Olhar Direto

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Opinião

Os dois cenários

A postura ambígua do Presidente Jair Bolsonaro em relação ao enfrentamento do Covid- 19 no Brasil tem gerado muitas polêmicas. De um lado, seu governo vem adotando medidas de contenção focadas nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos profissionais do próprio ministério respectivo. De outro, o presidente condena as práticas de isolamento social aplicado de forma horizontal, alcançando o máximo possível de pessoas e lembra sempre do custo econômico e social que isto pode acarretar. Destaca sempre o desemprego elevado e sugere o isolamento vertical, protegendo grupos de risco.

Bolsonaro puxou a condução da crise para si, ao demitir o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta no último dia 16/04 e nomear alguém da sua cota pessoal como o oncologista Nelson Teich. De qualquer modo ela já estava muito próxima dele, como mandatário maior do país. Optou por reduzir as tensões entre ele e o ministério ao nomear alguém alinhado.

Esta postura dupla é geradora de grande risco. Mas, a meu ver, Bolsonaro está se posicionando e organizando narrativa para os dois principais cenários possíveis de evolução do Covid-19 no Brasil. Lembro a todos que discurso é uma mercadoria importantíssima para qualquer político. Em política falar equivale a fazer, uma vez que a mera palavra já municia de argumentos aqueles que defendem o político e polariza o debate com os que lhe são contrários.

No caso específico de Jair Bolsonaro esta regra é mais verdadeira ainda. Basta observar que boa parte do seu eleitorado mais devoto, chamado de “bolsonarismo heavy” pelo Datafolha e estimado em cerca de 15%, é motivado pelo voto de opinião. Votam porque concordam com os posicionamentos políticos dele. Desta forma, ao se manifestar nas mídias sociais e outros meios, ele está saciando a demanda deste eleitorado, que constitui a base de seu edifício político.

Portanto, ele está com discurso político montado para os dois cenários, pelo fato de continuar sinalizando para dentro e para fora do sistema partidário. Se o Covid-19 fugir do controle no Brasil e fizer um número elevado de vítimas, ele poderá dizer que o seu governo tomou todas as medidas cabíveis e necessárias para gestão da crise, mesmo que ele divergisse de algumas delas e “tensionasse por dentro” de sua própria equipe. Mesmo crítico a elas ele não impediu que fossem executadas na área da saúde e ainda editou diversas medidas provisórias sobre temas econômicos, que deram uma condição melhor para a travessia dos cidadãos e empresas. Além disto, Estados e municípios tiveram ampla liberdade para implementarem as suas respectivas ações, de acordo com a autonomia constitucional que dispõem.

E se o Covid-19 mantiver o ritmo atual que vem demonstrando no Brasil e não fizer muitas vítimas, ele poderá dizer que sempre considerou decisões de isolamento como inadequadas. Advertiu por diversas vezes que o comércio não precisaria ficar fechado do modo como ficou, em função da queda de produção. Os custos sociais seriam muito altos e talvez maiores do que os danos trazidos pelos efeitos do vírus na saúde.

Ou seja, ele está se comportando para conseguir se justificar junto aos eleitores de forma geral em qualquer dos cenários. Isto é muito importante, já que devemos ter uma queda de PIB expressiva neste ano. Elas costumam vir acompanhadas de reduções também na popularidade presidencial, que seguramente aumentam as pressões sociais e políticas sobre os governos de plantão. Ao adotar uma postura dupla, ele está se organizando para resistir a elas e sobreviver como um ator político importante pelo menos até a eleição de 2022.





Vinicius de Carvalho é gestor governamental, analista político e professor universitário.










 
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