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Sábado, 04 de maio de 2024

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Romance de Nikolai Leskov expõe a transformação de uma mulher comum em assassina

Lady Macbeth, personagem de Nikolai Leskov (1831-1895), é exatamente o que descreve o narrador logo nas primeiras linhas de "Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk" (lançamento da Editora 34, tradução de Paulo Bezerra, que assina também o posfácio): um desses seres que nos faz "sentir um tremor na alma" só de lembrar. Uma mulher que passa da submissão à vingança e da apatia ao ódio numa transição espetacular, de tirar o fôlego do leitor até a última das 81 páginas da narrativa.


É sim um livro pequeno, mas não necessariamente de leitura rápida. O autor russo, neto e bisneto de sacerdotes de um povoado das margens do Volga, foi um grande conhecedor do modo de vida da Rússia de seu tempo. Seu texto expressa esse conhecimento, e sua intimidade com tipos e entornos algo macabros. A leitura é, portanto, densa, surpreendente.

Dos grandes nomes da literatura russa, talvez Nikolai Leskov seja o menos conhecido no Brasil. Mas sua importância no panorama narrativo é indiscutível. Em "Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk", o autor usa o clássico narrador onipresente, que relata o que sabe, a partir de uma perspectiva fria, sem nenhuma compreensão emocional da trajetória que separa a imagem de uma heroína à de uma assassina cruel. O trabalho narrativo é tão precioso que foi tema de estudo de Walter Benjamin, em 1936, quando o ensaísta anunciou que a arte de narrar estava em vias de extinção. Depois de ler esse livro, sobra mesmo uma sensação de que o fim está próximo.

O enredo é simples: Catierina Lvovna é mulher de um comerciante, e vive enclausurada no seu próprio tédio ao lado do marido e do sogro numa casa tão enfadonha que, nas palavras do narrador, "é até uma alegria a gente se matar". Sem filhos, sem o marido (sempre ocupado com o trabalho), e sem um livro sequer para lhe fazer companhia, a mulher passa seus dias enlanguescendo na solidão, se desfazendo em bocejos. Surge então Serguiêi, o empregado recém chegado, de passado misterioso e beleza juvenil. Será seu amante e comparsa no futuro de crimes.

A chegada de Serguiêi e o primeiro contato com a morte ativam um novo gênio em Catierina, agora uma mulher altiva, determinada em seu projeto. Nada é limite. Nada a fragiliza a não ser a mínima possibilidade de afastamento do seu amante. Por mais impiedosa seja Lady Macbeth, segui-la em sua saga de paixão e crueldade faz nascer no leitor um sentimento muito próximo da empatia, embora a narração siga distante e sem identificações.

Até o desfecho trágico e surpreendente, nossa anti-heroína vivencia, em sonhos e em realidade, experiências que beiram o desequilíbrio e a possessão. Passa a ter visões, a ser assombrada por um gato fantasma, embora não lhe assombre o arrependimento. O leitor testemunha o nascimento de uma nova Catierina, para quem "não existia a luz nem a escuridão, nem o mal nem o bem, nem o tédio nem a alegria".
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