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Quarta-feira, 24 de julho de 2024

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Condenados por Carandiru devem usar estratégia de coronel, diz defesa

A advogada de defesa dos 23 policiais militares condenados no domingo (21) pela morte de 13 presos no massacre do Carandiru em 1992, Ieda Ribeiro de Souza, afirmou que "provavelmente" usará estratégias semelhantes as da defesa de coronel Ubiratan Guimarães, comandante da tropa no dia da invasão.


O coronel também foi condenado em primeira instância pelo massacre. A pena foi a 632 anos de prisão em 2001 pela morte de 102 detentos dos 111 que morreram (as outras nove mortes foram consideradas de responsabilidade dos próprios presos). O coronel, porém, acabou absolvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2006 - mesmo ano em que foi assassinado em seu apartamento.
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A advogada não adiantou detalhes do recurso, que já foi interposto por Ieda na própria ata do julgamento, na madrugada de domingo. Na ocasião, ela falou que a decisão "não reflete o pensamento da sociedade. Durante os debates entre defesa e acusação, no sábado (20), a advogada já evocava a absolvição de Ubiratan.

Segundo o advogado Vicente Cascione, que defendeu o coronel, os quesitos votados pelos jurados no julgamento de 2001 inocentavam o coronel. Em primeiro lugar, segundo Cascione, os jurados entenderam que não houve dolo (intenção). Quando não há dolo, a legislação penal prevê que o réu seja julgado por um juiz, e não um tribunal do júri.

Em segundo, os jurados reconheceram que Ubiratan agiu no "estrito cumprimento do dever legal", o que descaracteriza que tenha cometido crime. E, em terceiro, no quesito "exigibilidade de outra conduta", reconheceram que a ação adotada por Ubiratan era a exigida no momento.
Se eu te dou uma ordem legal e sou absolvido, você que cumpre a ordem vai ser condenado?"
Vicente Cascione,
advogado do coronel Ubiratan

O advogado explica que em seguida foi votado se houve excesso na conduta de Ubiratan. Os jurados aceitaram a tese, responsabilizando Ubiratan por 102 mortes. No entanto, essa possibilidade já havia sido excluída antes quando os jurados reconheceram que Ubiratan agiu no "estrito cumprimento do dever legal", segundo Cascione.

Ele afirma que a tese de que o coronel agiu legalmente também pode ser abordada pela defesa dos policiais. "Se eu te dou uma ordem legal e sou absolvido, você que cumpre a ordem vai ser condenado?" questiona. Ele afirma também que uma possível absolvição dos outros 53 policiais que participaram da ação e que ainda serão julgados também poderá servir de argumento para inocentar os policiais condenados no domingo.

Condenação
A pena para os 23 policiais foi de 156 anos de prisão para cada, mas eles podem recorrer em liberdade. Três dos 26 réus foram absolvidos. A sentença foi lida pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão à 1h15 no Fórum da Barra Funda.

A decisão dos jurados e a sentença ocorrem depois de um longo dia de debates entre defesa e acusação, com uso da réplica e da tréplica. A última fase, antes da votação dos jurados, começou durante a manhã e terminou às 21h25, com a fala da advogada de defesa, Ieda Ribeiro de Souza. Depois, os jurados responderam mais de 1,5 mil perguntas na sala secreta. Foram usadas 290 folhas de questionário para cada jurado.

O júri absolveu Maurício Marchese Rodrigues, Eduardo Espósito e Roberto Alberto da Silva, como havia pedido o Ministério Público. O promotor Fernando Pereira da Silva também pediu que os jurados desconsiderassem duas das 15 vítimas. Segundo ele, esses detentos foram mortos por golpes de arma branca, o que pode significar que foram assassinados pelos próprios presos. Por isso, os 23 PMs foram condenados por 13 mortes.
Eu vi com muita frustração. A diferença foi de um voto. Eu não esperava nenhuma condenação. A condenação não reflete o pensamento da sociedade. Um único jurado definiu o futuro desses homens"
Ieda Ribeiro de Souza,
advogada de defesa dos PMs

Os réus condenados são: Ronaldo Ribeiro dos Santos, Aércio Dornelas Santos, Wlandekis Antonio Candido Silva, Antonio Luiz Aparecido Marangoni, Joel Cantilio Dias, Pedro Paulo de Oliveira Marques, Gervásio Pereira dos Santos Filho, Marcos Antonio de Medeiros, Paulo Estevão de Melo, Haroldo Wilson de Mello, Roberto Yoshio Yoshikado, Salvador Sarnelli, Fernando Trindade, Argemiro Cândido, Elder Tarabori, Antonio Mauro Scarpa, Marcelo José de Lira, Roberto do Carmo Filho, Zaqueu Teixeira, Osvaldo Papa, Reinaldo Henrique de Oliveira, Sidnei Serafim dos Anjos e Marcos Ricardo Poloniato.

