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Quinta-feira, 14 de novembro de 2024

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tradicional entre cuiabanos

40 anos: Bar do Jorge começou com cervejas carregadas em bicicleta e foi pioneiro ao servir 'véu de noiva'

Foto: Reprodução

40 anos: Bar do Jorge começou com cervejas carregadas em bicicleta e foi pioneiro ao servir 'véu de noiva'
A bicicleta usada por Policarpo Ramos da Conceição, o “Nhô” para buscar caixas de cerveja em uma distribuidora do bairro Bandeirantes, em Cuiabá, e levar para o bar Cabeça de Boi (ou Bar do Jorge, como seria chamado anos depois), no bairro Duque de Caxias, enfeita uma das paredes do estabelecimento que agora é administrado pela terceira geração da família. Em um caixote de madeira, ele colocava as garrafas entre palha de arroz e gelo, para que elas não esquentassem durante o trajeto. 


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Até que cultivasse uma boa amizade com o dono da distribuidora, que passou a entregar as bebidas, ele precisou fazer o trajeto para garantir as cervejas vendidas no bar. Na época, o estabelecimento ficou conhecido pelas cabeças de boi, que eram feitas por um vizinho, e degustadas com as cervejas vendidas no bar. 

Policarpo faleceu aos 91 anos de covid-19, no ápice da pandemia, em 2020. Jorge Luiz Gomes Conceição, de 61, se emociona quando começa a falar do pai, responsável por iniciar o empreendimento que hoje é a principal fonte de renda dele, da esposa, dos três filhos e três netos.

Por conta da gravidade do cenário pandêmico, a família não conseguiu se despedir de Nhô. Ele foi internado em estado grave no Hospital São Benedito, em Cuiabá. Mesmo idoso, ele continuou comandando o próprio bar na Passagem da Conceição, em Várzea Grande. Jorge lamenta que recebeu apenas uma sacola com os itens pessoais do pai, que faleceu por conta da doença. 

Bicicleta virou uma das "relíquias" do bar depois de ser restaurada por genro de Jorge. (Foto: Arquivo pessoal)

Antes de abrir o Cabeça de Boi, Nhô criou porcos e algumas vacas no terreno do bar. Jorge, com apenas oito anos, começou a ficar responsável por ajudar a entregar as garrafas de leite que eram ordenhadas pelo pai. Cedinho, ele tratava de deixar uma por uma nas casas cuiabanas. 

O cenário do bairro Duque de Caxias descrito por Jorge chega a ser difícil de imaginar, já que hoje a região concentra edifícios de classe alta e um shopping. Mas, na infância do cuiabano, a rua General Teófilo Ribeiro de Arruda, onde está localizado o bar, era um grande matagal. 

“Naquela rua não tinha nada, era só esse terreno do meu pai e mato. A noite a gente precisava queimar estrume para conseguir dormir, porque eram muitos mosquitos”. 

A chegada do progresso

Jorge assistiu Cuiabá crescer e o mundo se modernizar. Quando fala sobre “a chegada do progresso”, é quase possível enxergar tudo que o cuiabano viu acontecer. Com os olhos que agora ficam marejados ao contar a própria história em voz alta, ele viu cada um dos prédios serem erguidos e a área se transformar em uma região nobre da cidade. 

​“O bar era feito com tábuas, a rua ainda nem era asfaltada, conheço até onde fica cada tubulação de esgoto da rua. Depois de um tempo com o Cabeça de Boi, em 1994 fui demitido do emprego de digitador no banco e dividi a rescisão com meu pai, foi quando ele abriu o Bar do Nhô na Passagem da Conceição”. 

A primeira vez que “o progresso chegou” na vida de Jorge foi quando chegaram computadores no banco em que ele trabalhava. “Muitas pessoas foram demitidas, era como se, de cem funcionários, 90 fossem mandados embora”, lembra. 

Quando foi demitido e o pai abriu o Bar do Nhô, na Passagem da Conceição, em Várzea Grande, Jorge assumiu a administração ao lado da família. Apenas a mais velha dos três filhos, Ariane Conceição Formighieri, hoje com 38 anos, era nascida.

Ariane lembra de ter acompanhado de perto todos os sufocos do pai para conseguir manter o Bar do Jorge. Também emocionada, ela ouve enquanto ele conta sobre a primeira vez que o estabelecimento “quebrou”. 


Família é uma das mais antigas do bairro Duque de Caxias e assistiu região simples se transformar em área nobre, (Foto: Arquivo pessoal)

“Lembro que apoiei as mãos na cabeça e encostei no balcão. Naquele dia não tinha dinheiro para colocar gasolina no carro para podermos ir para casa. A Ariane já era nascida. Entrou uma cliente no bar, comprou algumas coisas que deram R$ 2, foi com esse dinheiro que consegui abastecer para irmos embora”. 

A filha mais velha brinca que não foi a única vez que o pai “quebrou” e os dois dão gargalhadas juntos. Alguns anos depois, Jorge e a esposa, Inês Amélia Leite Conceição, de 58 anos, tivessem mais dois filhos: Ariélle Esmeralda Leite Conceição de 34, e Victor Jorge Leite Conceição, de 32.

