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Terça-feira, 30 de abril de 2024

Notícias | Cultura

Boatos e histórias de amor vivem na memória dos 68 anos do Cine Teatro Cuiabá

Quase doze anos de portas fechadas. Esse foi o tempo que o Cine Teatro Cuiabá permaneceu fora da vida cultural cuiabana. O tempo em desuso e a demora por reparos trouxeram danos às instalações e também fizeram se multiplicar as histórias e mitos sobre o lugar. Casos de amor, amizades, momentos de diversão e até histórias de arrepiar são lembras por aqueles que viveram os 55 anos em que o Cine Teatro foi o centro das ações culturais da capital. Mas no dia 21 de maio de 2009, o patrimônio histórico e artístico quase perdido recebeu novamente as luzes, as cortinas vermelhas e a atenção da platéia retomando novamente suas atividades em Cuiabá.


Ao longo dos anos, o Cine Teatro marcou inícios e fins de muitas histórias. Algumas de amor, outras de desavenças, superstições e sonhos. Os espetáculos cênicos e cinematográficos apreciados por alguns, também eram pretextos para sair um pouco de casa para outros. Em uma conversa engraçada, Dona Raimunda Novaes, 73 anos, dona de casa e bordadeira contou sobre um de seus namoricos, como ela mesma chama. “Para sair de casa a noite, só se fosse para ir ao Cine Teatro e olha que nem a noite era, mas sim no entardecer. Namorei muito aqui”, recorda. Entre risos ela tenta disfarçar o rosto corado e explica. “É muito bom lembrar, foi uns desses namoricos de quando a gente é moça”, explica. Dona Raimunda, antes de encerrar a conversa sobre suas lembranças, ainda ensaiou mais umas palavras sobre o que o Cine Teatro representava na vida dos jovens naquela época. “Se eu não me engano, algumas vezes soltavam uns fogos antes de começar as sessões e nós vínhamos assistir. Combinávamos com os amigos, era nossa diversão”, finaliza.

As sessões de cinema e espetáculos teatrais não influenciaram só a vida de Dona Raimunda. Dona Deise Creuza, 52 anos, que hoje trabalha na Secretaria de Estado de Cultura, ao lado do Cine Teatro também recorda o encontro com a telona. “Tenho uma saudade daqueles dias. Nas tardes de domingo nós reuníamos vários amigos para as sessões. Eu lembro exatamente de duas vezes que fui ao Cine Teatro. A primeira delas, quando eu tinha 12 anos, o Cine já tinha algum tempo funcionando. Nós assistimos a Mazzaropi naquele dia. Na última, ou em uma das últimas, passou Dança com lobos”, lembra com o olhar vago.

Mas as paredes do Cine, não têm só belas historias, também guardam boatos estranhos e histórias engraçadas que ao longo dos anos foram se propagando no boca a boca, como conta o professor Aníbal Alencastro. Seu Aníbal, como todos o chamam, é apaixonado por história e foi projetista no Cine Teatro durante muito tempo. Ele lembra que sempre ouvia comentários de que o espaço nunca voltaria a funcionar e que havia “coisas ruins” naquelas paredes. Entre um arregalar de olhos e várias risadas, lembra das prosas dos pedreiros que trabalhavam na reforma. “Eles falavam sobre umas paredes falsas e sobre o medo danado que sentiam. Mas acho que tudo isso era por conta dos boatos que já existiam naquele tempo”, exclama. Um pouco antes de o espaço ser definitivamente fechado, Seu Aníbal lembra que a programação ficou um pouco “desvirtuada” e não passavam mais os belos filmes costumeiros.

Esta fase, também é mencionada pela professora Joacira Bulhões Perrupato. Ela afirma que na época que estava à frente da Cultura do Estado, entre os anos de 1983 e 1987, a casa exibia alguns filmes “não merecidos”. “Nós não queríamos aquilo, mas não tínhamos como controlar a programação, porque havia uma concessão”, lembra chateada. Também nesta época, o Cine Teatro foi tombado como patrimônio histórico, em 1984. “Apesar de qualquer coisa que tenha acontecido, a importância cultural do Cine Teatro na vida da comunidade cuiabana, no passado e no presente, não pode ser esquecida”, afirma.

Buscando na memória mais fatos, Seu Aníbal encontra “artes” e “molecagens” dos “gaiatos” da época e com um sonoro: “ah, tem a história dos milhos!”, começa a descrever o acontecido. “Nos anos 50, os meninos aprontavam muito. Um dia alguns deles subiram no mezanino da casa com um saco de milho e de lá arremessavam os grãos. Quando caiam nas poltronas de madeira os grãos faziam barrulho e então eles gritavam: está caindo! Todos saíram correndo, até nós, os funcionários. Foi preciso esclarecer na Rádio a mentira e o que tinha acontecido realmente”, conta com uma boa gargalhada. O professor lembrou também de outras “peraltices” como as bombinhas caseiras feitas pelos meninos e as sessões às 21 horas, onde “todos só queriam namorar e não prestavam a menor atenção nos filmes”.

Seu Aníbal guarda muitas histórias do Cine Teatro, assim como Dona Marisa Marques, de 51 anos, que voltou a frequentar a casa em março deste ano. Ela veio assistir à peça O Púcaro Búlgaro e ao chegar ao Cine foi logo procurar um dos funcionários da casa e emendou em palavras rápidas sobre como aquele lugar lhe trazia boas lembranças. “Eu vinha aqui com minhas amigas quando era criança e depois quando era mais mocinha. Víamos filmes e comíamos tanta pipoca! São boas recordações e é muito bom voltar”, afirma. Dona Marisa para não esquecer o momento, ainda insistiu por uma foto que registrasse a noite “de doce melancolia”, como ela mesma descreve sua volta ao Cine.

Em cada canto de Cuiabá e na voz de muitos cidadãos outros fatos e boatos sobre o Cine Teatro Cuiabá também vivem, é o que observa a Diretora Artística do espaço, Paula Naves. Ela vê no retorno das atividades da casa uma oportunidade de entender as expressões culturais da antiga Cuiabá. “Ouvir e ler as histórias que se desdobram sobre o Cine Teatro Cuiabá me faz viver uma riqueza de sentidos que constrói o meu entendimento sobre as relações sociais ocorridas no Cine Teatro. Além de nos trazer nostalgia, essas relações são (re)construídas novamente, desta vez, não só com a sociedade da década de 40 a 80, mas junto as novas gerações, o que significa, que além do que nos conta os personagens deste espaço de platéia, há a certeza de que as histórias continuam sendo construídas, como em um lindo movimento de um corpo de baile...e a arte continua...e a historia se (re) faz”, finaliza.

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