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Domingo, 28 de julho de 2024

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Brasileiros narram fuga de navio que afundou na Itália

O mar pode ser apaixonante, arrebatador, traz um clima de romance. Existe algo de especial em partir para fazer um cruzeiro, e Civitavechia é uma dessas cidades onde se pode embarcar em um sonho. É prático porque ela fica pertinho do aeroporto de Roma. É só chegar e começar a navegar.


Antigamente, cruzeiro era coisa de rico, assim como andar de primeira classe. Mas nos últimos tempos o negócio explodiu e não para de crescer. Em 2011 mais de dois milhões de pessoas passaram por Civitavechia. Navios maiores, mais frequentes, mais gente, mais dinheiro. E a necessidade de oferecer cada vez mais atrações.

O Costa Concordia era um desses lugares para sair do chão, esquecer a terra firme, a vida real. Uma ilha móvel, onde não se tem que cumprir nenhuma obrigação.

Cinco restaurantes alimentavam tanto apetite e imagens do navio mostram uma rotina de quem não podia nunca imaginar que em apenas duas horas e meia depois de deixar o porto, o curtir a vida ia virar um lutar por ela. Em uma rota onde o navio devia passar próximo à Ilha de Giglio, o capitão decide fazer uma graça, agradar um garçom que tinha família no local e saudar um ex-capitão que mora ali.

Para isso, decidiu passar pertinho, se exibir e exibir essa nave que à noite parecia uma imensa árvore de natal toda iluminada. Mas como dizia o poeta, existia uma pedra no meio do caminho...

É em um dos simuladores mais modernos da Europa que se ensinam aos alunos que querem ser capitães os perigos e as dificuldades do mar. A gente vai saber um pouco do Sven Dreessen, capitão e diretor da escola, como se faz exatamente para mostrar para os alunos e principalmente o que aconteceu exatamente no Costa Concórdia.

Sven Dreessen diz que na hora do impacto o capitão não sabe o que aconteceu, o tamanho dos danos, quanta água está entrando a bordo e quantos compartimentos foram afetados. Ele precisa logo falar com outras pessoas da tripulação para ter a noção exata do problema.

Mas mesmo sem informações precisas, ele deve acionar o alarme para que os tripulantes possam se dirigir aos seus postos caso seja necessário abandonar o navio. Tudo isso não deve demorar mais do que 5, 10 minutos.

Essa é a teoria. Um casal paulista estava com o filho de 11 anos. Os três são veteranos de cruzeiros. E contam o que foi estar jantando em uma boa e de repente... “Foi como se ele tivesse passando em uma lombada, aquelas que você fica, um solavanco e depois ele deu uma parada brusca”, relata o empresário Randus Fonseca.

O menino Thuran Fonseca, filho do casal, conta que sentiu o movimento do navio no caminho até o banheiro: “Quando eu fui descer a escada, eu vi que estava meio inclinando assim. Aí um carrinho de bebê foi para trás, bateu na porta do banheiro. Meu amigo estava segurando uma grade para não cair. Eu saí correndo, tropecei no meu próprio tênis, caí no chão. Quando eu cheguei na mesa, tudo virou, caiu todos os pratos”.

No simulador, o capitão Sven Dreesson mostra o leme, o volante de um navio desses. Nesse momento, tão perto da ilha, não se usa o piloto automático.
As telas de um radar e de uma carta náutica - uma espécie de mapa - mostram ao capitão que ele não atingiu outra embarcação. Só resta a conclusão de que foi uma pedra.

Telefone, rádio walkie talkie, e é isso. Não existem sensores que mostrem que algo se quebrou, câmeras com imagens de cada compartimento, nada disso. Para tomar decisões sobre esse arranha-céu ambulante, o capitão depende de relatos de quem está lá embaixo.

Segundo Dreesson, com um rombo de mais de 50 metros, a água entra a mais de dez mil litros cúbicos por segundo. São de 3 a 4 compartimentos afetados, e um navio aguenta danos no máximo em dois. E óbvio que a cada minuto a situação fica cada vez mais preta e que não tem saída.

E o navio atesta isso ao ficar sem luz. Para as 4.200 pessoas a bordo, no meio da noite, com esse apagão, o que era medo virou pânico. “Tudo escuro, só tinha luz artificial na câmera, e ele super nervoso, com medo”, lembra Randus.

Um mundo de gente viu o filme Titanic, sobre o navio que afundou há quase exatos cem anos, em abril de 1912. Não era uma boa hora para lembrar disso, mas era inevitável. O que parecia quase impossível voltava a acontecer.

“Eu achei que ele ia afundar, o Titanic afundou, só que o Titanic foi em uma região menos privilegiada, com resgate mais difícil”. Só que no Titanic eram pouco mais de 1.200 pessoas. O Costa Concórdia tinha três mil a mais.

Em comum, além do impacto inesperado, um capitão que não parecia saber o que fazer. No Costa Concórdia, os passageiros ouviam mensagens que diziam que era apenas um problema elétrico que estava sendo resolvido.

‘Logo após o primeiro anúncio que havia problemas técnicos no navio, nós saímos do restaurante e nos dirigimos às cabines para aguardar novas instruções, porque disseram que eram problemas técnicos e que tudo estava sendo resolvido’, continua o empresário. Grande parte da tripulação era vítima dessa desinformação.

Por um acaso, a nossa garçonete estava lá ainda limpando, catando prato, sorrindo, como se nada tivesse acontecido. O navio começou a se inclinar, e aí o deus nos acuda estava instalado.

O Capitão Dresson explica que, com a sala de máquinas alagadas, na prática, o capitão só tinha mais um recurso: soltar uma das âncoras para que o navio fizesse uma curva em torno dela. Era uma parada forçada.

Sessenta e oito minutos depois da colisão, finalmente soava o alarme de abandonar o navio. Um tempo precioso foi perdido. No momento mais difícil, a hora de deixar o transatlântico, uma família de Fortaleza não estava reunida: 15 pessoas jantavam na mesma mesa. Mas uma filha estava com o namorado em outro restaurante, em outro andar.

“Foi por isso que eu passei duas situações bem traumáticas. a primeira de tomar a decisão eu e meu marido de ‘vamos procurar a Nathália e o Élcio, nessa confusão toda?’. Essa decisão foi muito difícil para a gente tomar. Pegamos o bote sem os dois. Na hora que o bote partiu que veio o desespero, a sensação de abandono”, conta Maria Cláudia Bezerra, empresária.

Enquanto os pais e os outros familiares desciam nos botes, Nathália e o namorado se perdiam pelos corredores do navio. “A gente andava pela parede, eles estavam andando pela grade do lado de fora. Então, eu imaginei que aquilo deveria ser melhor. Eu comecei a pedir ajuda para eles para ir para lá. Até que algum garçom me puxou e eu consegui ir. Aí eu me separei do Élcio, porque ele não conseguiu ir. Comecei a andar sozinha e quando passava por janela eu gritava pelo Élcio. No início ele respondia, depois ele parou de responder”, narra Nathália Bezerra, estudante.

Os dois só se reencontraram no bote. “Quando eu entrei no bote que eu consegui respirar. Aí o Élcio foi a última pessoa a entrar no bote”, destaca Nathalia. Mal ou bem, a maioria dos passageiros deixou o navio em barcos salva-vidas. Na Ilha de Giglio, foram recebidos por uma população generosa que fez de tudo para diminuir o trauma e o frio daquelas últimas horas.

“Nós dois chegamos descalços, e eu estava só com um vestido e uma jaqueta que me deram na fila do bote. Muito frio! Agora, você só sente o frio quando você chega na terra”, afirma a estudante.

Na hora de ir embora de vez, à luz do dia, o que era ver esse gigante tombado? Nada diante do alívio de ter saído dali vivos. Todos os passageiros tiveram que voltar ao continente passando pelo porto Santo Stefano. Os brasileiros se dividiram: uns voltaram para casa por Milão; outros, por Roma. Quase todos sem documentos. Perderam tudo e precisaram da ajuda dos consulados brasileiros.

Os 46 brasileiros escaparam com um enorme susto. Mas a imprudência de um capitão deixou mortos e desaparecidos. Quase todos abandonaram o navio apenas com a roupa do corpo. Na hora do desespero, o que se tenta salvar? Randus registrou essas imagens na hora em que se preparavam para deixar o navio.

Mãe: Que que a gente carrega?
Filho: Pega os meus brinquedos ali!

Eu comprei [a miniatura do navio] na mesma noite. No dia lá que aconteceu. Eu tinha deixado no quarto, na cabine. Eu consegui salvar. Um enorme navio reduzido a nada, um pequeno brinquedo na mão de uma criança. E na imagem feita por um satélite uma impressão estranha, como se tudo tivesse sido um imenso pesadelo.
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