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Sábado, 27 de julho de 2024

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Companheiro de 85% das presas de SP também está preso, diz pesquisa

Uma mulher jovem, negra, semianalfabeta, que trabalhou quando criança, com quatro filhos e cujo marido ou companheiro também está preso. Esse é o perfil geral da presidiária no estado de São Paulo, traçado por uma pesquisa...

Uma mulher jovem, negra, semianalfabeta, que trabalhou quando criança, com quatro filhos e cujo marido ou companheiro também está preso. Esse é o perfil geral da presidiária no estado de São Paulo, traçado por uma pesquisa inédita encomendada pela Secretaria de Administração Penitenciária a qual o G1 teve acesso.


O estudo foi realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Ensino e Questões Metodológicas em Serviço Social (Nemess), da PUC de São Paulo. De acordo com a coordenadora da pesquisa, a professora Maria Lúcia Rodrigues, foram entrevistadas 1.130 presidiárias, por meio de questionários e entrevistas aprofundadas em 11 unidades prisionais - de um total de 19 em todo o estado administradas pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). O estudo durou 10 meses e foi concluído nesta terça-feira (30). A população carcerária feminina é de 10.909 mulheres - já a de homens é de 177.665.

O trabalho apresenta "diretrizes, políticas e serviços" para a elaboração de 10 mil manuais a serem distribuídos para todo o sistema prisional. De acordo com o estudo, 60% das presas do estado se declaram solteiras, 45% têm até 29 anos e 46% dizem ter trabalhado quando criança. "Sempre um trabalho muito duro, elas faziam questão de dizer. Ou trabalharam na roça, ou como domésticas", conta a pesquisadora Márcia Helena de Lima Farias.

A reincidência entre as presas é de 29%, e a grande maioria delas, 85%, tem o marido ou companheiro também presos. "O problema que se vê é: com quem ficam os filhos? Porque o fato de os dois estarem presos desestabiliza a casa", analisa a autora do recém-lançado "Entre as leis da ciência, do Estado e de Deus - o surgimento dos presídios femininos no Brasil" e antropóloga Bruna Angotti. Para ela, "o argumento de que as mulheres entram no crime por influência do parceiro é complicado do ponto de vista sociológico, porque é como se elas não tivessem potencial de serem autoras, de fazerem suas próprias escolhas", diz a antropóloga.

Outro dado que chama a atenção no estudo é o tipo de crime cometido pela maioria das mulheres: 72% estão presas por tráfico de drogas. "O crime está muito interessante, muito rentável. [...] A proteção não vem da política pública, vem do crime organizado. Ele compete com o Estado", diz Maria Lúcia. De acordo com Bruna Angotti, muitas vezes essas mulheres entram no tráfico para completar a renda. Outra coisa que também é comum, segundo ela, é a mulher ser presa quando está levando droga para o companheiro que está preso.

Quando perguntadas se conhecem algum programa ou alternativa para sair do crime, 80,6% das entrevistadas disseram que não. "Ela é excluída por natureza, na essência. Não é que não quer [mudar], mas não há essa dimensão de escolha", explica Márcia. Apesar de ser menor do que a masculina, o aumento da população carcerária feminina nos últimos nove anos [de 2001 a 2010] foi maior: 286% contra um aumento de 186% dos homens presos.
Participantes do Nemess. Da direita: Maria Lúcia Rodrigues, Hannah Zuquim Prado (que também trabalhou na pesquisa),

Mulheres em presídios de homens
As condições dos presídios, segundo as pesquisadoras, também não são apropriadas. "Com exceção da penitenciária de Tupi, nenhuma unidade prisional é feita para o gênero. São prédios antigos, que já foram prisões masculinas. [...] Muitas presas não recebem nem absorvente, se viram como podem."

Essa questão se deveu ao fato de que, quando passaram para a custódia do Estado, os presídios não foram adaptados para receber as mulheres. "Das três primeiras prisões femininas [a primeira construída em 1937], apenas uma foi feita especificamente para mulheres, as outras foram adaptações e isso é uma coisa que continuou", explica a antropóloga Bruna Angotti.

"A maioria das mulheres da década de 1940 eram presas por contravenção penal, que eram atos ligados à prostituição, como escândalo, desordem, alcoolismo e vadiagem, e crimes de lesão corporal (brigas). Esse perfil mudou bastante. Primeiro pela necessidade de manutenção do lar, o número de mulheres que chefiam famílias aumentou, e depois por causa do ingresso da mulher no mercado de trabalho". Segundo Bruna, houve uma mudança estrutural dos tipos de crimes e também nos presídios. "Até a década de 1980, os presídios femininos eram administrados por freiras, e a função do cárcere era de recuperação moral, de retorno do papel social da mulher. Depois da saúda das freiras, houve uma indiferenciação [por parte do cuidado do Estado] entre os presídios masculinos e os femininos."

Em 2010, a Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução conhecida como "Regras de Bangcoc", em que estipula normas básicas para o tratamento de mulheres presas. O conjunto de recomendações - entre elas atendimento médico para os filhos, direito a tratamento psicológico ou psiquiátrico e a proibição de isolamento e segregação como medida disciplinar para mulheres grávidas - é um reforço das já conhecidas "Regras Mínimas para o Tratamento de Presos", após se diagnosticar os problemas do encarceramento feminino no mundo.

Mães na cadeia
Segundo a pesquisa do Nemess, a média de filhos por presa de São Paulo é de quatro. A Defensoria Pública deu início, no começo deste ano, a um projeto chamado "Mães no Cárcere", em que mapeia a condição das mulheres gestantes e com filhos nas cadeias. Em cinco meses de trabalho, a Defensoria apurou que, das 1.627 presas da unidade de Franco da Rocha, 889 são mães e 141 estão gestantes (ou com indícios de gravidez). Ainda de acordo com o projeto, 80% dessas crianças estão sob a guarda de familiares.

Já segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), há atualmente, sob sua custódia, 119 gestantes, além de 142 crianças - em todo sistema penitenciário. Segundo a secretaria, desde fevereiro de 2011 foram inauguradas em três penitenciárias o chamado "espaço mãe", com "área para banho do bebê, trocador, lactário (local para preparo de bebidas lácteas e complementares aos lactantes), área para recreação e cursos para as mães."

Segundo uma lei federal de 2009, as penitenciárias devem oferecer de condições para que a mãe presa possa cuidar do bebê e amamentá-lo. A SAP diz que está "buscando parcerias e desenvolvendo metodologias de trabalho específicas para lidar com essa situação", como o projeto “Meu Bebê Minha Vida”, que "conscientiza as gestantes a respeito de valores, comportamentos e ações" por meio de palestras e filmes.

Sem advogado
Segundo a pesquisa realizada pelo Nemess, 49,3% das presidiárias não têm advogado. Já o número registrado em outro estudo, realizado pela Defensoria Pública entre outubro de 2010 e outubro de 2011, é maior. Segundo eles, 68% das 11.010 entrevistadas em 90 presídios e cadeias do estado (administradas pela SAP e pela Secretaria de Segurança Pública) declararam não ter advogado contratado.
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