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Terça-feira, 01 de outubro de 2024

Opinião

Medida protetiva de urgência à mulher vítima de violência doméstica independe da citação do agressor

Medidas protetivas de urgência são providências previstas nos arts. 22 a 24 da Lei no 11.340/2006 e aplicadas para proteger as mulheres vítimas de violência doméstica.

Para aplicar-se a Lei Maria da Penha, NÃO se exige demonstração de hipossuficiência ou de vulnerabilidade da mulher agredida.

A situação de vulnerabilidade e fragilidade da mulher, nas circunstâncias descritas pela Lei no 11.340/2006, se revela ipso facto, ou seja, pelo simples fato de estar previsto na Lei.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei no 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar.

É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir.

Para a incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra:

a) de ação ou omissão baseada no gênero;

b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; tendo como consequência:

c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial.

Desse modo, a Lei presume de forma absoluta a hipossuficiência da mulher, exigindo que o Estado ofereça proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente.

Em nenhum momento o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração, no caso concreto, da hipossuficiência ou subjugação da mulher.

As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha têm natureza jurídica de cautelares penais e, por isso, devem ser analisadas à luz do Código de Processo Penal, logo não há falar em citação do requerido para apresentar contestação, tampouco em decretação da revelia, nos moldes da lei processual civil.
 Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

 A citação e a aplicação dos efeitos da revelia são incompatíveis com a Lei Maria da Penha e as regras processuais penais. A Lei no 11.340/2006 em seus arts. 18 e 24, ao tratar das medidas protetivas, não fala em citação, mas apenas em intimação e notificação, haja vista que não há a intenção de chamar o requerido ao processo para se defender de algo.

Não há previsão de procedimento específico para concessão das medidas protetivas de urgência, restringindo-se a lei a determinar, em seu art. 18, que caberá ao juiz, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida, no prazo de 48 horas, decidir sobre as medidas protetivas, entre outras providências. Dessa feita, não cabe a instauração de um processo, com citação do requerido para ciência e contestação, sob pena de decretação de sua revelia, nos moldes do estabelecido na lei processual civil.

Aplicável, sim, o regramento do Código Processual Penal que, em caso de risco à efetividade da medida, determina a intimação do suposto agressor após a decretação da cautelar, facultando-lhe a possibilidade de manifestar-se nos autos a qualquer tempo, sem a aplicação dos efeitos da revelia.

O parágrafo único do art. 21 também reforça a não adoção do regramento previsto no CPC, porquanto determina que “a ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor”, nada mencionando sobre citação.

Portanto, deve-se aplicar às medidas protetivas de urgência o regramento previsto pelo Código de Processo Penal no que tange às medidas cautelares. Dessa forma, não cabe falar em instauração de processo próprio, com citação do requerido, tampouco com a possibilidade de decretação de sua revelia em caso de não apresentação de contestação no prazo de cinco dias. Aplicada a cautelar inaudita altera pars, para garantia de sua eficácia, o acusado será intimado de sua decretação, facultando-lhe, a qualquer tempo, a apresentação de razões contrárias à manutenção da medida.

 As medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da Lei Maria da Penha têm natureza jurídica de cautelares penais e, por isso, devem ser analisadas à luz do Código de Processo Penal, logo não há falar em citação do requerido para apresentar contestação, tampouco em decretação da revelia, nos moldes da lei processual civil.

Ainda vale lembrar que, as medidas protetivas impostas pela prática de violência doméstica e familiar contra a mulher possuem natureza satisfativa, motivo pelo qual podem ser pleiteadas de forma autônoma, independentemente da existência de outras ações judiciais.

Além disso, não se aplica o art. 308 do CPC/2015, que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de trinta dias, à medida protetiva de alimentos deferida com fundamento na Lei n. 11.340/2006, que possui natureza satisfativa, e não cautelar.

