m uma das histórias em quadrinhos de Mauricio de Sousa, Magali tinha o dom de identificar os ingredientes de qualquer receita. Foi então que cientistas sequestraram a garotinha para que ela desvendasse a secreta fórmula da Coca-Cola. A comilona tentou driblar a situação, mas depois declarou: açúcar mascavo, pitanga, óleo de fígado de bacalhau, sal de frutas, extrato de jiló... Tudo mentira. E a fórmula desse refrigerante, que surgiu em 1886 em uma farmácia em Atlanta (EUA), permaneceu o segredo industrial mais bem guardado do mundo --mesmo presente em mais de 200 países.
Leia "A Decifradora de Sabores", de Mauricio de Sousa
Na semana passada, uma ação que envolvia cópia de receitas foi resolvida no Tribunal de Justiça de São Paulo. O restaurante Antiquarius acusou o A Bela Sintra, dois famosos lusitanos da cidade, por plágio de pratos. Em resposta, o tribunal decidiu que não existe propriedade intelectual de receitas de culinária típica, consideradas de domínio público.
Talvez por medo de cópias, guardar receitas a sete chaves tenha virado mania. E como mantê-las escondidas? A Bauducco, que pretende bater recorde de vendas neste ano e atingir a marca de 50 milhões panetones, tem rígida política de privacidade para resguardar a fórmula do bolo natalino.
"A massa madre foi trazida da Itália pelo fundador da marca, em 1952", diz Rodrigo Mainieri, 32, gerente de marketing. Desde então, é o mesmo processo de fermentação natural que dá origem aos panetones. "Cada fábrica tem uma sala dos bebês, onde ficam as massas que são alimentadas e se multiplicam durante o ano. Quando cresce, a massa é cortada e separada para entrar no processo industrial."
Todos os funcionários envolvidos na produção têm um termo de privacidade assinado com a companhia. Mas quem de fato tem acesso à receita é um grupo pequeno. Existe a possibilidade de a receita sair dos domínios da Bauducco? "Sempre existe, mas a questão que fica é: não basta ter a informação, tem de saber fazer. Até hoje, o senhor Bauducco faz provas na linha de produção para testar a qualidade do que está sendo feito."
Em empresas menores, o procedimento é semelhante. Celina Dias, que trouxe O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo ao Brasil, não arreda pé: todos os dias comparece à cozinha central. Somente os três sócios sabem como fazer o bolo, criado há 20 anos em Lisboa. "Nenhum funcionário conhece a receita inteira. Cada um sabe uma etapa da produção e todos têm um contrato de sigilo", afirma Celina. O processo de produção é segmentado, dividido em salas diferentes, para que a fórmula do doce se mantenha em segredo.
De uma cozinha centralizada, com capacidade para produzir 600 bolos por dia, saem os doces distribuídos para as franquias, que estão em expansão. A marca acaba de abrir um quiosque no shopping Higienópolis, ganhou um ponto de revenda em Recife e deve chegar, em breve, ao Rio de Janeiro, a Belo Horizonte, a Salvador e a Brasília.
No L'Entrecôte de Ma Tante, primeiro restaurante do padeiro Olivier Anquier, que serve apenas um prato, o segredo é o molho da carne. "Nosso menu tem um preparo simples. O que ninguém sabe fazer é o molho da minha tia Nicole. Fiquei em Paris trancafiado na cozinha dela para aprender a reproduzir", conta Anquier. "São mais de 30 ingredientes. Só posso falar duas coisas: não tem farinha nem creme de leite."
Na tentativa de fazer da casa-mãe um modelo para outras unidades, Olivier se preparou para resguardar a receita de família, que "nunca vai ser transmitida a ninguém, a não ser ao meu filho", diz ele. Montou uma cozinha-laboratório dedicada ao preparo do molho, cuja fórmula secreta só ele e um de seus sócios conhecem.
É de lá que o complemento do entrecôte deve sair para as demais casas. Segundo Anquier, a técnica de armazenamento ainda está sendo desenvolvida e, só depois, a casa poderá ganhar outras unidades.
Empresa familiar
Renata Saboia, dona da sorveteria carioca Mil Frutas ao lado de suas duas filhas, tem a mesma preocupação: manter a qualidade e o sigilo das receitas de seus gelados. Para isso, sua produção também está concentrada em uma pequena fábrica no Rio e abastece oito lojas por lá e duas em São Paulo.
"Acabamos de abrir uma no shopping Iguatemi, e a ideia é continuar mandando sorvetes a São Paulo. Mas nada me impede de, no futuro, fazer uma pequena fábrica aí", conta. Para driblar o problema das cópias, que a deixa "revoltada", abre suas receitas a apenas três funcionários de sua confiança.
Outro artifício é a alteração constante no processo de produção para sempre tornar os resultados melhores. Mais especiais são as receitas de família: "Temos um sorvete de pavê de chocolate que está na família há mais de 150 anos. Veio da França e minha bisavó já fazia".