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Domingo, 28 de julho de 2024

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Além dos "Sertões", Euclydes da Cunha se destaca pela análise da política internacional

A extraordinária presença de Euclydes da Cunha na cultura brasileira decorre da sua participação na construção de uma narrativa artística, filosófica e antropológica do sertão brasileiro.


O vocábulo "sertão", de uso corrente no século 15 português, aportou no Brasil com as caravelas de Pedro Álvares Cabral, tanto que Pero Vaz de Caminha o empregou em duas passagens da sua Carta para designar somente áreas do interior do novo mundo. E o vocábulo foi incorporado pela experiência histórica e cultural brasileira.

De fato, a partir da publicação de "Os Sertões", em 1902, a palavra teve o seu sentido estendido e, desde então, as representações do mundo que ela passou a denotar dialogaram com as imagens e os pontos de vista euclidianos.

Sendo assim, a importância de "Os Sertões" eclipsou, paradoxalmente, o conjunto da produção cultural de Euclydes da Cunha. Gilberto Freyre escreveu que Euclydes, tão visceralmente vinculado ao seu livro mais conhecido, é tratado no Brasil como se fosse "o marido da professora".

Trata-se, entretanto, de um autor que não refletiu exclusivamente sobre a matéria sertaneja. Esse Euclydes "além dos sertões" guarda, porém, muitos aspectos do intelectual que despertou interesse na sociedade brasileira dos últimos cem anos.

O escritor estava atento às questões de seu tempo e as observou e as analisou de acordo com as perspectivas que lhe eram oferecidas pela sua época. Os artigos que compuseram os livros "Contrastes e Confrontos", "Peru versus Bolívia" e "À Margem da História" foram escritos para jornais, continham, no geral, reflexões sobre acontecimentos do tempo presente e analisavam temas amplamente debatidos pela imprensa da época.

De maio a agosto de 1904, Euclydes publicou, na imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo, um total de 13 artigos, que abrangiam temas como o lugar ocupado pelas artes na "idade da ciência", a questão do Acre, o imperialismo das grandes potências, a emergência da Alemanha e dos EUA no cenário internacional, a infiltração dos "caucheros" peruanos na Amazônia brasileira, a iminente guerra entre Brasil e Peru.

As matérias que deram origem ao livro "Peru versus Bolívia" foram, a princípio, publicadas em fascículos no "Jornal do Commercio". Substancialmente, "Contrastes e Confrontos" e "À Margem da História" foram coletâneas de textos jornalísticos.

A maioria dos artigos assinalava o deslocamento das suas reflexões para assuntos relativos à ordem internacional. Como funcionário do Ministério das Relações Exteriores, Euclydes refletia sobre o destino do Brasil no mundo em geral e na América do Sul em particular, considerando as suas relações de solidariedade e de rivalidade com os países vizinhos.

Imperialismo moderno

A geopolítica euclidiana baseava-se na concepção de um "moderno imperialismo", entendido como um movimento de expansão e de anexação de territórios pelas potências econômicas, com a finalidade de constituir "mercados e desafogar capitais". Com efeito, nos seus textos, há uma sincronia entre a valorização da questão latino-americana e o emprego do termo e do conceito de imperialismo.

A definição de imperialismo como domínio de mercados externos por potências industrializadas era recente, pois surgira no início do século 20. O autor procurava entender a importância histórica e a função do Brasil no subcontinente americano, utilizando, como pedra filosofal, essa noção moderna de imperialismo. Recorria às concepções políticas e sociais do momento para responder às questões de longo curso na história das relações entre Estados, países e nações.

É possível que, tratando de fatos de longa duração, os textos euclidianos, publicados em folhas da imprensa diária e impregnados de temas da época, transcendam ao período de sua produção e despertem o interesse dos leitores atuais. São, além disso, textos do autor de "Os Sertões" e possuem alguns aspectos essenciais da natureza desse livro.

O autor continuava elaborando sínteses explicativas, que conferiam relevo, no emaranhado dos fenômenos históricos, a alguns fatos mais significativos. As sínteses euclidianas, que perpassam o conjunto da sua produção, esboçam ou elaboram um grande número de conceitos essenciais, como o de "herança decadente", para explicar as feições particulares da colonização do Brasil, o de "inversão evolutiva", para entender a natureza das transformações da sociedade brasileira, e o de "síntese artística", para demonstrar e defender a sobrevivência necessária das expressões artísticas num mundo crescentemente dominado pelas ciências positivas.
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