Olhar Direto

Sexta-feira, 03 de maio de 2024

Opinião

A PGR e a “sobra das sobras” no Mato Grosso

Tem causado grande repercussão, até porque pode alterar as atuais composições das casas legislativas federal e estaduais, a manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR), em resposta ao STF, sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7263, na qual se questionam os critérios para distribuição das sobras de voto expressos na Lei 14.211/21. O feito, ao qual vários partidos aderiram na qualidade de “amici curiae”, foi impetrado pelos partidos PSB e Podemos.

A Lei 14.211, nos dispositivos impugnados, estatui que, preenchidas as vagas legislativas pelos partidos ou federações que alcançaram o quociente eleitoral (QE), somente poderão concorrer às sobras de voto as siglas com votação de pelo menos 80% do QE e os candidatos que tenham votos de no mínimo 20% desse parâmetro, a chamada regra dos 80-20. O processo de alocação de vagas passou a consistir então de três etapas:

Na primeira etapa, as vagas são preenchidas apenas pelos partidos que atingiram o QE, de acordo com seus respectivos quocientes partidários. As vagas não ocupadas nesta etapa ficam para ser distribuídas por sobras de voto;

Na segunda etapa, as primeiras vagas por sobras são preenchidas pelo critério das maiores médias somente pelas siglas que atendem à regra dos 80-20.

Na terceira etapa, esgotadas as vagas alocadas às siglas com votação de pelo menos 80% do QE, e havendo ainda lugares remanescentes, estes serão ocupados pelos partidos detentores das maiores médias.

É para essa terceira etapa que aponta a mira contestatória das partes impetrantes. Em apertada síntese, os recorrentes entendem que nessa última etapa, chamada de “sobra das sobras”, poderão concorrer aos lugares remanescentes, pelo critério das maiores médias, todas as siglas que participaram do pleito, dispensadas as exigências da regra dos 80-20.

A manifestação da PGR foi pelo acolhimento da interpretação dos requerentes (apenas no que tange às sobras de voto, rejeitando supostas violações aos princípios da legalidade e da separação de poderes, argumentadas na inicial).

A partir desse documento, alguns órgãos da mídia mato-grossense têm veiculado que haveria mudanças no quadro de deputados federais eleitos em 2022 no estado, caso o STF dê provimento ao opinativo da PGR.

Tais notícias não procedem. Com efeito, no Mato Grosso, a terceira etapa do processo de distribuição de vagas por sobras sequer existe. Todas as 8 vagas foram preenchidas nas etapas primeira e segunda.

Na primeira, as siglas que alcançaram o QE ficaram com 3 vagas. Na segunda, as siglas que tinham votação de 80% do QE e candidatos com 20% desse parâmetro conquistaram as 5 vagas remanescentes, disputadas por sobras. Não restou mais lugares a preencher e, portanto, a manifestação da PGR não tem repercussão no Estado do Mato Grosso. 

De qualquer sorte, caso a Corte Máxima albergue o aludido Parecer, ensejaria inegável reparação às inúmeras distorções empíricas derivadas das normas impugnadas, bem como às ofensas perpetradas ao princípio da igualdade de chances, ao pluralismo político, à representação das minorias e aos fundamentos do sistema proporcional. 

Nessa esteira, cabe ao legislador ordinário, no termo parlamentar recém iniciado, ir além do Parecer da PGR e reinstaurar a plenitude da democratização das sobras de voto da reforma eleitoral de 2017 (Lei 13.488/17), que propiciou o direito de todas as siglas disputarem lugares no Parlamento ainda que não tenham alcançado o QE, sem impor qualquer restrição.


Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br
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