Com três filhos para sustentar, Jorge começou a pensar em saídas para conseguir fazer com que o bar custeasse os gastos da família. Mesmo com pouco dinheiro, ele teve a ideia de investir em uma mesa de sinuca, o que aumentou o movimento do estabelecimento. A solução ajudou, mas as contas ainda não fechavam. 

Cerveja “véu de noiva” 

Na época, ele mantinha apenas duas caixas de cerveja e uma de refrigerante, estoque que não se aproxima dos dias atuais e repleto de clientes fiéis. Depois de decidir tirar as mesas de sinuca do bar, Jorge conta que começou a pedir para que Deus lhe mostrasse um caminho, já que precisava sustentar a família.
 
“Não sou de ir em igrejas, mas eu tenho muita fé em Deus. Decidi comprar um freezer novo, parcelei em 36x e coloquei algumas cervejas para gelar. Ainda era daqueles horizontais grandes. Perdi o tempo de tirar as cervejas e elas congelaram, mas os clientes começaram a chegar”. 

Algumas garrafas foram perdidas, mas outras foram salvas por Jorge. Quando tirou as cervejas do freezer, elas estavam esbranquiçadas de tão geladas. A característica chamou atenção dos clientes e os boatos de que o bar tinha a cerveja mais gelada da cidade começaram a se espalhar. 

“Comecei a fazer cálculos de quanto tempo as cervejas deveriam ficar no freezer para sempre saírem ‘nevadas’. Algumas pessoas brincam que está ‘estragada’ ou chamam de véu de noiva. Como era aquilo que atraia os clientes, eu contava o tempo certinho para que elas sempre saíssem assim do freezer”. 

O movimento foi tanto que Jorge voltou à loja de eletrodomésticos para comprar outro freezer. A solução que ele havia pedido aos céus apareceu na forma das garrafas de cerveja “branquinhas” que ele alternava entre um freezer e outro. 

Cervaja "branquinha" foi sucesso desde que foi servida por Jorge pela primeira vez. (Foto: Arquivo pessoal)

Hoje o bar é administrado pelos filhos e o genro, Elton Vinicius Formighieri, de 44 anos, mas eles ainda precisam seguir a regra principal de Jorge: as cervejas devem sempre estar extremamente geladas e com o “véu de noiva”. 

No auge da movimentação do Bar do Jorge, engenheiros e equipe técnica que trabalhavam na construção do Shopping Estação, em Cuiabá, começaram a se reunir no estabelecimento. A cerveja gelada chamou atenção a ponto da família receber o convite para se mudarem para o novo empreendimento. 

“Nós chegamos a ir lá para ver como seria, mas negamos o convite. Percebemos que a logística não ia permitir que a cerveja estivesse sempre ‘branquinha’ de tão gelada. Como o bar é conhecido por isso, não poderíamos deixar a qualidade cair”, explica Vitor. 

Formada em Comunicação, Ariélle reforça que o bar do pai nunca contou com grandes propagandas ou ações de marketing. A fama da cerveja gelada se espalhou de forma orgânica por Cuiabá. “É o boca a boca mesmo que fez o sucesso”, pontua. 

Além da cerveja "nevada", o bar também é conhecido pelos pratos que são servidos. Hoje, Elton é responsável pelos espetos e a cozinha principal é comandada por Inês, matriarca da família. Ariane brinca que a mãe acorda e dorme na cozinha para garantir a qualidade do que é servido. 

Quando Inês e Jorge se casaram, eles foram morar na casa da mãe dele, já que ainda não dispunham de condições financeiras para comprarem a própria residência. Ele lembra que a esposa aprendeu a fazer o bolo de carne, que é sucesso no Bar do Jorge, com a sogra. 

“A receita é da minha mãe e só a minha esposa sabe fazer. Nas sextas-feiras ela chega a fazer quase cem bolinhos de carne. Uma vez um dos clientes chegou em mim e disse: ‘Jorge, você está perdendo dinheiro’. Porque ela costumava fazer apenas 20 por dia. Está no cardápio até hoje”. 

Esposa de Jorge, Inês é a única que sabe os segredos para preparar receita de bolo de carne criada pela sogra. (Foto: Arquivo pessoal)

Jorge abre um grande sorriso quando conta que é reconhecido pelos filhos e netos dos frequentadores mais assíduos do bar. Para ele, é sinal de que o estabelecimento faz parte de boas memórias na vida dos cuiabanos. Assim como viu o progresso modernizar a cidade, ele também assistiu a mudança na clientela. 

“Antigamente, os clientes eram mais velhos, agora muitos jovens frequentam o bar. A maioria deles me conhece, porque estou sempre por ali. Fico feliz demais pelo carinho com que eles me tratam”. 

Outro motivo de alegria para o cuiabano, que é o morador mais antigo da rua repleta de prédios e empreendimentos, é ter os filhos “debaixo das asas”. Com os olhos brilhando, Jorge ressalta que ter os três envolvidos na rotina do Bar do Jorge é emocionante. 

“Agora tenho meus três netos que sempre estão por ali também. Sempre foi e sempre vai ser um ambiente familiar. Meu pai me ensinou dessa forma e eu acho que consegui passar isso para eles. Somos muito unidos”. 
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