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Sexta-feira, 03 de maio de 2024

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Distorção no edital de concessão da Sanecap penaliza usuários e a Prefeitura

O edital de concessão do serviço de água e esgoto da capital tem sido alvo de questionamento de vários segmentos da sociedade. Até o momento, o prefeito Chico Galindo vem agindo coerentemente com a prática de quem deseja “fazer a coisa certa” e acatou inúmeras sugestões ao processo.


O Turma do Epa! foi o primeiro veículo de comunicação a assumir posição editorial favorável à concessão do serviço para exploração privada. Quando quase toda a imprensa bombardeava a ideia do atual prefeito, no mês de julho deste ano, o site veio a público e expôs de maneira clara aos leitores os argumentos em defesa da proposta.

A despeito da posição apontada no parágrafo anterior, favorável ao processo, assumimos compromisso com os leitores de analisar amiúde o edital para garantir a aplicação de um dos princípios basilares do sistema capitalista: a igualdade de concorrência. Assim o fizemos. Nos debruçamos sobre o árido edital e ainda o submetemos à apreciação de técnicos independentes. Anotamos um detalhe primordial que até agora não havia aparecido como alvo dos questionamentos.

Deparamos com uma distorção capaz de prejudicar os usuários e a própria municipalidade caso a Prefeitura leve a cabo a licitação que tem o dia 22 de Dezembro como data para abertura das primeiras propostas. Vamos apontá-la para que a autoridade pública possa corrigir o equívoco a tempo de efetivar o processo e garantir a melhoria na prestação do serviço básico à população. Ressaltando que, na análise dos técnicos independentes, se não forem realizados investimentos imediatos, todo o sistema está em risco de entrar em colapso nos próximos dois anos.

Vamos demonstrar a seguir que a sistemática definida em edital para escolha do vencedor da licitação não privilegia o usuário, portanto, foge do sentido de buscar o interesse público e a melhor oferta para o município.

O item 100 do Edital define que a classificação das propostas se dará por cálculo da pontuação final, com base nas notas das propostas técnica e comercial, com peso sete (7) e três (3), respectivamente. A fórmula fica assim: NF = 7 (NT) + 3 (NC). Onde: NF = Nota Final; NT = Nota da PROPOSTA TÉCNICA e NC = Nota da PROPOSTA COMERCIAL.

O julgamento das propostas técnicas dos concorrentes é abordado no item 83 do Edital, que remete para o Anexo III do processo, contendo Informações para Elaboração da Proposta Técnica. A composição dos quesitos demonstra que as notas serão aplicadas sobre itens objetivos, mas abre brecha para que a atribuição da Nota Técnica dos licitantes se dê de modo subjetivo, por meio de análise a cargo dos membros da Comissão de Licitação. Por mais capazes e íntegros que sejam, são agentes políticos sujeitos a suspeição.

O mencionado Anexo III (Proposta Técnica) condiciona que o concorrente será prontamente desclassificado caso deixe de apresentar proposta ou obtenha nota zero em quaisquer dos dez itens listados e também na hipótese de conseguir nota inferior a 70 pontos no somatório geral. A nota será resultado do cálculo da média aritmética dos dez tópicos indicados, conforme a seguinte fórmula: NT = P1 + P2 + P3 + P4 + P5 + P6 + P7 + P8 + P9 + P10.

Os dez itens elencados para obter a NT são: 1) Conhecimento do sistema de abastecimento de água existente; 2) Conhecimento do sistema de esgotamento sanitário existente; 3) Diagnóstico da Operação e Manutenção; 4) Conhecimento das condições populacionais, sociais e econômicas do Município; 5) Identificação dos problemas críticos; 6) Plano de Trabalho; 7) Plano de Trabalho com as ações e obras para melhorias operacionais e de ampliação; 8) Previsão de insumos operacionais necessários; 9) Implementação e 10) Estrutura organizacional e dimensionamento de recursos humanos.

Obs: Disponibilizamos abaixo, para download, cópias do Edital e do Anexo para conhecimento e/ou checagem do que se afirma aqui.

A desproporção de peso entre as propostas Técnica (nota 7) e Comercial (nota 3), invariavelmente, coloca em risco a lisura do processo e pode levar a distorções a ponto da proposta mais cara de tarifa sair vencedora e da mais barata ser derrotada.

Por se tratar de assunto técnico que envolve cálculos aritméticos nós simulamos algumas situações possíveis para facilitar o entendimento do leitor que não seja versado nesse terreno árido para muitos.

