Um estudo revela que a ferrovia EF-170, conhecida como "Ferrogrão", pode impactar 4,9 milhões de hectares de Áreas Protegidas em municípios que já somam 1,3 milhões de hectares desmatados ilegalmente. Os dados são do estudo "Amazônia do futuro: o que esperar dos impactos socioambientais da Ferrogrão?", elaborado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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Com quase mil quilômetros de extensão, partindo de Sinop (MT) até o porto de Miritituba (PA), e com a previsão de uma estação intermediária em Matupá (MT), o projeto é considerado prioritário pelo Governo Federal, que prevê a emissão da primeira licença ambiental em abril de 2021.
Segundo o levantamento, a redução dos custos de transporte de commodities "incentiva o aumento da produção agrícola, motivando em consequência a conversão de áreas aptas para agricultura, quer seja pastagens ou vegetação nativa".
Dos 48 municípios que seriam beneficiados pelo frete mais barato, levando em consideração o cenário de 2018 e a estação em Matupá, 61% da área total apresentou alta ou muito alta aptidão agrícola enquanto apenas 21% eram cultivados, o que poderia levar a uma rápida expansão das lavouras de grãos. Parte dessa área, no entanto, não poderia ser plantada dentro da lei.
O cruzamento entre os registros de Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os municípios beneficiados mostrou que há "um balanço de vegetação nativa negativo", isto é, existe mais déficit florestal (áreas desmatadas ilegalmente) do que ativo florestal (áreas de floresta que excedem a quantidade exigida pela legislação e que poderiam ser convertidas para o plantio).
São ao menos 1,3 milhões de hectares de déficit líquido de Reserva Legal nesses municípios. Ou seja, a região já desmatou mais do que a legislação permite e a expansão agrícola pode gerar ainda mais desmatamento.
O estudo também avaliou que rodovias teriam seus fluxos de carga aumentados com a implementação da Ferrogrão. Essa mobilização adicional das estradas resultaria em impactos sinérgicos e cumulativos sobre as Terras Indígenas, que não estão sendo consideradas no licenciamento da ferrovia, como a Capoto Jarina, dos Kayapó, e o Território Indígena do Xingu.
"É, portanto, fundamental também avaliar de modo antecipado as implicações socioambientais desses empreendimentos, bem como seus custos ou perdas ambientais, como subsídio a tomadas de decisão e o delineamento de políticas públicas", diz o texto.
Incoerência
Desde julho, o plano para concessão está sob análise no Tribunal de Contas da União (TCU). Ainda que os estudos enviados para o TCU incorporem a estação intermediária em Matupá, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), protocolado em novembro no Ibama, não leva em consideração a parada intermediária.
Também há inconsistências e contradições no próprio Plano de Outorga da ferrovia apresentado pela ANTT ao TCU, com informações incoerentes entre o projeto de engenharia apresentado no caderno ambiental (sem nenhuma estação intermediária de carga) e o caderna que avalia a demanda da ferrovia (incluindo a estação intermediária de Matupá).
A análise da UFMG indica que o terminal em Matupá ampliaria a área de impactos socioambientais em Mato Grosso. A inclusão do terminal reduziria o custo de transporte de commodities de cinco municípios localizados a leste do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu e que apresentavam déficit florestal - áreas desmatadas ilegalmente - entre 17 mil hectares a 104 mil hectares em 2018.
Esses municípios passariam a mobilizar mais ainda a MT-322, rodovia que corta o contínuo florestal entre a Terra Indígena Capoto Jarina e o Território Indígena do Xingu, e que até hoje opera sem licença ambiental.
A nova estação também influenciaria estradas na bacia do Tapajós, como a MT-170, MT-338 e BR-325, gerando impactos sinérgicos e cumulativos sobre as Terras Indígenas Batelão, Apiaká-Kayabi e Erikpatsá.
Representação no TCU
No final de outubro, o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com cinco organizações da sociedade civil, enviou uma representação ao TCU pedindo a suspensão cautelar do processo de desestatização e a proibição da licitação da Ferrogrão até que sejam superadas as contradições internas do plano de outorga e realizada a consulta referente à fase de planejamento da ferrovia aos povos afetados. A representação está em análise no tribunal.