mesmo pareçam estar seguindo as regras. "O tom implícito é o de dizer que eles sabem que as autoridades não permitem que digam certas coisas, e por isso eles estão obedecendo as normas rigorosamente, não estão?", escreveu Cui Weiping, professora de cinema na Universidade de Pequim, em seu blog. "Eles estão só cantando uma canção infantil fofinha, que fala sobre um cavalo de grama-lama.

Mesmo que o mundo inteiro ouça, o governo não pode dizer que eles violaram qualquer lei".

Em ensaio intitulado "Eu sou um cavalo de grama-lama", Cui compara a campanha de repressão à pornografia a uma campanha "contra a poluição espiritual" que a China empreendeu em 1983, mais uma cruzada contra a pornografia que tinha como meta mais ampla esmagar os críticos do partido dominante inspirados pelo Ocidente.

Outro blogueiro conhecido, Guo Yuhua, sociólogo da Universidade de Tsinghua, classifica as alusões ao cavalo de grama-lama como "armas dos fracos" - o título de um livro escrito por James Scott, um cientista político da Universidade de Yale, que descreve como os camponeses indefesos conseguiram resistir a regimes ditatoriais.

O governo pode, evidentemente, eliminar todas as referências á expressão "cavalo de grama-lama" na internet, uma tarefa fácil para o software de censura. Mas embora os cidadãos virtuais chineses possam ser fracos, eles também são engenhosos.

Uln, um blogueiro de Xangai, já propôs uma idéia. Escrevendo em tom satírico - ou talvez não - ele recentemente sugeriu que os defensores da democracia online deixem de se referir ao Carta 08 pelo nome e que em lugar disso escolham outra palavra - "Wang", talvez, um sobrenome onipresente. Separar os Wangs inofensivos dos Wangs subversivos derreteria os circuitos dos mais poderosos computadores da censura.

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