Como visto, as medidas protetivas possuem a natureza jurídica de medidas cautelares (cíveis ou penais, a depender da medida).

Logo, não exigem ação penal em curso para que sejam requeridas.

As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor.

As medidas de urgência de natureza de cautelar cível satisfativa não exigem instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal.

Oportuno destacar ainda que, a competência para a persecução penal de crimes praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher é do Juízo do local dos fatos; se, posteriormente, a vítima requerer e obtiver medidas protetivas de urgência no Juízo cível de seu

 novo domicílio, não ocorrerá prevenção nem modificação de competência para a análise de feito criminal.

Oportuno destacar ainda à sociedade que o Código de Processo Penal e a Lei Maria da Penha não fixam prazo para a vigência das medidas protetivas de urgência, entretanto sua duração temporal deve ser pautada pelo princípio da razoabilidade, pois não é possível a eternização da restrição a direitos individuais. É ilegal a fixação ad eternum de medida protetiva, devendo o magistrado avaliar periodicamente a pertinência da manutenção da cautela imposta

 As medidas protetivas de urgência possuem o caráter de cautelaridade, isto é, devem vigorar apenas enquanto forem necessárias ao processo e a seus fins (STJ. 6a Turma. AgRg no REsp 1.769.759/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 14/05/2019).

Sendo assim, as medidas protetivas possuem indiscutivelmente um caráter provisório, ainda que essa provisoriedade não signifique, necessariamente, um prazo previamente definido no tempo, até porque se mostra imprescindível que a proteção à vítima perdure enquanto o risco recair sobre ela, de forma que a mudança ou não no estado das coisas é que definirá a duração da providência emergencial.

Pelo fato de as medidas protetivas terem essa natureza provisória, “a manutenção de toda e qualquer medida protetiva de urgência depende da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo.

Desaparecido o suporte fático legitimador da medida, consubstanciado pelo fumus comissi delicti e pelo periculum libertatis, deve o magistrado revogar a constrição”
Consta enunciado que dec;raa: É indevida a manutenção de medidas protetivas de urgência na hipótese de conclusão do inquérito policial sem indiciamento do acusado. Contudo, em razão da Lei 14.550/2023, que acrescentou o § 5o ao art. 19 da Lei 11.340/2006, o tema encontra- se superado, vejamos:

Art. 19 (...)
§ 5o As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.

 Não é possível a aplicação de penas restritivas de direito para os crimes cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. O STJ pacificou o entendimento de que não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico.

O STJ editou a súmula 588 para espelhar essa sua posição consolidada:
Súmula no 588 do Superior Tribunal de Justiça: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

O crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência é crime. A Lei no 13.641/2018 incluiu o art 24- A na Lei Maria da Penha (Lei no 11.340/2006) um tipo penal específico para a conduta de descumprimento de medidas protetivas de urgência, cujo a pena é de detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

Ainda, o descumprimento de ordem judicial que impõe medida protetiva de urgência em favor de vítima de violência doméstica autoriza decretação da prisão preventiva desde que presente seus requisitos autorizadores, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Ademais, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a custódia provisória é cabível para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, conforme dispõe o art. 313, III, do CPP.

 Desse modo, o descumprimento de medidas protetivas de urgência anteriormente impostas, a jurisprudência aplica esse inciso III do art. 313 do CPP, autorizando a prisão preventiva, conforme as hipóteses do art. 31 do CPP. Constitui fundamento idôneo à decretação da custódia cautelar a necessidade de resguardar a integridade física e psicológica da vítima que se encontra em situação de violência doméstica. Por isso, o STJ entende que:

O descumprimento de ordem judicial que impõe medida protetiva de urgência em favor de vítima de violência doméstica autoriza decretação da prisão preventiva.

Anna Rute Müller é advogada, especializada em Direito Penal e Direito do Processo Penal, oferta Palestras Empresariais e Educacionais – treinamento de Lideres e times, é socia do escritório Daniel Mello dos Santos.
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