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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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20 mortes em 2018

Manuela D’Ávila defende que Estado ‘se meta’ nas discussões familiares em debate sobre o feminicídio

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

Manuela D’Ávila defende que Estado ‘se meta’ nas discussões familiares em debate sobre o feminicídio
Com vinte cadeiras reservadas às mulheres assassinadas somente em 2018 em Mato Grosso, a audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira (2) no Teatro Zulmira Canavarros, anexo à Assembleia Legislativa do estado, reuniu estudantes de escolas e universidades, professores, e demais interessados para discutir e debater propostas para acabar com o feminicídio no estado. Dentre as presentes na mesa, a pré-candidata Manuela D’Ávila (PCdoB) fez um longo discurso, lembrando, principalmente, que só estava ali porque sobreviveu, em primeiro lugar, e sugerindo que se discutisse o tema na educação básica.


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“[Para] os meninos que me dizem, quando eu faço debate em escolas, que nunca tinham pensado que o certo não era calar a boca da mãe com tapa na cara, faz diferença. Então, sim, eu não tenho medo de dizer: nós queremos nos meter nas famílias. Porque a história das legislações tem relação com isso. Nós nos metemos nas famílias quando dizemos que as crianças são obrigadas a estudar (...) Nós nos metemos na família quando a gente diz que o menor não pode beber, que o menor não pode trabalhar, que o menor não pode ser agredido fisicamente dentro de casa (...) o Estado serve pra se meter, gente, se vocês não se deram conta, é pra isso que serve”, afirmou.

Manuela D'Ávila (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Manuela compôs a mesa junto ao advogado Eduardo Mahon, à antropóloga Flávia Serra, a ex-reitora da UFMT Maria Lúcia Neder, a presidente do Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune), Antonieta Costa, à delegada Ana Cristina Feldner, a defensora pública Rosana Leite, a promotora Lindinalva Rodrigues, o juiz Jamilson Haddad Campos, o deputado Allan Kardec, a deputada Janaína Riva, organizadora do evento, dentre outros.

A pré-candidata iniciou seu discurso apontando a criação sexista que todas as crianças recebem desde a gestação, mesmo com a escolha do enxoval e dos brinquedos, como a causa inicial da violência contra a mulher. Em uma longa fala, explanou sobre os ‘papeis sociais’ impostos a cada um, e sobre a necessidade de uma educação pela diversidade. “Às vezes me falam, mas os nossos jovens mal aprendem operações básicas da matemática e língua portuguesa, tu quer falar sobre o direito da mulher? Quero. Porque pra mim, a vida da Izabel [Aparecida do Amaral] é mais importante do que crase. Eu não cheguei até aqui porque eu sei crase e o uso dos porquês. Também é por isso, claro, mas eu cheguei até aqui porque eu sobrevivi, em primeiro lugar. Porque eu sabia que eu podia falar alto quando eu quisesse falar, e porque ninguém iria calar a minha boca. Então, sim, operações básicas, divisão, multiplicação, estruturam a nossa possibilidade de futuro, mas nós mulheres precisamos estar vivas pra isso. E pra mim, a nossa vida, do ponto de vista hierárquico, a vida das trans, a vida da população LGBT, dos negros, é mais importante do que matemática e do que português. Porque pra nós aprendermos matemática e português e servirmos ao Brasil, nós precisamos estar vivas”.

Jamilson Haddad, Juiz da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, também pediu por uma educação pela diversidade. Lembrado que uma a cada três mulheres já sofreram violência somente por ser mulher, e que mais de doze mil processos que correm em Cuiabá são destes casos, ele foi além: “Nós temos outras questões que são importantes, mas primeiro vem a educação. As outras quais são? A lei Maria da Penha, projetos de tratamentos de agressores (...) que é importante pra que eles entendam que estão inseridos nessa cultura machista, pra que eles entendam que nada justifica essa violência, e também nós temos o ‘Revive’ (...) para acolher, tratar e dar guarita a essas mulheres vítimas de violência doméstica. Nós participamos nessa preocupação em relação ao Revive, e nós precisamos trazer essa referência no atendimento aqui para Cuiabá. Isso são questões que efetivam o combate à violência doméstica”.

A ‘Rede Reviver’ é uma rede e cuidados no enfrentamento à violência doméstica e sexual criada no Acre para dar apoio e padronizar um atendimento para uma mulher nessas situações. De acordo com a agência Acre, ela “é fruto do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, um acordo entre o governo federal e os Estados para implementar políticas públicas para garantir a prevenção e o combate à violência, a assistência e a garantia de direitos às mulheres”.

