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Quarta-feira, 24 de julho de 2024

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'Valorizo cada minuto', diz jovem que buscou ar em freezer na boate Kiss

Com a gentileza que não se aprende em cursos, mas sim com as cicatrizes da vida, Ingrid Goldani divide a rotina entre a faculdade e o cuidado a pacientes, assim como ela foi por alguns dias. A estudante de enfermagem é uma das sobreviventes do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. Em meio à fumaça, ela encontrou em um freezer do bar da casa noturna fôlego para sair do local com vida. Três meses depois da tragédia que matou 241 pessoas, a jovem vive intensamente cada dia.


“Tudo que dá para fazer, eu faço na hora. Nunca deixo para falar amanhã o quanto gosto de alguém. Tento aproveitar cada minuto ao lado da pessoa, valorizo cada minuto”, conta ao G1 Ingrid, que completou 21 anos em 8 de abril. Apesar do trauma, Ingrid considera-se mais otimista. Entre as lições que aprendeu após a tragédia, a mais valiosa foi a de nunca postergar. “Se antes eu achava que sabia muita coisa, agora sei que não sabia nada. Temos que estar sempre dando valor, e é isso que quero passar para os meus filhos. Família é o que existe de mais importante”.

Ingrid trabalhava atrás de um balcão quando o fogo começou em 27 de janeiro. Ao perceber que a fumaça tomava conta do ambiente, abriu o freezer, puxou ar e pulou o móvel para fugir do local. Caiu e foi ajudada por um conhecido que só a identificou do lado de fora do prédio. Já em casa, a estudante sentiu-se mal e ficou uma semana internada no CTI de um hospital de Porto Alegre por problemas respiratórios.

Três meses depois do incêndio, Ingrid faz estágio em um posto de saúde de Santa Maria e já pensa na possibilidade de sair do município para investir na carreira. Se antes trabalhava na casa noturna, agora a estudante vê a tragédia como um reforço na escolha do seu futuro. “Quando entrei na faculdade, foi meio no escuro, não sabia direito se era isso. O que aconteceu só confirmou. Mesmo na situação que eu estava no dia, eu quis dar minha parcela de ajuda na situação”, revela, entusiasmada com o futuro. Casamento e filhos ficam em segundo plano, por enquanto.

De manhã, Ingrid tem dificuldade para acordar. É durante o sono que a jovem relaxa. “Todo mundo dizia que não conseguia dormir. Comigo é ao contrário. À noite entro nos sonhos e esqueço. No restante do tempo é impossível não lembrar”, conta. A estudante acredita que há uma explicação para o que aconteceu. “Sou espírita e busquei na religião respostas. Tudo já estava escrito e aquelas pessoas cumpriram a sua missão”, afirma.

O momento mais difícil do dia para a jovem é a aula. Alguns dos amigos que perdeu na boate eram colegas da faculdade. “Chego aos lugares e é impossível não lembrar, pensar que estive ali com a pessoa, que ela gostava de fazer determinadas coisas”, relembrou. Os perfis das vítimas que não foram apagados pelos parentes em redes sociais também reforçam a saudade. Quando a dor aperta, Ingrid gosta de escrever. “Costumo ir até o Facebook e contar que sonhei com meu amigo. Agradeço a ele por ter aparecido nos meus sonhos e digo que continuo lutando”.
Família recebe atendimento psicológico

O incêndio abalou toda a família de Ingrid. O irmão, Fabio, se formou no último fim de semana como soldado do 1º Batalhão Rodoviário da Brigada Militar. Ele também estava na Kiss na madrugada da tragédia. A família recebe atendimento psicológico semanalmente, mas Ingrid garante que a presença dos amigos é o que mais ajuda. “Passei um bom tempo rodeada de gente e isso ajudou bastante”, agradece.

Sair para festas novamente é um assunto ainda delicado. A gaúcha ainda não se sente recuperada, e ambientes fechados lhe causam iritações nas vias respiratórias. "Saí para um aniversário de uma amiga. Fiquei com medo, mas ficar trancada em casa não vai mudar o que aconteceu", completa.

Entenda

O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, na madrugada de domingo, dia 27 de janeiro, resultou em 241 mortes. O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco.

O inquérito policial indiciou 16 pessoas criminalmente e responsabilizou outras 12. Já o MP denunciou oito pessoas, sendo quatro por homicídio, duas por fraude processual e duas por falso testemunho. A Justiça aceitou a denúncia. Com isso, os envolvidos no caso viram réus e serão julgados

Veja as conclusões da investigação

- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso no palco
- As faíscas atingiram a espuma do teto e deram início ao fogo
- O extintor de incêndio do lado do palco não funcionou
- A Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás
- Havia superlotação no dia da tragédia, com no mínimo 864 pessoas
- A espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular
- As grades de contenção (guarda-corpos) obstruíram a saída de vítimas
- A casa noturna tinha apenas uma porta de entrada e saída
- Não havia rotas adequadas e sinalizadas de saída em casos de emergência
- As portas tinham menos unidades de passagem do que o necessário
- Não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas
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