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Domingo, 28 de julho de 2024

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"Provavelmente eu não seria escritor se não tivesse me acidentado", diz Marcelo Rubens Paiva

Marcelo Rubens Paiva desde pequeno foi incentivado a ler. Aprendeu na escola que grandes autores, como Dostoiévski e Machado de Assis, não precisavam ser temidos. Em sua casa, não havia televisão na sala de estar. A diversão ficava por conta de uma enorme estante na qual Marcelo podia manusear pesadas e coloridas enciclopédias e livros de arte. Teve ainda o privilégio de desde pequeno conviver com intelectuais, como Darcy Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso, que jogavam pôquer com seu pai, o engenheiro e político Rubens Paiva, ao lado da sala onde Marcelo brincava de botão.


Mesmo com todos esses incentivos, ele nunca havia pensado em se tornar escritor. "Achava que era algo dos grandes, de seres supremos", disse durante palestra da nona edição da Feira do Livro de Ribeirão Preto. Marcelo descobriu seu potencial para a escrita somente quando se recuperava do grave acidente sofrido aos 20 anos, que o deixou inicialmente tetraplégico. "Muito provavelmente eu não seria escritor se não tivesse me acidentado. Não teria dado o primeiro passo". A reabilitação motora incluía digitação e, ao invés de se bastar nos repetitivos exercícios, o autor enxergou a possibilidade de redigir contos e textos jornalísticos.

Uma das revistas que publicava seus textos pertencia a Caio Prado Júnior, dono da editora Brasiliense e amigo de seu pai. Na época, Prado Júnior estava com planos de lançar novos autores e insistiu para que Paiva escrevesse sua história.

"Eu achei um pouco estranho porque, afinal, quem iria ler a história de um cara que sofre um acidente, fica paraplégico e escreve um livro? Eu mesmo não iria querer ler...". Mas Marcelo percebeu que essa era a oportunidade de abordar um assunto muito mais abrangente. Seu primeiro livro, "Feliz Ano Velho" (Objetiva, 2006) não seria somente um relato de vida. Seria o registro histórico de uma juventude intitulada "geração Coca-Cola", muito mal vista na época. Imerso na linguagem e no universo de contestação do período, Marcelo construiu uma obra que marcou época.

Após a aceitação estrondosa de seu primeiro livro, pela crítica e pelo público, o escritor ousou experimentar diversos outros meios para se expressar. Obteve prestígio como jornalista, cronista, dramaturgo e cineasta. E declarou que "a fama ajudou a abrir portas".

Há anos luta pelos direitos dos deficientes físicos, em especial, cadeirantes. Durante a palestra, citou diversas conquistas obtidas na cidade de São Paulo: vans especiais; vagas para carros em estabelecimentos comerciais; espaços reservados em cinemas, restaurantes, ônibus e estádios. Tudo fruto de uma grande luta política, facilitada pelo apelo da própria imagem de Marcelo.

Quanto às obras mais recentes, diz que desde o término de seu casamento tornou-se fascinado e obcecado por temáticas que incluam os relacionamentos amorosos. A obra "Malu de Bicicleta" (Objetiva, 2003) é bastante emblemática, por ter sido o primeiro de uma série de livros sobre o tema.

O consagrado poeta amazonense Thiago de Mello fez questão de prestigiar a palestra, e declarou que a obra de Marcelo é "uma arte que faz bem". Em entrevista à Livraria da Folha, Marcelo reinterpretou o elogio de Thiago: "a arte que incomoda é que faz bem, acho que foi isso que ele [Thiago] quis dizer". Isso porque o próprio autor caracteriza sua obra como pessimista em diversos aspectos.

Afirmou que sem o pessimismo e a intriga, não há crônica e nem romance. "O que é interessante na literatura é a sombra, o escondido. E o papel do escritor, infelizmente, é mexer com as coisas ruins, falar daquilo que se esconde. Mas essas coisas nos fazem bem ler. Fez bem a todos ler [Gustave] Flaubert, que fala de uma mulher [Madame Bovary] entediadíssima no casamento", disse Marcelo.

E como o ocupado autor administra seu tempo? "Sou um vagabundo e um escravo do trabalho. Vagabundo porque trabalho em casa, acordo e durmo a hora que eu quero. Por outro lado, preciso de uma rotina e de uma disciplina. Eu não enfrento trânsito, reuniões com chefes, almoços com colegas de trabalho. Enquanto você está no trânsito, eu estou escrevendo. Acaba sobrando bastante tempo por ser esse 'vagabundo trabalhador'".
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