Quem também pediu por uma rede deste tipo foi a promotora Lindinalva Rodrigues, que afirmou que Cuiabá é a única capital do país sem um centro de referência como estes, o que ela chamou de ‘frustrante’, já que “(...) grande parte das vítimas não quer simplesmente um processo penal. Ela quer ser ouvida, ela quer que seu companheiro seja encaminhado para um tratamento de desintoxicação de álcool e drogas, ela quer fazer um curso de capacitação para ser reinserida no mercado de trabalho, e hoje a única porta de entrada que essas mulheres possuem é a delegacia de polícia, que atende de forma precária, sem o número de servidores necessários, e que muitas vezes tem que pegar senha para serem atendidas a posteriori. Me digam vocês, qual das vítimas voltaria a acreditar no sistema de justiça se recebesse essa senha ao invés de atenção imediata que a Lei Maria da Penha diz que todas nós mulheres temos direito?”.

Lindinalva Rodrigues (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

A promotora também fez questão de lembrar que a própria Delegacia da Mulher se encontra em condições precárias. “Eu luto hoje por políticas públicas básicas, como uma delegacia de polícia reformada. Tem dez anos que Dra. Josilete pede para que reformem a delegacia da mulher e lhe dêem estrutura de trabalho. Tiraram a Dra. Josi e sua equipe diminuta do local, alugaram o local e abandonaram a reforma. Nós precisamos dessa delegacia funcionando, e 24 horas, porque a maioria dos casos acontece nos finais de semana e feriados. Nós precisamos ter implementado um projeto, que já existe, de autoria da Deputada Janaina Riva, para termos verdadeiramente a patrulha Maria da Penha na nossa cidade, e isso não custa nada! Apenas capacitar parte dos policiais militares para atender apenas as ocorrências de violência doméstica e acompanhar a aplicação das medidas protetivas. Nós precisamos que finalmente o estado nos olhe e nos enxergue”.

Eduardo Mahon, advogado criminalista, abordou em sua fala uma série de números que chamam atenção, sobre, por exemplo, os salários menores das mulheres em todos os cargos, os altos índices de mortalidade infantil entre indígenas, e culminou para a violência contra travestis e transexuais. Para ele, seria necessário alterar a lei do Feminicídio – já existente – para proteger também às mulheres não cis. “(...) após o grande avanço que a Lei Maria da Penha alcançou, surge agora o delito de feminicídio – uma outra medida legislativa de proteção especial. Visa proteger as mulheres, especificamente. O legislador infelizmente limitou-se às mulheres, não abrangendo as travestis. Ainda que as travestis tenham conquistado o direito de serem identificadas pela aparência social, da minha ótica, ainda falta serem contempladas especificamente pelo estatuto penal como vítimas especiais, alargando o dolo específico contra “mulher” para “contra alteridade sexual”, de forma a proteger o crossdresser, transexuais, travestis, gays, bissexuais etc. Uma palavra técnica, se me permitem: o novo inciso do art. 121 é definidor: “contra mulher” e, depois, o complemento: “por razões da condição de sexo feminino”. Não se utiliza a partícula alternativa, na qual haveria repercussão completamente diferente – contra mulher “ou” contra quem se vale da condição sexual feminina. Neste caso, o problema estaria resolvido, desde logo. O parágrafo 2º explica ainda melhor o contexto do feminicídio nas duas hipóteses já descritas: violência doméstica ou menosprezo da condição de mulher. Portanto, sem qualquer dúvida, a legislação está adstrita à mulher ou, no máximo, à transexual que se tornou mulher, obviamente. Não trata daqueles que se comportam, se vestem, vivem socialmente como mulheres, o que é uma pena, em nosso ponto de vista”.

Eduardo Mahon (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

De acordo com a assessoria da deputada Janaína Riva, tudo o que foi falado na Audiência será analisado e revertido em políticas públicas voltadas para a proteção da Mulher. Foram assassinadas em 2018 em Mato Grosso:

Kelly Cristina Lopes de Morais, Rosineide Maria de Sousa, Célia Cristina Ferreira, Edilene Coelho Santos, Maria Lopes dos Santos, Silvani Maria de Souza Menacho, Vanessa Tito Poquiviqui Ramos, Débora Pereira da Silva, Izabel Aparecida do Amaral, Viviane da Silva Ângelo, Rosidelma Cândido de Souza, Valira Ferreira, Giovana Sinopoli, Daniela de Oliveira Correa, Luzinete Soares de Oliveira, Meirieli Santiago, uma mulher identificada como Antônia, outra como Fátima, Nilde Silva e Andreia Dias.

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto
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