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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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PERCENTUAL AINDA É BAIXO

Número de pessoas que iniciaram a prevenção do HIV por meio da 'Profilaxia Pré-Exposição' cresceu 64% em MT

Foto: Marcos Salesse / Olhar Direto

Número de pessoas que iniciaram a prevenção do HIV por meio da 'Profilaxia Pré-Exposição' cresceu 64% em MT
Há mais de cinco anos em circulação no país, a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) ainda é considerada um tabu nas discussões sobre prevenção ao HIV. Em Mato Grosso, mesmo com o crescimento de 64% no número de novos usuários, apenas 672 pessoas estão utilizando o medicamento de forma contínua, um percentual considerado abaixo do esperado. Enquanto os estoques permanecem cheios, a falta de informação e o preconceito são duas das principais barreiras para que essa forma prevenção chegue de forma democrática ao cidadão. 


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Com a combinação de dois medicamentos, o PrEP atua no bloqueio de “caminhos” que o HIV usa para infectar o organismo. Junto de outros métodos de prevenção, como a camisinha, a profilaxia pode aumentar em 95% a proteção durante relações sexuais. No Brasil, desde 2017 o medicamento deixou de ser exclusivo das populações consideradas em vulnerabilidade, podendo ser acessado de forma gratuita para qualquer pessoa que busca “gerenciar o risco” de contato com o vírus. 

“No começo, em meados de 2017, existia uma palavra muito forte da 'população chave' e 'população vulnerável'. Então a população chave eram os homens gays, homens que fazem sexo com homem e outros. E a população vulnerável seriam os privados de liberdade, população em situação de rua, gestantes e outras. O Ministério da Saúde traz hoje a população de 15 anos até 29 anos como a principal, porque são as que mais estão vulneráveis, mas quem saiu disso aí não importa. Hoje fala-se mais em ‘gerenciamento de risco’ do que ‘população chave’”, disse Liney Maria Araújo, enfermeira e idealizadora do projeto de criação e implantação do SAE/Regional Norte, durante entrevista ao Olhar Direto. 

De acordo com dados do Painel do Prep, disponibilizado pelo Ministério da Saúde, em 2023 o país apresentou um crescimento de 47% no número de novos usuários do medicamento. Já nos três primeiros meses do ano, Mato Grosso registrou um aumento de 64% no número de novas pessoas que passaram a consumir o PrEP.

Em todo o país, mais de 50 mil pessoas fazem uso da medicação como uma das formas de prevenção. 
Em circulação no Brasil desde 2017, o estado passou a disponibilizar o medicamento no ano seguinte. Ainda de acordo com o painel, Mato Grosso lidera a lista dos estados do Centro-Oeste com maior número de unidades que disponibilizam o PrEP de forma gratuita, chegando a 19 espaços. 

O número pode crescer ainda mais, já que existe um projeto em andamento para lavar a dispensação dos medicamentos para dentro das Unidades Básicas de Saúde. O objetivo é capacitar 10 profissionais de saúde que atuam nas unidades para acolher a população que busca o PrEP como uma das formas de prevenção. Apesar da iniciativa, Liney afirma que ainda há certa resistência por parte dos próprios profissionais em atuar com a questão. 

“A partir do momento que ainda hoje a Unidade Básica de Saúde é precária em oferecer teste rápido, temos um problema. Acaba que o profissional demonstra muita resistência, e muita coisa gira em torno da sexualidade. Falta investimento no profissional para que ele possa entender que quando ele fala de HIV e Aids ele não fala da sua própria sexualidade, então ainda tem muito isso”, argumentou a enfermeira.

Falta informação 

Apesar dos espaços abertos para entrega dos medicamentos, o preconceito e a falta de acesso à informação dificultam o acesso ao medicamento de uma parcela importante da população. Segundo Liney, há no país uma falta de diálogo aberto junto a população sobre o uso do PrEP. 

“Com a nossa população menos intelectualizada não há esse diálogo do serviço público para com eles, porque quem está mais próximo desse público é a Unidade Básica de Saúde, que pouco sabe sobre o uso. Então essa informação não chega à população, mesmo porque ela também não tem tempo. Isso tinha que estar nos bares, onde tem mesa de sinuca, nos postos de gasolina, onde passam muitas pessoas. A gente nasceu para não falar de sexo, né?”, acrescentou Liney. 

A falta de informação se reflete no perfil dos usuários que estão em PrEP no estado. Os dados do painel apontam que 65% das pessoas que utilizam o medicamento em Mato Grosso estiveram nas salas de aula por 12 ou mais anos. Já entre o público com escolaridade de 4 a 7 anos representa apenas 6% dos usuários. 

