Os moradores da "Gleba Pelissioli", localizada na zona rural de Santa Terezinha (1.274 km de Cuiabá) relatam sofrer ameaças constantes, violências físicas e psicológicas por parte da empresa de segurança privada ATA, contratada pela Fazenda São Sebastião, que alega ser dona dos cerca de 5 mil hectares do assentamento. Uma ação judicial de reintegração de posse tramita na Justiça de Mato Grosso contra as 100 famílias que vivem na região. Eles lutam para não serem despejados, pois as terras seriam devolutas, portanto, pertencentes ao Estado de Mato Grosso.
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As violências sofridas pelas famílias e suas lideranças por parte dos agentes da ATA segurança privada, vão desde intimidações, incêndios criminosos, até apreensão irregular de veículo, solicitação de documentos aos transeuntes, abordagem de veículos, e ainda, os agentes da empresa de segurança circulam com veículos descaracterizados e sem placas, muitas vezes encapuzados e armados fora da área de serviço.
“Há cerca de três meses, a ATA fez apreensões totalmente irregulares, como a de uma moto nunca mais recuperada pelo proprietário, exercendo funções de policiais. Colocam fogo criminoso (na tentativa de nos incriminar)”, diz nota da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Santa Terezinha, emitida em setembro de 2022.
“Os ditos seguranças pedem documentos para transeuntes, veículos, apreendem madeira e andam com veículos totalmente descaracterizados, sem placa, e muitas vezes encapuzados e armados fora da área de serviço”, complementa a nota.
Em relato ao Olhar Direto, os moradores disseram que um dos colegas chegou a ficar hospitalizado durante dias após uma agressão praticada pelos seguranças. “Sofremos muitas ameaças, inclusive, sabemos que eles andam irregular, já pegaram pessoas nossas lá, tem mais de 30 boletins de ocorrência registrados. Pegam a gente, prendem, agem como polícia, bota dentro do carro, batem, é muito sofrido”, disse Eloir Marcos dos Santos, 36 anos, presidente do assentamento.
São vários os relatos dos moradores sobre os seguranças da empresa ATA. Segundo eles, os agentes agem como “pistoleiros” e andam com armas de fogo pela região, todos os dias, 24 horas. Além das ameaças, as humilhações são constantes, junto com retiradas de alimentos produzidos pelos assentados.
“Nós sofremos muito com as humilhações dos seguranças da fazenda São Sebastião, onde eles nos param nas estradas, apontando armas pra nós, afim de nos humilhar”, consta em relatório formulado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).
“Estamos muito aflitos, por sofrermos ameaças da fazenda São Sebastião, inclusive já sofremos agressões físicas e psicológicas. Vivemos com muito medo, pois, tudo que temos está aqui correndo o risco de sermos despejados. Não sabemos mais o que fazer, pois, não temos para onde ir”, disse outro morador.
No relatório da CPT, consta ainda alguns casos registrados pela Pastoral no ano passado. Um jovem morador da Gleba Pelissioli teve sua moto tomada pelos seguranças, sofrendo agressões que quase o deixaram cegos.
O veículo ficou com os agentes por mais de 15 dias, enquanto o homem foi preso por policiais de Vila Rica, denunciado como “ladrão de madeira”. O fato ocorreu quando ele estava na terra do seu vizinho, que foi invadida pelos seguranças. O caso ocorreu em agosto de 2022.
Já em outubro de 2022, os vigias da fazenda instalaram uma porteira na estrada que liga o assentamento aos municípios de Santa Terezinha e Santana do Araguaia, com o intuito de privar os assentados do livre acesso à suas casas. Eles poderiam transitar na região apenas entre 6h e 18h.
O prefeito de Santa Terezinha junto com alguns vereadores e agricultores tentaram negociar e informaram ao segurança responsável por obstruir a estrada que isso é contra a lei e que ele teria que tirar a porteira, mas não ouve acordo e o guarda chamado Joziel falou que se eles quisessem poderiam acionar a Justiça. Os agricultores registraram a ocorrência na Delegacia Civil de Santa Terezinha e aguardam providências.
O fato foi reforçado pelo vereador José Maria Pereira Barros (PSB), que conversou com o Olhar Direto nesta terça-feira (25). Ele acompanha as histórias do assentamento desde meados de 2008, e ajuda os moradores a lutarem pelos seus direitos.
“É difícil o diálogo com o pessoal [da fazenda]. Aquilo que eles relatam para a gente, tem coisa que acontece, eles comunicam para a gente, para o prefeito. O ser humano tem o direito de ir e vir em liberdade, as pessoas tem que respeitar isso. Teve uma situação que aconteceu esses tempos, eles colocaram dois quebra-molas sem autorização nenhuma, e lá passa o pessoal que recolhe o leite, aí deu problema em um veículo que busca a produção deles. Eles não retiraram os quebra-molas, mesmo nós do Poder Público pedindo, aí fomos lá e retiramos”, disse José.
Além dos agentes da empresa ATA, policiais militares do estado do Pará, que faz divisa com o município de Santa Terezinha, já invadiram o assentamento rural Pelissioli, após denúncias feitas pela fazenda São Sebastião. Um boletim de ocorrência de outubro de 2013, registrado na PJC de Vila Rica, traz o caso de ameaça, praticada pelos PMs.
“Segundo as vítimas, os policiais deram tiros a esmo e os algemaram, dizendo que estavam presos, pois estavam invadindo a fazenda a qual os policiais fazem a guarda. Após muitas humilhações e ameaças, os policiais disseram para as vítimas não voltarem mais no local e em seguida, os fotografaram. No momento em que as vítimas estavam saindo, os policiais disseram que era o último aviso e caso eles voltassem no local iriam morrer”, traz o boletim de ocorrência.
As 100 famílias que vivem na Gleba Pelissioli sonham com o dia em que não sofrerão mais ameaças e terão o direito reconhecido da moradia nos cerca de 5 mil hectares do assentamento. Para isso, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) de Mato Grosso, faz uma recomendação ao Governo para a realização de uma ação discriminatória/arrecadação da área da Gleba Pelissioli, para que seja destinada à política pública de Reforma Agrária.
A holding WLM Participações, detentora da Fazenda São Sebastião, que requer a reintegração de posse dos 4 mil hectares da Gleba Pelissioli, enviou a seguinte nota de esclarecimento sobre os fatos veiculados pela reportagem. O pronunciamento é do dia 1º de agosto, uma semana após a publicação desta matéria. Confira abaixo, na íntegra: