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Sábado, 27 de julho de 2024

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'O Rio é pobre em centros de tratamento do crack', diz especialista

A intensificação das ações para desarticular as cracolândias no Rio de Janeiro escancara o problema do consumo da droga mais devastadora em circulação nos grandes centros e mostra a precariedade das investidas de combate. Somente na manhã desta quarta-feira, 67 usuários foram recolhidos de uma área no parque União, zona norte do Rio. Especialistas e gestores acompanham atentos o desenrolar das ações, que, independente de críticas quanto à estratégia aplicada, prosseguirão nos mesmos moldes nos próximos meses.


Para o médico e presidente da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas (Abead), Joaquim Melo, o grande problema na cidade e no Brasil todo é a falta de estrutura. "Não estamos preparados. Não temos locais aparelhados para o tratamento. O Rio é pobre em centros de tratamento", disse.

Mesmo sem condenar o trabalho feito no município, ele alerta que, além de aumentar as vagas e melhorar estrutura, o fundamental é dar condições de tratamento para o dependente do crack, e não apenas o recolher das ruas. "Tem que levar para hospital-dia, para clínicas de recuperação. Não adianta varrer o problema para debaixo do tapete para maquiar".

O presidente da Abead faz coro aos que defendem que o processo de retirada em si não ajuda, sequer, a iniciar o combate à epidemia urbana do crack. Para Joaquim Melo, o Rio precisa de equipes prontas e treinadas para agir com médicos e terapeutas. Além disso, chama atenção para o pequeno número de CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) em operação na cidade.

Enquanto deixa de prontidão equipes inteiras para amanhecer nas ruas da cidade e desfazer - mesmo que apenas por algumas horas - os pontos de uso da droga, a Secretaria de Assistência Social se equilibra nesta própria falta de estrutura e de exatidão de dados. Hoje, o que se sabe é que há 3 mil pessoas em "situação de rua" no Rio. Segundo a titular da pasta, Fátima Nascimento, deste montante é sabido que 50% são de dependentes químicos. Ou seja, não se tem mapeado um quadro do crack na cidade. "Não são dados estatísticos. São fruto de alguns estudos realizados por nós".

Verba
Procurado pelo Terra, o Ministério da Saúde, responsável pela implantação do programa Crack, é possível vencer, afirmou que foram liberados nos meses de maio, junho e julho, R$ 18,2 milhões para o Estado do Rio.

No total, 12 Estados brasileiros já aderiram ao programa, implantado em dezembro de 2011. As ações, que parecem não acompanhar o avanço da epidemia, preveem, entre outros pontos, abertura de 13.500 novos leitos para usuários de drogas em todo o país até 2014.

O ministério, via assessoria, alerta que o trabalho de combate ao mal tem que ser multidisciplinar. "Não existe modo único para vencer a dependência química". Sobre a internação compulsória, hoje aplicada no Rio para menores de idade, o ministério declara: "A internação não pode ser o centro no tratamento da dependência química. O Ministério da Saúde defende a internação involuntária para os casos de proteção e resguardo à vida, desde que haja uma avaliação médica recomendando tal medida."

A seguir, entrevista com a secretária de Assistência Social do município, Fátima Nascimento, sobre as operações em curso:

Terra - Um dos grandes problemas detectados é o atendimento feito nos abrigos. O que fazer para que as pessoas aceitem o tratamento?
Fátima Nascimento - Assim que o adulto é encaminhado para unidade de reinserção, ele passa por avaliação em conversa com assistentes sociais, e mostramos a ele o que a unidade pode oferecer, que é o tratamento via Secretaria de Saúde e também a possibilidade de ficar acolhido e ter a chance de buscar atividades direcionadas. O abrigo também é uma central de recepção. Quando ele dá entrada no abrigo, a gente lista as possibilidades que a unidade proporciona. Ele não vai ficar lá apenas jogado.

Terra - O que vemos é que na maioria das vezes não têm funcionado. É possível alguma mudança na política de abordagem aos usuários de crack?
Fátima Nascimento - O problema não é a política (adotada). É preciso insistir no trabalho de convencimento, visar ao rompimento da dependência, vencer o vínculo que essas pessoas têm com a rua. O usuário nessas condições perdeu o vínculo com a família, ele vai para a rua e passa a integrar grupos com regramento próprio. Até ele conseguir voltar a conviver na sociedade é muito complicado. Não é uma questão de mudar a política de atendimento.

Terra - Mas como lidar com a migração e a volta das pessoas às cracolândias?
Fátima Nascimento - À medida em que as áreas conflagradas são pacificadas (como Manguinhos e Jacarezinho) existe a tendência natural de migração. A gente tem essas áreas mapeadas. Estamos agora atentos ao parque União, por exemplo, além de Cajueiro, Patolinha e Madureira (todos na zona norte). De qualquer forma, acreditamos que, com a Secretaria de Saúde, poderemos trabalhar melhor essa população, até que comece a diminuir a migração. É a questão mesmo do tratamento da dependência química e de ir verificando os danos que a droga já tenha produzido.

Terra - E a questão da falta de estrutura?
Fátima Nascimento - O trabalho tem avançado bem, se considerarmos a dificuldade de tratar o paciente, o pouco tempo de trabalho... Já temos os novos investimentos do governo federal, além dos Ministérios da Saúde e da Justiça.

Terra - E as críticas recorrentes de que se está apenas "enxugando gelo"?
Fátima Nascimento - Para provar que não estamos, só tendo mesmo o entendimento melhor e amplo do que é a política de assistência social. A abordagem é isso mesmo: você precisa, sistematicamente, estar em contato com essa população dando oportunidade para a pessoa melhorar, se tratar, fazer parte de novo da sociedade e ter uma vida normal.
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