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Quarta-feira, 17 de julho de 2024

Notícias | Brasil

Maioridade penal discutida entre muros e portões da Fundação Casa

Apartados do mundo por alguns pares de portões e grades, além dos muros altos, eles estão no centro de uma das maiores discussões recentes no Brasil. Pouco mais de dez mil adolescentes cumprem medidas restritivas de liberdade em 149 unidades da Fundação Casa (que funcionam 15% acima de sua capacidade), em São Paulo. Foram apreendidos por terem cometido crimes tão diversos quanto dano, ameaça, tráfico de drogas, roubo, estupro, homicídio e latrocínio. Desde o começo do ano, eles têm debatido internamente, com professores e defensores públicos, a possibilidade da redução da maioridade penal. Foram expostos a fotografias de presos em condições precárias em Centros de Detenção Provisória e presídios brasileiros e aos detalhes das propostas que pretendem mudar de 18 para 16 anos a idade penal.


O GLOBO teve acesso às unidades de Itanhaém e Peruíbe, no litoral sul, e conversou com eles sobre o tema. Sem alegar inocência, os adolescentes afirmam que mesmo se a lei fosse mais rígida quando cometeram suas infrações, isso não os teria parado:

— Eu entrei nessa porque queria ostentar, andar bem. A última coisa que você pensa é que vai ser preso — afirma João (nome fictício), de 19 anos.
O jovem alto, de fala mansa e riso fácil, está há quase um ano na Fundação Casa. Foi apreendido em flagrante depois de sequestrar e espancar um promotor de Justiça. Ele afirma ter largado a escola e começado a praticar crimes aos 12 anos.

Os adolescentes são categóricos em dizer que a mudança da lei será inócua para diminuir a criminalidade. Assim como João, vários deles admitem ter entrado para o crime com 12 ou 13 anos, uma idade muito abaixo do alcance da lei mesmo que a maioridade seja reduzida para 16. Além disso, quando cometem os crimes, eles dizem não pensar em que tipo de punição deverão sofrer.

— Você precisa do dinheiro e faz. Não é a lei que impede — afirma Tomás, de 18 anos, apreendido por tráfico.

Há cerca de dois meses, João, junto a outros oito meninos, tentou linchar um interno, acusado de estupro, recém-chegado à Fundação Casa e, como é maior de idade, foi levado para uma cadeia comum:

— Lá é sofrimento de verdade. A cadeia alimenta o ódio. Se você tranca um menino de 16 anos ali, você acha que dá para ele sair do crime? — questiona.

De acordo com os diretores de unidades, desde o início das discussões sobre a mudança da lei, os juízes têm aumentado o tempo de internação dos jovens. Em média, agora, esse período é de 11 meses. Os adolescentes justificam a entrada no crime pela pobreza da família, pelo desejo de ostentar produtos caros e pela falta de oportunidade em ter emprego formal. E não se mostram totalmente seguros sobre a própria recuperação.

De acordo com a presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella, a maior parte dos que acabam na instituição são “excluídos sociais”:

— Até por falta de referência, muitos contam que tem o traficante como maior ídolo. As pessoas acham que deveríamos ser uma fábrica de meninos bonzinhos, mas quando o adolescente sai daqui ele volta para uma realidade de exclusão.

A história dos irmãos Cleiton, de 18 anos, e Carlos, de 15, exemplificam as estatísticas da Fundação. Cleiton passa pela quarta internação por tráfico de drogas. Cresceu na favela apenas com o pai, parou de estudar. Alguns meses depois de ser apreendido, ele teve uma surpresa. As grades e portões da unidade se abriram e por elas passou seu irmão mais novo, também pego traficando.

— Olha para ele, senhora. É uma criança, não tem noção de nada. Imagine se jogassem ele numa cadeia. Eu ia perder meu irmão para sempre — diz Cleiton, aos prantos, abraçado a Carlos.
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