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Quarta-feira, 17 de julho de 2024

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Um em cada dez assassinatos em SP é passional ou provocado por briga em família

Gleizer Velasco confessou, na última sexta-feira (12), ter agredido e estrangulado a mulher, a policial militar Larissa Velasco. No início do mês, Eliana Barreto foi presa sob a suspeita de tramar, com um amante, a morte do marido, o executivo Luiz Eduardo Barreto. Em janeiro, Joeldes Martins foi detido sob a acusação de matar a facadas o filho, Caio Martins, de apenas oito anos.


Casos do tipo não são incomuns em São Paulo. Um em cada dez homicídios no Estado acontece por causa de relacionamentos amorosos ou de brigas entre membros de uma mesma família. Entre janeiro de 2014 e abril de 2015, foram cerca de 580 casos.

Metade é resultado de conflitos que envolveram marido, mulher, namorados, ex-companheiros ou possíveis amantes.

Os números constam de levantamento iniciado pela Secretaria de Estado da Segurança Pública em janeiro do ano passado e atualizado mês a mês. A classificação das possíveis motivações é preliminar, com base em informações de boletins de ocorrência.

De acordo com os dados, 5,8% dos 1.376 homicídios registrados entre janeiro e abril deste ano resultaram de conflito que envolve relações afetivas — o que inclui briga entre casais estabelecidos, conflitos entre namorados recentes e agressões a outras pessoas por sentimento de posse, como ciúme. No ano passado inteiro, a taxa foi semelhante: 5,4% dos 4.294 casos de assassinato.

As mulheres são as maiores vítimas desse tipo de crime: dois em cada três mortos são do sexo feminino.

Já os crimes motivados por conflito entre outros familiares, como brigas entre pais e filhos, representam 4,2% dos casos ocorridos entre janeiro e abril deste ano e 4,9% dos casos ocorridos em todo o ano de 2014.

Como em cerca de 30% dos casos não foi possível classificar o suposto motivo do crime com base nas informações do boletim de ocorrência, a proporção de assassinatos motivados por relações amorosas ou por briga em família pode ser maior.

Tensões sociais

Miriam Debieux Rosa, psicanalista e professora da USP e da PUC-SP, afirma que uma série de questões influenciam crimes do tipo.

— Acho que não é uma coisa simples: é isso ou aquilo. Mas, no geral, se condensam uma série de questões sociais, econômicas, de gênero, de poder, trabalho, e tudo o mais. Quanto mais desorganizada for a sociedade, mais essas questões chegam em casa.

A psicanalista diz que o lar pode se transformar num local onde frustrações individuais transbordam.

— A pessoa chega saturada dos lugares, com preconceitos, discriminações. E não tem um lugar para poder se defender disso. Essas questões se intensificam, e a casa acaba se tornando um caldeirão de frustrações. Em casa, esse homem consegue exercer sua força. Lá, ele consegue se transformar em uma potência de vida, de trabalho e produção, muitas vezes de força física.

Ela afirma que isso não é suficiente para que o crime aconteça, mas amplia o risco.

— Em relação a crime, propriamente dito, entrariam outras coisas. Mas não deixa de acontecer de forma exacerbada. Com isso, esse movimento se torna destrutivo.

Pequenos conflitos

Ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique Cardoso, o coronel José Vicente da Silva afirma que casos do tipo são difíceis de prevenir, mas destaca que a atuação da polícia em relação a pequenos conflitos pode ajudar.

— Conflitos familiares não podem ser encarados pela polícia como fatos isolados. Quando há um chamado de bate-boca ou agressão, não se deve simplesmente resolvê-lo no local. É preciso levar as partes à delegacia, registrar a ocorrência e posteriormente chamar os envolvidos para prestar depoimento. Isso dá mais trabalho para a polícia, mas ajuda a reduzir os casos de violência extrema.

Silva diz que o registro auxilia também a polícia a identificar casos de reincidência.

— Se há quatro registros de briga, é sinal de que algo não anda bem. Alguma medida pode ser tomada. Dependendo do caso, pode ser adotada uma restrição prevista na Lei Maria da Penha. Em cidades do interior, o policial pode retornar à casa dias depois, mostrar-se presente.

O coronel lembra que a redução geral dos homicídios costuma inibir também crimes passionais ou motivados por brigas de família.

— De 2000 para cá, tivemos uma queda considerável na taxa de homicídios do Estado [houve redução de 66%, de 12.638 para 4.294 casos]. Isso também tem um efeito inibidor.

Silva lembra que, apesar de a maior parte dos casos não envolver familiares ou casos amorosos, é comum um assassino ser conhecido da vítima.

— São proporcionalmente poucos os casos em que o homicídio é cometido por motivo utilitário, como em um assalto. Em geral, o crime é cometido por algum conhecido da vítima, motivado por algum tipo de desacordo. Por isso a polícia costuma iniciar a investigação pelas pessoas que tinham relação com o morto.

O coronel afirma ainda que o desarmamento ajuda a reduzir os casos do tipo.

— Sem uma arma disponível é mais difícil de se cometer uma agressão extrema, mortal. Há, claro, outros instrumentos, mas a eficácia é menor. A redução do número de armas particulares ajuda também a reduzir os suicídios.

Procurada na noite de terça-feira (16), a Secretaria de Estado da Segurança Pública não se manifestou sobre o assunto.
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