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Quinta-feira, 18 de julho de 2024

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Mães com filhos trocados em hospital decidem ficar com os 'de coração'

Quando assistia pela televisão a histórias de bebês trocados na maternidade, a agricultora Maria do Carmo Ferreira dos Santos imaginava que, caso isso acontecesse com ela, iria procurar o biológico e querer ficar com ele. Mesmo avaliando assim, jamais percebeu que um dos quatro filhos não era o que havia dado à luz, em 1998, no Hospital Regional Dom Moura, em Garanhuns, Agreste pernambucano. Ela descobriu a situação há mais de dez anos, mas, não por acaso.

 

Em outra parte da cidade, a comerciante Josenalda Oliveira Bernardo, de 44 anos, chegou à conclusão de que o mais novo dos três filhos não era o mesmo que tinha carregado no ventre. Ele fez um exame e a mãe descobriu que o tipo sanguíneo era diferente dos demais. Então, ela decidiu fazer um teste de DNA e confirmou que o menino foi gerado por outra mãe.

Com a nova informação, a angústia e o instinto materno fizeram as buscas começarem. Josenalda saiu de porta em porta procurando a outra família até descobrir que eles também moravam em Garanhuns. Devido à descoberta, as duas mães passaram por momentos de depressão e pela sensação de injustiça. Porém, decidiram continuar com as crianças que estavam. “A partir do momento que você sai do hospital, você já está apaixonado pela criancinha. Eu já saí apaixonada por ele”, lembra a comerciante.
 

Os meninos estão com 16 anos e Josenalda relata que as duas mães trocam experiências sobre eles. “A gente escolheu o melhor jeito de viver. Primeiro veio o sofrimento, depois veio o amor dobrado”. Desta forma, já não fazia mais sentido o que Maria do Carmo imaginava, ao ver pela TV os casos de trocas de bebês. “Não é bem assim. O amor de mãe fala mais alto. O amor do dia a dia. Eu criei ele desde o momento que nasceu, amamentei, cuidei, amei. Aí, existe aquele vínculo realmente de mãe e filho. Mesmo ­não sendo o meu filho de sangue, ele é meu filho de coração”, afirma Maria do Carmo, atualmente com 53 anos.

Para Lucas Ferreira, filho biológico de Josenalda, e para José Ronaldo Bernardo, de Maria do Carmo, ter duas mães assim ainda é um pouco complicado. O primeiro já ouviu comentários maldosos e reforça o ensinamento da mãe de criação: "Ela disse 'Nem ligue. Você é meu filho e pronto!'" É com orientações como esta que eles conseguem superar, ao lado das mães de criação e das "madrinhas" - como são chamadas as biológicas. "Mãe é mãe e não pode deixar de ser", diz José Ronaldo.

Exemplo da família
A mãe da agricultora Maria do Carmo tem 96 anos e acolheu cinco filhos de criação. Ela ressalta que eles, biológicos ou não, devem ser tratados com igualdade. “Nunca me arrependi de ter criado meus filhos. Só em ser filho assim, [nos] considera mais. Meus filhos são iguais. Não gosto de quem pega o filho dos outros e vai ‘judiar’”, conta a aposentada Paulina Maria da Conceição.

 

O auxiliar de depósito Aguinaldo Gouveia dos Santos, 29 anos, é um dos filhos que Paulina recebeu. Para ele, o fato de não ter crescido com a mãe biológica não diminui o amor que sente pela aposentada. “Minha mãe me deu muito amor, muito carinho, muita educação. Eu creio que mãe não é só aquela que gera, mas aquela que cria. E minha mãe é um exemplo disso. Por isso que estou aqui. Amo muito ela”. Àqueles que vivem situação parecida, Aguinaldo deixa um recado. “Que todos amem a sua mãe. Independente de ser ou não filho, mas é a mãe”.

A história da mãe inspirou Maria do Carmo. “Eu aprendi que o amor vem junto. Quando se fala ‘filho de criação’, as pessoas acham que existe uma diferença. Mas não existe. O que importa é o amor. Não importa se é de sangue. É amor. Porque o filho adotivo é filho. Ele não deixa de ser seu filho”, detalha.

Indenização
O governo de Pernambuco foi condenado a pagar R$ 300 mil pela troca dos bebês. Cada família deverá receber R$ 150 mil. De acordo com o juiz da Vara da Fazenda Pública de Garanhuns, Glacidelson Antônio da Silva, o estado já esgotou todos os recursos.

“O STJ [Supremo Tribunal de Justiça], assim como a primeira instância e o TJPE [Tribunal de Justiça do estado], reconheceu o dano causado às famílias. O processo deve agora voltar para o TJ, que vai nos encaminhar. Quando isso ocorrer, iremos começar a cobrança dos valores”. Ainda de acordo com o juiz, a previsão é de que o valor seja pago, no mínimo, a partir de 2017.

Para Maria do Carmo, o valor da indenização não muda toda a história vivida. “O que mudou é que, assim, eu fiquei sabendo que tinha mais um filho. E o lugar desse filho está vazio. Mesmo eu sabendo onde ele mora, o lugar dele ficou vazio. São cinco filhos, mas um filho não substitui outro”.

 

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