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Sexta-feira, 26 de julho de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

EUA: médicos receitam 4 mi de pílulas cardíacas não aprovadas

Médicos nos Estados Unidos escreveram mais de 4 milhões de receitas no ano passado para nitroglicerina, um medicamento para o coração posto sob a língua para reduzir a angina peitoral ou impedir um ataque cardíaco. Mas a maioria dos medicamentos vendidos não foi liberada para venda, nem teve sua segurança ou efetividade testada pela FDA, agência americana que faz o controle de medicações. E muitos médicos, que descobriram apenas na semana passada que farmácias estavam vendendo comprimidos cardíacos não autorizados, agora dizem que não podem saber se os pacientes passaram por sofrimentos desnecessários como resultado.


"Se não foi aprovado e ninguém testou, não podemos ter certeza se é seguro e eficaz", disse o dr. Harry M. Lever, cardiologista da Cleveland Clinic. Se pacientes com angina tomaram comprimidos de nitroglicerina precários e ineficazes, explica Lever, a dor pode não diminuir e o problema pode potencialmente progredir para um ataque cardíaco.

A FDA, que nos anos recentes adotou uma postura linha dura após décadas acumuladas de drogas não aprovadas, enviou, na semana passada, cartas de alerta para duas fabricantes de remédios ordenando a interrupção da comercialização de comprimidos não aprovados de nitroglicerina. Mas as drogas ainda estão sendo vendidas em farmácias enquanto a ordem entra em vigor.

As fabricantes do medicamento disseram que cumpririam a ordem, mas defenderam a segurança dos comprimidos. A FDA anunciou que não havia examinado a qualidade dos produtos que está tirando do mercado, mas que havia registrado antes problemas com outros produtos não aprovados de nitroglicerina. A agência aconselhou aqueles que tomam a nitroglicerina não aprovada a continuar o consumo dos comprimidos, mas também a consultar seus médicos para substituir suas receitas.

Cardiologistas prescrevem regularmente a nitroglicerina para aliviar a dor no peito associada à doença arterial coronariana. Posta sob a língua, a droga rapidamente se dissolve para o sangue, onde dilata a artéria coronária, diminuindo levemente a pressão sanguínea e reduzindo o esforço do coração.

Quando consumida durante um episódio inicial de dor peitoral, a nitroglicerina pode prevenir um ataque cardíaco em 3% a 4% dos pacientes, afirma o dr. Steven E. Nissen, cardiologista da Cleveland Clinic. O problema dos comprimidos não aprovados se origina de uma ambiguidade de longa data nas regras para medicamentos, cujo funcionamento antecede a criação da FDA em 1938. Apenas uma marca de comprimido de nitroglicerina é autorizada federalmente: a Nitrostat, fabricada pela Pfizer, no mercado desde 2000.

Muitos fabricantes de várias drogas, não apenas nitroglicerina, sustentam há muito tempo que seus remédios não precisam de análise da FDA, porque são drogas pré-1938. Mas a agência agora contesta essa interpretação das regas. Ela agiu no caso da nitroglicerina após estudar o assunto e se deparar com o grande volume de prescrições sendo feitas para versões não aprovadas. ¿Essas drogas são resquícios históricos¿, disse Michael Levy, diretor no Centro para Avaliação e Pesquisas de Drogas da FDA. ¿Farmácias provavelmente as confundem com remédios genéricos ou isentos de autorização, o que não é o caso."

Dos cerca de 4,4 milhões de receitas para comprimidos sublinguais de nitroglicerina no ano passado nos EUA, quase 80% foi preenchida com drogas não aprovadas, de acordo com dados da firma de pesquisa IMS Health. Renomados cardiologistas dizem ter ficado chocados ao saber que há anos seus pacientes podem estar tomando medicamentos cardíacos essenciais cuja segurança e potência não foram testadas pela FDA. ¿Fui pego de surpresa¿, disse o dr. Ralph G. Brindis, presidente da American College of Cardiology, uma associação profissional que representa quase 26 mil cardiologistas nos Estados Unidos.

O dr. Harlan M. Krumholz, professor de medicina na Escola de Medicina de Yale, disse que não havia lhe ocorrido que farmácias autorizadas pudessem estar aviando receitas com drogas não aprovadas. ¿Ninguém ensina isso na escola de medicina¿, disse ele.

Em 16 de março, a agência enviou cartas de alerta para duas grandes fornecedoras dos comprimidos não aprovados, Konec Inc., de Tucson, e Glenmark Generics Inc., de Mahwah (Nova Jersey), dando-lhes 90 dias para interromper a produção das drogas e 180 dias para acabar com as entregas.

Em resposta a perguntas da reportagem, um porta-voz da Glenmark Pharmaceuticals em Mumbai, Índia, companhia controladora da Glenmark Generics, enviou nota dizendo que a empresa pretende cumprir as diretivas da agência de interromper a fabricação dos medicamentos não autorizados. A nota dizia também que a carta de alerta não havia pedido um recall - uma ação imediata em que uma companhia remove do mercado seus produtos.

O presidente da Konec, Enrique Durazo, disse que a empresa conduz regularmente seus próprios testes laboratoriais para garantir que seus comprimidos de nitroglicerina tenham potência e estabilidade equivalentes às drogas de marcas aprovadas. Mas a companhia não realizou os testes humanos, chamados estudos de bioequivalência, exigidos pela FDA para autorizar medicamentos genéricos, afirma ele. A Konec agora planeja conduzir esses testes e buscar a aprovação como genérico.

A Pfizer, que segundo a IMS Health vendeu cerca de 900 mil prescrições de Nitrostat no ano passado, ampliou a produção do remédio e deve ser capaz de dar conta de toda a demanda do mercado nos Estados Unidos. Na farmácia CVS, o preço de um pacote com 100 comprimidos de 0,4 mg de Nitrostat é US$ 21,99; a mesma quantidade do produto da Glenmark custa US$ 19,99.

Como a FDA deu a Konec e Glenmark seis meses para continuarem comercializando seus comprimidos de nitroglicerina não aprovados, algumas grandes redes de farmácia anunciaram que planejam continuar com a venda. ¿Ainda temos o produto disponível¿, disse Robert Elfinger, porta-voz da Walgreens, que vende a nitroglicerina da Glenmark. ¿Não se trata de um recall.¿

Um porta-voz da CVS, que vende a droga da Glenmark desde o início de 2009, disse que a companhia cumpriria qualquer mudança de distribuição que a FDA exigisse. Medicamentos de nitroglicerina não devem ser confundidos com o ingrediente explosivo no dinamite. Mas mesmo na forma de droga, a nitroglicerina é uma substância química instável, a razão pela qual médicos afirmam que não podem ter certeza da potência das versões não aprovadas.

Além disso, como pacientes possuem respostas variadas, alguns cardiologistas afirmam que agora não têm como saber se vêm tratando seus pacientes com um produto inferior. Lever, da Cleveland Clinic, por exemplo, se lembra de uma paciente de cirurgia cardíaca que lhe disse que havia algo de errado com seus novos comprimidos. Eles não aliviaram sua dor no peito, lembrou o médico, e não causaram os efeitos colaterais que havia sentido anteriormente.

Ela, então, deu a Lever os comprimidos, um frasco da Glenmark. A Glenmark não respondeu as perguntas da reportagem sobre o assunto. Lever, que manteve o frasco na mesa de seu consultório desde então, se lembrou do episódio após saber da ação da FDA na semana passada. ¿Todo dia, enquanto escrevo uma receita", disse ele, "penso, 'o paciente terá o que precisa?'"
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