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Sábado, 20 de julho de 2024

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Comissão da Verdade: engenheiro foi torturado em hospital

Comissão da Verdade: engenheiro foi torturado em hospital
Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) afirmou, nesta segunda-feira, que suas investigações comprovaram que o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, apontado como militante político pela ditadura, foi torturado dentro do Hospital Central do Exército (HCE), durante a repressão. Segundo a Comissão, esse é o primeiro caso que se tem notícia de pessoa torturada dentro da unidade médica.


A comissão chegou à conclusão a partir de documentos levantados pela família de Raul Amaro, e de laudos médicos analisados, a pedido da entidade, pelo médico-legista Nelson Massini. Segundo Massini, o laudo cadavérico de Raul Amaro indica que o engenheiro foi torturado pelo menos duas vezes durante sua internação no HCE.

O engenheiro foi preso durante uma blitz em 1º de agosto de 1971 e transferido para o Hospital Central do Exército (HCE) em 4 de agosto do mesmo ano, com vários ferimentos no corpo. Os ferimentos foram decorrentes de torturas sofridas no DOI-Codi, órgão da ditadura, mas na época, a informação dos órgãos oficiais era de que eles seriam provenientes de uma briga que teria ocorrido entre Raul Amaro e oficiais durante uma revista na casa dele. No entanto, fotografias divulgadas em 2012 pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo, mostram que quando deu entrada no Dops, Raul Amaro tinha integridade física e saúde preservadas.

Em 2103, a família de Raul Amaro entregou à Comissão um relatório de 262 páginas com documentos que mostram que ele foi interrogado dentro do HCE, resultado de pesquisas no Arquivo Nacional, nos acervos públicos de São Paulo e do Rio, além de entrevistas com parentes e amigos dele. Agora, a CEV-Rio afirma que não há dúvidas de que Raul Amaro foi torturado e morto dentro do hospital.

Um documento enviado pelo comandante do 1º Exército, general Sylvio Couto Coelho da Frota, datado de 11 de agosto, véspera da morte de Raul Amaro, informa ao diretor do HCE que dois militares estavam autorizados a entrar no hospital para interrogar o engenheiro.

A pedido da Comissão da Verdade, o médico-legista Nelson Massini, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, analisou o laudo de entrada de Raul Amaro no HCE e o laudo cadavérico dele. E, segundo ele, as lesões sofridas por Raul Amaro, pelas características (tipo, frequência e localização), são oriundas de tortura e foram sofridas dentro da unidade.

A descrição das cores dos hematomas no corpo de Raul no laudo cadavérico foi fundamental para Massini concluir sobre o espancamento dentro do hospital. É que os hematomas mudam de cor após dias de terem sido provocados, segundo uma escala descrita na medicina. As manchas começam vermelhas, no primeiro dia em que foram causadas. No 2º e 3º dias, ficam arroxeadas; 4º ao 6º dia ficam azuladas, do 7º ao 10º dia ficam esverdeadas; do 10º ao 12º dias ficam amarelo-esverdeadas e do 12º ao 17º dia apresentam aspecto amarelado, até sumirem.

“Houve agressão imediata nos primeiros dias da prisão dele, quando ele foi interrogado, houve uma tortura. Depois, ele foi torturado entre o dia 6 e 7 dentro do hospital, por causa das lesões azuis. E há uma comprovação do último dia, quando ele foi interrogado, e morto naquele dia”, disse Massini, ressaltando que o laudo cadavérico relata a presença de manchas vermelhas no corpo de Raul, indicativo de que foram produzidas há um dia.

“Nas piores situações que a humanidade enfrenta, as pessoas não são mortas dentro de um hospital. O triste é que temos certeza que Raul Amaro foi torturado e morto dentro do Hospital do Exército. Não temos mais nenhuma dúvida sobre isso”, disse Nadine Borges, presidente da CEV-Rio.

De acordo com a Comissão da Verdade do Rio, os documentos encontrados mostram que os militares afirmaram que “não houve tempo” para inquirir o engenheiro sobre todo o material em seu poder.

Segundo documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI), Raul Amaro era militante do MR-8, grupo que participou da luta armada contra a ditadura e sua casa funcionava como aparelho desse grupo, servindo para guardar “documentos de organizações esquerdistas”. A família afirma que ele apenas fazia parte da rede de apoio ao MR-8.

Raul Amaro morreu em 12 de agosto de 1971 aos 27 anos. Em 1994, a família do engenheiro, que era funcionário do Ministério da Indústria e do Comércio, quinze anos depois, obteve na Justiça sentença definitiva que considerou o Estado culpado pela morte dele. No processo, foi fundamental o depoimento de um soldado que viu Raul Amaro ser torturado no DOI-Codi, órgão de repressão durante a ditadura.

Agora, a família de Raul Amaro quer que todos os agentes envolvidos prestem depoimento e que sejam localizados documentos que possam esclarecer se ele foi espionado dentro do Ministério da Indústria e Comércio, onde trabalhava. “A gente não vai esquecer nunca, vai ser sempre lembrado, na esperança de que isso nunca mais aconteça. Se faz necessária a abertura imediata de todos os arquivos das Forças Armadas”, disse Felipe Nin, sobrinho de Raul Amaro.
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