O promotor disse que saiu "muito satisfeito". "A Promotoria de Justiça está absolutamente satisfeita. Tivemos a acolhida pelo Tribunal do Júri e a punição aplicada pelo magistrado foi adequada", afirmou. O outro promotor do caso, Marcio Friggi, defendeu a corporação e reforçou a necessidade de punição "a maus policiais".

20 anos depois
O julgamento do massacre no Carandiru ocorreu mais de 20 anos após a invasão à casa de detenção, na Zona Norte de São Paulo. A ação terminou com a morte de 111 presos após a Polícia Militar entrar no Pavilhão 9 para controlar uma rebelião.

O processo tem 57 volumes, 111 apensos e 50 mil páginas. Por conta do número de réus, no entanto, a Justiça desmembrou o caso em quatro partes ou júris diferentes, correspondentes aos andares invadidos. O critério será julgar o grupo de policiais militares que esteve em cada um dos pavimentos onde presos foram mortos.

O julgamento: atrasos e indefinição
O juiz José Augusto Nardy Marzagão iniciou o julgamento na segunda-feira (15). Os trabalhos deveriam ter começado dias antes, mas uma integrante do júri passou mal e o início do julgamento foi adiado em uma semana.

No primeiro dia de julgamento, três sobreviventes do massacre afirmaram que PMs executaram presos e alteraram a cena do crime. Um agente carcerário e um perito criminal também foram ouvidos e disseram que as tropas invadiram o segundo pavimento do Pavilhão 9 e, depois de matar presos, atrapalharam a perícia e impediram o socorro às vítimas.

No dia seguinte, foram ouvidas as testemunhas de defesa. Foi a vez de dar voz ao secretário da Segurança Pública à época, Pedro de Franco Campos, à juíza Sueli Armani, de execuções penais, e ao ex-governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho. Fleury afirmou que a decisão de entrar no presídio foi "necessária" e "legítima", apesar de ressaltar que não estava à frente da operação.

O terceiro dia de trabalhos ocorreu após uma pausa na quarta-feira (17), quando um dos jurados passou mal. Mesmo com os trabalhos retomados na quinta-feira (18), o juiz terminou a sessão no plenário por volta das 18h45, depois de diversas interrupções. Nesse dia, defesa e acusação mostraram vídeos de reportagens da época.

No quarto dia de trabalhos e quinto dia de julgamento, os réus falaram ao júri. Disseram ter ouvido disparos ao entrar na cadeia, denunciando o suposto uso de armas de fogo pelos detentos. Um dos policiais admitiu ter usado uma metralhadora durante a ação. Apenas quatro dos 24 PMs presentes deram depoimento. Vinte decidiram permanecer calados, mas se declararam inocentes das acusações.

Defesa x acusação
Os promotores Fernando Pereira da Silva e Marcio Friggi e a advogada de defesa Ieda Ribeiro de Souza debateram durante todo o sábado, apresentando as teses para o caso. A defesa criticou a acusação “genérica”, que não especificou a conduta de cada policial, e a Promotoria pediu a absolvição de três dos 26 policiais militares acusados, além de reforçar a responsabilidade dos policiais sobre o excesso na ação dentro do presídio.

A advogada dos réus se baseou em três aspectos para pedir a absolvição: falta de detalhamento sobre o que cada policial teria feito exatamente, eles estavam cumprindo ordens e agiram em legítima defesa. "Falta ao Ministério Público a individualização de conduta de cada um desses homens. Da forma como foi feita a denúncia, cada policial vai responder pelas 15 mortes, o que me faz crer que cada preso morreu 15 vezes.”

Ela também desqualificou o testemunho do perito Osvaldo Negrini Neto, que atesta em laudo ter vistoriado somente o térreo do Carandiru no dia do massacre e, depois, retornado no dia 9 de novembro. "Como ele pode dizer que os presos foram mortos no interior das celas se só esteve no segundo pavimento um mês depois?", questionou.

Dos 26 policiais, três tiveram a absolvição solicitada pelo próprio Ministério Público. O promotor explicou que Marchese e Espósito, que eram tenentes à época, pertenciam à tropa do canil.

Apesar de os dois estarem portando fuzis e dispararem contra a segunda barricada, eles não fizeram disparos dentro do segundo pavimento do Carandiru e portavam armas para dar proteção aos cães, disse Pereira. Em relação ao réu Roberto Alberto da Silva, o promotor disse que consta no inquérito militar que ele atuou no terceiro pavimento do Carandiru, e não no segundo. Por isso, ele deveria ser julgado em outra ocasião.

Sobre o argumento citado pelos réus em seus depoimentos, de que não era possível atirar com precisão devido à fumaça e pouca visibilidade, o promotor Márcio Friggi negou a condição ao reforçar o dado de que 85% dos presos foram atingidos na região da cabeça e do pescoço. "Isso sem precisão. Imaginem se tivesse precisão", disse.
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