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Terça-feira, 16 de julho de 2024

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Verticalização da cidade se assemelha à organização dos casarões-senzala

Os arranha-céus paulistanos são características máximas da verticalização a que a cidade de São Paulo chegou, forçada pelo crescimento demográfico, pela elevação do preço dos terrenos e o problema crônico de circulação.


No livro "Estado Crítico: À Deriva nas Cidades", editado pela Publifolha, o arquiteto Guilherme Wisnik mostra, apoiado em estudos do francês Roger Bastide, que os arranha-céus também mantêm uma estrutura colonial sobre a qual se formou a sociedade brasileira. Esta --horizontal, e não vertical-- estava baseada em uma experiência distendida da vida nas sedes das fazendas, em que os empregados, por exemplo, eram --e ainda são-- considerados membros da família. Saiba mais sobre o livro.

Segundo Wisnik, os grandes edifícios "são empilhamentos de casarões-senzalas coloniais miniaturizados, reproduzindo verticalmente tanto a estrutura familiar patriarcal, com sua miscigenação paternalista, quanto a organização fundiária da cidade feita de sobrados, com seus tamanhos exíguos de lote, recuos laterais obrigatórios etc."

Leia abaixo o artigo de Wisnik que explica que São Paulo, apesar da modernidade e do crescimento vertiginoso para cima, ainda guarda traços da "casa grande":


No início dos anos 50, o sociólogo francês Roger Bastide, que viveu 16 anos no Brasil, publicou no jornal uma série de artigos sobre a cidade de São Paulo. Tratava-se, então, de prática comum entre pensadores das ciências humanas debater em público questões arquitetônicas e urbanísticas, como foi o caso de Mário e Oswald de Andrade, entre tantos outros. 

Conhecendo de perto o modelo da cidade europeia, com sua estratificação social estampada em altura na organização dos edifícios - o primeiro e o segundo andares reservados para a burguesia rica, os outros para a classe média, e os sótãos para os empregados domésticos -, Bastide distingue com clareza traços particulares do processo de verticalização de São Paulo. Verticalização que o sociólogo reconhece ser o destino da cidade, em função tanto do crescimento demográfico quanto da elevação do preço dos terrenos e do problema crônico de circulação. No entanto, para ele, esse vetor de crescimento vertical está em contradição direta com a "mentalidade horizontal" da formação colonial brasileira, forjada na experiência distendida da vida nas sedes de fazenda, e na promiscuidade familiar do sistema "casa-grande e senzala", analisado por Gilberto Freyre.

Em Sobrados e Mucambos (1936), o próprio Freyre interpretou a sobrevivência desse padrão de sociabilidade rural no espaço das cidades brasileiras em processo de verticalização. Bastide, contudo, mesmo seguindo essa diretriz básica, enxerga no "arranha-céu" paulistano a condensação das contradições apontadas nas dualidades. Pois o arranha-céu, para ele, "ao construir-se sobre as ruínas da antiga cidade, não desmancha essa estrutura comunitária, separa-a em altura apenas, e a reduz à miniatura".

Quer dizer: os edifícios são empilhamentos de casarões-senzalas coloniais miniaturizados, reproduzindo verticalmente tanto a estrutura familiar patriarcal, com sua miscigenação paternalista, quanto a organização fundiária da cidade feita de sobrados, com seus tamanhos exíguos de lote, recuos laterais obrigatórios etc. Diferentemente do caso europeu, em que os empregados constituíram-se como grupo separado, "independente, cioso das suas prerrogativas", e "comprometido na luta de classes com os patrões", aqui eles são considerados membros da família. Portanto, de acordo com Bastide, "o arranha-céu respeita as leis da estrutura social do Brasil e as inscreve nas suas linhas verticais".

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