"Oi mãe". Essas foram as primeiras palavras de um adolescente de 16 anos que, portador de uma grave deficiência, nunca havia conseguido falar na vida. Ele conseguiu quebrar o silêncio de mais de uma década ao usar um aparelho de comunicação digital.
James Walker é um fã de rúgbi, gosta de música pop, vive com os país em Hull, na Inglaterra, e tem uma namorada, Emily.
O jovem possui uma doença que lhe causou centenas de convulsões por dia quando criança.
Conhecida como síndrome de Lennox-Gastaut, a enfermidade o deixou com um transtorno de aprendizagem severo e sem capacidade para andar ou se mover. E até pouco tempo ele também não conseguia falar.
Hoje ele diz ser "divertido" poder se comunicar com amigos e família após tanto tempo em silêncio e, como define, "aprender algo empolgante".
Usando os olhos como cursor, ele aprendeu a clicar em palavras e imagens para construir frases com seu computador portátil, um modelo chamado Tobii Eye Gaze .
O sistema tem milhares de expressões e frases na memória, coisas que James pode usar dia a dia. Ele hoje está treinado para usar cerca de 60 palavras, e espera aumentar esse número com o tempo.
Cadeirante com movimentos limitados nos braços, James responde "gosto engraçado" ( I like funny ) ao ser questionado sobre seu tipo de conversa favorito. Soma um "eu gosto" sobre como fez sua mãe feliz ao dizer suas primeiras palavras a ela.
Gina Walker nunca esperou que seu filho pudesse falar. Quando o professor de James a chamou recentemente à escola, ela não sabia o que esperar. A mãe não sabia que o filho estava aprendendo a usar softwares para comunicação, porque todos haviam decidido manter o trabalho em segredo.
"As primeiras palavras que ele disse foram 'oi, mãe", e foi tão fantástico que chorei", conta ela.
"É surpreendente ouvir seu filho falar pela primeira vez, ainda que seja uma voz gerada por computador. Eu fiquei arrepiada, e é maravilhoso poder conversar com ele."
O novo computador de James proporcionou um nível de vocabulário que ele não tinha e, pela primeira vez, seus pensamentos e opiniões podem ser conhecidos.
Como diz a mãe: "Ele agora me disse que não gosta das minhas cantorias, e sua personalidade e senso de humor estão vindo à tona."
Quando o vestia pela manhã, Gina costumava mostrar ao filho duas opções, e escolhia aquela que ele olhava. "Mas eu não tinha ideia se ele olhava por aprovação ou por não gostar. Hoje ele diz 'eu não gosto' e eu o troco novamente."
Uma breve entrevista, com o novo vocabulário de 60 palavras
Qual era a pior coisa sobre não conseguir falar? Não gosto.
Qual é a melhor coisa em falar? Aprender algo empolgante.
O que achou de falar pela primeira vez? Engraçado.
Como se sentiu ao ver sua mãe tão feliz? Eu gosto.
Como é poder conversar com sua irmã e amigos sobre isso? Eu gosto, (é) engraçado
Ajuda com suas convulsões? Sim
"Neste momento é tão bom ouvir a voz dele que fazemos qualquer coisa por ele", afirma a mãe.
Na casa da família Walker hoje há paciência de sobra com brigas entre irmãos - simplesmente porque elas agora são possíveis. "A irmã, Tash, coloca música no rádio ou na TV e ele pede para abaixar, o que é ótimo."
James aprendeu a indicar quando está entediado na escola. Questionado se gostou de seu novo sistema de comunicação, responde: "Eu gosto, eu preciso".
Assim como aprender palavras, o usuário também tem de saber o contexto do significado delas, então o nível de uso do sistema depende da capacidade cognitiva do usuário.
Hector Minto, da empresa Tobii Dynovox, que desenvolveu o sistema, explica: "O sistema deu palavras-chave a James para que ele se acostume a usá-las em situações específicas, como pedir uma bebida, mas a exposição crescente a novas expressões melhora o conhecimento."
A mãe de James diz que a melhora na comunicação teve reflexos positivos na saúde do filho.
Sujeito a várias convulsões por dia - algumas em intervalos de minutos -, James não tinha como alertar familiares ou professores sobre a chegada dos ataques.
Uma operação que instalou um aparelho promove descargas elétricas em seu cérebro a cada três minutos ajudou a diminuir o número de convulsões, e coincidiu com o período em que James aprendia a usar sua nova voz.
Gina diz que agora ele diz "venha ajudar" ou "venha aqui" quando sente que uma convulsão está por vir. "Toda convulsão é perigosa", ela explica, "então se consigo evitar que sejam muito intensas é algo precioso."
A mãe conta que antes de usar o aparelho de comunicação ele costumava coçar o pescoço - hoje a família sabe que era ele tentando dizer que algo estava errado.
Àquela altura, os familiares não tinham ideia que James tinha a habilidade cognitiva necessária para dar esse tipo de alerta, então não conseguiam interpretar a mensagem como um pedido de ajuda.
Agora que o adolescente consegue alertar sua mãe, ela consegue fazer alguma coisa. Usa um ímã para enviar pulsos elétricos suaves e regularizar a atividade cerebral irregular que desencadeia as convulsões do filho.
O computador traz ainda outros tipos de independência. Permite a James controlar as luzes do quarto e a TV, entre outras possibilidades.
Minto diz que algumas pessoas com deficiências semelhantes vivem plenamente usando os olhos para controlar um computador. "Eles deixam os enfermeiros entrar, ficam sozinhos à noite, checam e-mails."
O representante da empresa diz que o sistema de sua firma é até 20 vezes mais rápido do que o usado pelo físico Stephen Hawking, que comunica uma letra por vez.
Um sistema como o Eye Gaze chega a custar 12 mil libras (cerca de RS$ 70 mil).
David Hoyle, amigo da família de James que tem uma filha com epilepsia, decidiu ajudá-lo a adquirir o equipamento, e criou o evento James Walker 100, que envolveu cem voluntários em diferentes ações de arrecadação, como maratonas e jantares.
"Uma das piores coisas de ter uma criança especial é que elas não conseguem se comunicar quando não estão se sentindo bem ou precisam de algo, então apenas isso já vale 12 mil libras", afirma.
A equipe que Hoyle reuniu bateu a meta e conseguiu comprar mais cinco equipamentos iguais para a escola do adolescente.
E enquanto o filho lida com o reencontro com sua voz, Gina diz: "James nunca foi capaz de fazer um escolha, nunca, e agora é."
Ela diz que gostaria que o filho tivesse tido acesso a essa tecnologia antes, porque esteve "preso" por 16 anos - e diz ser preocupante que muitos pais nem conheçam essa alternativa.
"Acho que as pessoas não percebem como a comunicação é importante. Isso tem sido uma grande descoberta."