Vamos considerar quatro (4) licitantes no processo, onde todos obtenham nota acima do mínimo necessário para a classificação, habilitando-se para a fase seguinte de apresentação dos envelopes para a proposta comercial. Por hipótese, os licitantes teriam as seguintes Notas Técnicas (NTa):

Empresa A: NTa = 70
Empresa B: NTa = 80
Empresa C: NTa = 90
Empresa D: NTa = 100

Avançaremos agora para a Nota da Proposta Comercial (NC). O item 93 do Edital (anexo para download no final deste texto) estabelece que o julgamento será feito atribuindo 100 pontos para a Proposta Comercial de menor valor e 80 pontos para o licitante que apresentar o maior valor. A referência para as propostas é o coeficiente de tarifas K estabelecido pelo licitante (Prefeitura). A partir deste indicador os concorrentes devem apresentar um percentual de desconto como proposta comercial. Para as demais propostas que oscilarem entre as notas 100 (máxima) e 80 (mínima) será aplicada a seguinte fórmula: NC = 80 + 20 x [ 1 – ( Ki – Vm ) / ( 1 - Vm ) ], Onde: NC = Nota Comercial da LICITANTE; Ki = Valor do coeficiente de tarifas K ofertado pela LICITANTE e Vm = Mínimo valor do coeficiente de tarifas K ofertado.

Vamos, novamente por hipótese, considerar a que as mesmas quatro licitantes tenham ofertado os seguintes descontos na tarifa (coeficientes K), e simular qual seria sua nota da proposta comercial de cada uma:

Empresa A: 25% de desconto => Ka = 0,75 => NCa = 100
Empresa B: 20% de desconto => Kb = 0,80 => NCb = 96
Empresa C: 10% de desconto => Kc = 0,90 => NCc = 88
Empresa D: 0% de desconto => Kd = 1,00 => NCd = 80

O leitor pode observar que a Empresa A ofereceu o maior desconto para estabelecimento da tarifa e a Empresa D apresentou o maior preço, sem nenhum desconto. Vamos comparar e demonstrar como vai ficar a Nota Final (NF) de cada uma das hipotéticas concorrentes.

O julgamento final e a classificação das propostas são regidos pelo item 100 do Edital, que leva em consideração as notas da proposta técnica (NTa) e comercial (NC) que, conforme dito anteriormente, estabelece peso sete (7) e três (3), respectivamente, de acordo com a seguinte fórmula: NF = 7 (NT) + 3 (NC), onde: NF = Nota Final; NT = Nota da PROPOSTA TÉCNICA e NC = Nota da PROPOSTA COMERCIAL.

Aplicando a fórmula ao nosso esquema hipotético das quatro licitantes, o resultado final, pasme, será o seguinte:

Empresa A: NFa = 7xNTa + 3xNCa = 790 (4ª classificada)
Empresa B: NFb = 7xNTb + 3xNCb = 848 (3ª classificada)
Empresa C: NFc = 7xNTc + 3xNCc = 894 (2ª classificada)
Empresa D: NFd = 7xNTd + 3xNCd = 940 (1ª classificada) => vence licitação

Repare no tamanho da contradição: o município será obrigado a contratar com a empresa que não ofereceu nada de desconto na tarifa, mas obteve nota máxima na proposta técnica (de análise subjetiva pela Comissão), enquanto a concorrente que ofertou 25% de desconto no preço a ser pago pelo usuário acabará como a quarta colocada no certame.

É uma distorção gritante. Ao invés de priorizar o melhor preço e buscar o interesse público e a modicidade tarifária, o edital de licitação dos serviços de água e esgoto de Cuiabá acaba dando maior peso e relevância à proposta que depende da capacidade de análise e compreensão dos membros da Comissão de Licitação. Ao aplicar peso desproporcional entre os resultados das propostas técnica (7) e comercial (3), o licitante (Prefeitura) faz com que a Nota Técnica acabe definindo o vencedor.

Pior, pois o certame tem fases distintas, prevendo primeiramente a classificação das NT e, depois, a apresentação dos envelopes com a proposta comercial. Dependendo do primeiro resultado, o concorrente que obtiver a melhor NT saberá calcular quanto precisará aplicar de desconto na proposta comercial para não ter o menor risco de perder a disputa.

O empresário capitalista é um animal em busca de lucro. E é correto e lícito que aja assim. O freio tem que ser aplicado pelo poder público. Quando o próprio licitante (Prefeitura) cria a distorção, o risco de prejuízo é iminente, tanto para o município quanto para a população.

Turma do Epa! entende que o Edital precisa ser imediatamente revisto para garantir equilíbrio na disputa, evitando ao máximo os critérios subjetivos, buscando sempre priorizar o melhor preço entre as empresas e/ou consórcios classificados tecnicamente.

A privatização da Sanecap se faz necessária, sob pena do sistema todo entrar em colapso no prazo de dois anos caso não haja novos investimentos no setor de distribuição de água e coleta de esgoto. Mas, por se tratar de um negócio avaliado em R$ 6,6 bilhões, cujo contrato vai vigorar pelos próximos 30 anos, não pode ser conduzido de modo açodado e nem distorcido, deixando sob suspeita o vencedor e as autoridades condutoras do processo.

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