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Quarta-feira, 08 de maio de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

Fim do tratamento pode deixar paciente perdido, conta jornalista

Para aqueles que nunca ficaram seriamente doentes, o tratamento sempre parece simples e direto. Você fica doente, recebe tratamento e, teoricamente, fica melhor. Num dia você é o paciente, no outro já não é mais. Simples, certo?


Bem, algumas vezes é um pouco mais complicado do que isso. Enquanto eu recebia tratamento por um agressivo câncer na próstata, no ano passado – cirurgias, terapia hormonal, radiação –, experimentei um efeito colateral inesperado: decepção pós-tratamento. Ele tendia a aparecer sempre que um ciclo do tratamento estava terminando, se juntava com sua velha amiga, a incerteza, e dizia: “Então, e agora?”

Nenhum de nós quer ficar doente, ser obrigado a tomar nossos remédios. Mas também somos criaturas que amam os hábitos e rituais, e o tratamento médico é um exercício bastante estruturado, que trabalha com esse desejo. Quando passei pela radioterapia, durante cerca de dois meses do último inverno, tudo começou a parecer tão familiar quanto um emprego. Eu sabia os nomes dos manobristas e recepcionistas do hospital. As enfermeiras, médicos e terapeutas sorriam e diziam olá, e eu fazia o mesmo.

Todos os dias eu chegava na radioterapia, dava entrada, pegava meu bracelete do hospital, vestia meu gelado avental, e esperava, junto a meus amigos pacientes – colegas de câncer –, pelo tratamento. Uma vez por semana eles mediam meu peso, pressão e temperatura, e eu me encontrava com meu radiologista. Eu havia me tornado cliente do spa de radiação, sabia até mesmo como sacudir a chave nas teimosas portas dos armários.

O fim

Então, chegou o fim.

Isso era uma coisa boa. Entretanto, embora eu estivesse aliviado em acabar com a radiação, ainda me sentia como se tivesse sido demitido. Por dois meses, fui o foco de intensa atenção pela equipe médica. Havia o toque de mãos profissionais, ainda que íntimo, cada vez que eu era posicionado no aparelho de tomoterapia.

Durante 33 sessões, ao que parecia, a radioterapia e eu fomos apaixonados um pelo outro. Porém, quando me vesti, após a última sessão, e fiz minhas últimas despedidas, nós repentinamente nos tornamos “apenas amigos”. Não havia nenhuma escassez de pacientes para tomar meu lugar.

Nós, pacientes, sabemos que não ser tratado é um sinal de progresso. Entretanto, algumas vezes, ter um tratamento, fazer algo, é mais fácil que a incerteza, que a espera. É como se ver preso num congestionamento e pegar a primeira saída que aparece, simplesmente para se manter em movimento. Quando um tratamento termina, ficam apenas você e seu corpo amotinado, atirados cautelosamente de volta um ao outro.

Recuperação

Percebi uma decepção similar quando voltei a trabalhar, no fim do último verão, após minha radical prostatectomia, em julho.

Por sete semanas, meu único objetivo era me recuperar da cirurgia. Meus dias eram medidos em cochilos e preguiçosas voltas no quarteirão, em analgésicos e na drenagem de meu cateter. As preocupações do mundo não eram as minhas. Se eu não podia enxergar da janela do meu quarto, não me interessava.

Pelo fato de eu estar me recuperando de uma cirurgia de câncer, e por eu já saber que precisaria de tratamentos adicionais assim que me curasse da operação, eu me alegrava com os menores detalhes: as almofadas pretas das patas de meu cachorro, macias como uma luva de beisebol, o cheiro úmido de um antigo livro de ficção científica encadernado, vaga-lumes cintilando e desaparecendo com o pôr-do-sol.

Perfurado por uma aguda consciência de minha própria mortalidade, eu estava muito mais interessado em discernir os pequenos milagres de cada momento do que em pegar o trem das 9h03 para Manhattan. Havia uma parte de mim que estava decepcionada quando chegava a hora de pegar aquele trem mais uma vez.

Não me entenda mal. Eu estava feliz por estar bem o bastante para voltar ao trabalho, feliz por me sentir forte o bastante para enfrentar o caos de Nova York. Porém, ao voltar pro trabalho, eu também estava dando em troca uma certa profundidade de percepção. O câncer e a cirurgia me desaceleraram, me fizeram olhar e escutar, cheirar e tocar com o ímpeto de um explorador entrando em território inexplorado. O centro de Manhattan não é exatamente um estímulo a esse tipo de lentidão.

Hoje em dia – quatro meses depois de meu último tratamento hormonal e cinco de minha última sessão de radiação –, não me sinto mais tão decepcionado, mas um pouco confuso sobre como me referir ao status de minha saúde.

Ainda sou paciente de câncer, ainda sou monitorado. Posso até ainda ter câncer, mas também posso não ter. Num dia sou um paciente, e talvez no próximo eu não seja. E nesse dia, eu garanto, não me sentirei nada decepcionado.
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