Ainda no estado, o número de pessoas negras que acessam o medicamento chega a quase 60%, média acima da registrada no Brasil, que chega a 43% da população negra. Apesar do dado, o estado também apresenta uma alta taxa de desistência na continuidade do uso entre pessoas pretas e indígenas. 

Segundo pesquisadores do tema, o perfil dos usuários reflete a dificuldade em democratizar o acesso ao PrEP em território nacional. Com isso, a prevenção acaba se concentrando entre pessoas consideradas intelectualizadas e na população branca. 

Medicamentos disponíveis gratuitamente 

Ao chegar na unidade de saúde, a pessoa interessada na prevenção passa por uma avaliação que busca investigar qual a última relação sexual desprotegida. Após a avaliação, caso a pessoa teste negativo para o HIV, é entregue medicamentos para 30 dias. Passados os 30 dias, são realizados exames para acompanhar o desempenho do rim e fígado, dois dos órgãos que lidam diretamente com o medicamento. 

Caso os exames apresentem um resultado considerado satisfatório, a pessoa recebe os medicamentos para uso em mais 120 dias. O espaço de tempo é pensado para que o interessado na prevenção se desloque até a unidade de saúde a menor quantidade de vezes ao ano. É recomendado também o acompanhamento da função hepática e renal a cada quatro meses. 

“Você vai estar no Serviço em busca da PrEP apenas três vezes ao ano. Foi feito esse alargamento para que a pessoa não se preocupe em ir todo mês até a unidade, porque isso é uma prevenção”, lembrou a enfermeira.

Os exames podem ser feitos gratuitamente nas unidades de saúde pública ou por meio dos laboratórios privados. Pessoas acima de 50 anos podem aderir a prevenção, mas todas as comorbidades serão acompanhadas de forma mais próxima. Já pessoas acima de 60 anos não podem fazer uso do medicamento. 

Há também a possibilidade de utilização da PrEP sob demanda, ou seja, pessoas que possuem menos de uma relação sexual na semana. Podem solicitar o uso do medicamento da seguinte forma: dois comprimidos 24 horas antes da relação, um comprimido logo após e outro comprimido 48 horas após o contato sexual. 

Para Liney, a flexibilização do acesso permitiu que mais pessoas pudessem gerenciar o risco de contaminação. Esse processo é considerado fundamental para que mais pessoas, por vezes em situação de vulnerabilidade, possam recorrer ao PrEP como forma de prevenção. 

“Se eu fosse pensar no quadradinho que as pessoas acham que estão as pessoas que pegam HIV, não iria conseguir colocar uma parte da população dentro dessa possibilidade de prevenção”, acrescentou. 

Questionada sobre possíveis efeitos colaterais, a enfermeira reforçou uma recomendação já adotada pelo Ministério da Saúde. Até o momento não há registros de efeitos colaterais que não sejam controlados. Com isso, a vantagem de utilizar a medicação acaba superando a probabilidade de desenvolvimento de algum efeito colateral. 

“Qual é o efeito colateral? Não pegar HIV. É isso. Nós vamos sondar a pessoa sobre possíveis efeitos colaterais ao longo de todo o uso. A gente diz que as pessoas vão ter um efeito colateral esperado, controlado e limitado, ou seja, até uma data exata. Nada supera a vantagem de você ter essa prevenção, nada”, defendeu Liney. 

Valorização da ciência 

Por fim, Liney reforçou a importância de confiar na ‘ciência do HIV’, que segundo a enfermeira, tem apresentado bons resultados para prevenção e tratamento de quem se contamina com o vírus. A enfermeira acredita que com medicamentos como o PrEP, é preciso disseminar informações seguras e pautadas nas produções científicas. 

“É inadmissível você falar em HIV e ficar no ‘eu acho’. Como a ciência do HIV é tão forte e tão segura, a gente busca disseminar informação, nem que seja formiguinha. Então é preciso fazer essa disseminação”, finalizou. 
Com uma fala emocionada, a enfermeira encerrou a entrevista comentando sobre a sua alegria em receber pacientes que voltaram a ter uma vida sexual ativa com parceiros que possuem o vírus HIV. Para Liney, a ‘ciência do HIV’ conseguiu trazer a sexualidade de uma parcela da população de volta. 

“O que é muito emocionante é a pessoa falar para você que hoje ela consegue transar. O que ela falava é que ela nem transava. Por exemplo, a partir do momento que descobri que meu parceiro é HIV, nem transo pois tenho medo, ou se transo, depois choro, tem pessoas que transavam e depois iam chorar de medo. E hoje elas têm a liberdade de falar para você ‘eu sou feliz porque hoje, eu voltei a transar’. Acho que isso é muito gratificante, a ciência do HIV conseguir trazer essa sexualidade de volta”, finalizou.
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